Conferência 2: A relação entre produção artística e reflexão teórica/Relato do debate imersivo
Conferencistas: Suzanne Lafont, José Teixeira Coelho; Debatedores: Cristiana Tejo, Luiz Guilherme Vergara, José Resende, Ton Marar, Rejane Cantoni, Peter Pal Pelbart, Carla Zaccagnini; Moderador: Martin Grossmann. Auditório 1. Relato do debate imersivo (por Maria Teresa Santoro/ coord. Paula Braga) O debate que se seguiu na tarde desta segunda feira (08 de agosto de 2005) discutiu algumas das questões enfocadas nas palestras deste dia proferidas pela artista plástica Suzanne Lafont e pelo teórico de arte José Teixeira Coelho, mediadas pelo crítico e curador Martin Grossmann. A debatedora Cristiana Tejo pergunta à artista Lafont porque ela não falaria da crítica da obra de arte e a questiona sobre sua relação com o discurso crítico. A artista responde que para ela, artista, a relação entre teoria e prática não existe, colocando que o pensamento plástico/artístico não passa pela linguagem verbal e que, assim, o pensamento crítico viria depois da obra, em um olhar reflexivo e totalizador da obra. A artista complementa esse argumento quando responde à debatedora Rejane Cantoni sobre como ela constrói e instancia suas obras, apontando que em seu trabalho há elementos constitutivos e fundadores, sendo o espaço um deles. Ela diz que parte de determinado espaço já existente, onde a experiência vai acontecer. Seu trabalho nesse espaço é fotográfico, mas está interessado no cinema e no deslocamento. Sendo seu trabalho uma montagem de um grupo de imagens, o espaço se torna elemento fundante, na medida em que cria o deslocamento do espectador e estabelece um tempo que é o tempo de leitura da seqüência de imagens. Segundo Lafont, sua obra seria o cinema de exposição e o espectador o produtor do encadeamento de imagens. O movimento do espectador, que se desloca ao passar pela série de fotografias, confere um ritmo cinematográfico à obra. Para a artista essas séries de fotografias formam um cinema que dura para sempre e que é, como no cinema mudo, legendado. A artista explica ainda seu novo trabalho para uma exposição a ser realizada em breve na Pinacoteca do Estado de São Paulo, respondendo à questão de Raquel Kogan. Ela apresenta a proposta que é composta de seis imagens que compõem um todo, sendo esse trabalho articulado também pelo personagem e pela ação. São vários elementos heterogêneos – fotografias feitas em São Paulo - que fazem parte da mesma proposta de discutir a apresentação das fotos que remetem à conversa das meninas, onde se discute a ausência de palavras, ou um teatro mudo. A mesma debatedora Tejo pergunta a Teixeira Coelho sobre o papel do crítico e do curador contemporâneos, citando uma conversa onde o historiador Walter Zanini diz a Paulo Brusky que a crítica teria acabado. Teixeira Coelho argumenta que o curador é um crítico diplomático, pois ele faz uma seleção dentre as obras e as justifica, calando-se sobre as obras que ficaram de fora. Conclusão mais grave, Teixeira afirma que as curadorias se fazem hoje, na maioria das vezes, no limbo das questões não feitas, que para ele seriam fundamentais. Já o crítico, segundo esse teórico, tem mais condições de trabalhar as questões mais sensíveis da obra. Entretanto, o paradigma que se tem para o crítico é o mesmo do curador, ou seja, o da falta de questionamento. Teixeira argumenta que não vê contemporaneamente uma crítica forte que recoloque essas questões essenciais, porque acredita que essas perguntas sobre a natureza da obra de arte – de onde veio, a que veio, para onde vai a obra – não se fazem mais. Ele propõe um caminho alternativo, onde uma volta ao paradigma do aparelho conceitual se justificaria, perguntando-se se algumas questões não são ainda válidas. Respondendo à mesma questão formulada pela debatedora Rejane Cantoni sobre como ele constrói seu método e como essa crítica amplia a esfera perspectiva do receptor, Teixeira Coelho responde que seu método é o trabalho de reflexão, mas uma reflexão plural, porque procura utilizar diferentes fontes de pensamento. Ele complementa essa questão do método assumindo a mesma postura de Wittgenstein, de que é necessário pensar desde um outro ponto de vista, ou seja, de um ponto de vista diferente daquele que sustenta os hábitos e os costumes do pensamento e que, segundo Teixeira, são mortais à vida e à sociedade. Fundamentando essa postura, o teórico faz ainda uma referência ao artista espanhol A. Muntadas, através da citação do artista sobre a obra de arte na Bienal de Veneza deste ano: “Atenção, a percepção requer empenho”. Teixeira responde à questão formulada pelo debatedor José Resende que pergunta sobre a possibilidade de se fazer uma crítica à produção cultural, argumentando que a produção cultural abre para a arte a questão do vale tudo. Ele argumenta, ainda para essa questão do vale tudo, que o pensamento de que tudo é cultura, implicaria na idéia de que a arte também seria, negando esse argumento ao afirmar a diferença entre a arte e a cultura. Para endossar essa posição, Teixeira cita Godard que disse que a cultura é a regra e a arte a exceção. Ainda argumentando sobre esse tema, o teórico aponta que a política cultural está aí para domestificar a arte e a cultura. Na seqüência, a platéia pergunta como seria possível delimitar o que é poético. Teixeira Coelho comenta que o que é lugar comum na obra de arte pode ser reconhecido quando se depara com ele. Porém, o poético é uma questão mais difícil e sutil, na medida em que se sabe o que ele é, mas não se sabe como dizê-lo. O matemático Tom Marar pergunta para Teixeira Coelho se seria possível se pensar numa arquitetura da história da arte, sabendo-se que na arte é complicado prever algo. O crítico de arte responde que vê com dificuldade a possibilidade de se construir uma história da arte, uma vez que essa história está destinada a ser vista através do passado. Teixeira ainda discute a necessidade de se estabelecer uma história da arte que necessariamente estaria submetida a alguns conceitos que são o ponto de vista da cultura e da sociedade. A discussão então se voltou para a questão apontada pelo mediador Grossmann, qual seja, a de que para fazer a crítica da obra de arte seria necessário apoiar-se na história. O mediador endossa a questão, afirmando que a obra que ganhou a Bienal de Veneza deste ano, de Thomas Shütte, está apoiada na história da arte, da escultura, enquanto que o trabalho da francesa Lafont aponta para a história da fotografia, do cinema e da palavra, em um pensamento que corre junto com a produção, dentro dessa cultura flutuante. Dentro desse pensamento, Grossmann pergunta a Teixeira como ficaria sua reflexão teórica a esse tipo de trabalho que tem uma ligação forte com o presente. Teixeira responde que o ponto de vista da obra de Lafont é clássico, pois remete ao referente, ao real, enquanto que o ponto de vista de Shütte remete à história da arte. Carla Zaccagnini se diz espantada com a argumentação de Teixeira sobre a falta de questionamento do artista e do crítico, afirmando que em seu modo de pensar e fazer arte, o artista tem que se justificar o tempo todo. Dentro dessa vertente, Suzanne Lafont argumenta que a verbalização e o conhecimento do que o artista faz não é um a priori. Então, a dúvida está sempre presente e precisa ser desenvolvida e decifrada. Teixeira Coelho concorda que o artista tem o direito de transformar em bandeira aquilo que faz, mas argumenta que o artista, na maioria das vezes, não explica o que fez. Como o artista, também o crítico não diz sobre a obra de arte, porque a questão da pergunta é uma questão já fora de moda, já não é interessante. Teixeira Coelho ainda endossa esse pensamento afirmando que o crítico contemporâneo parece mais um comentarista que acaba não influenciando nem a obra, nem o artista. A debatedora Rejane Cantoni ainda pergunta à artista plástica francesa sobre o impacto da crítica dentro de seu trabalho. Lafont responde que não apresenta com freqüência seus trabalhos na França, porque lá eles são julgados como atípicos. Ela afirma que estamos num período da história onde o naturalismo e a referência estão muito presentes e seu trabalho é uma reestruturação do real. Nesse sentido, a construção de formas teatrais e cinematográficas, ou seja, de figuras de representação, causam problemas de compreensão aos europeus. A artista explica ainda que em seu trabalho de montagem de imagens, o espaço é construído de forma a colocar o espectador no centro da ação e a repetição das imagens permite que se produza a duração do ponto de vista do espectador. O debate encerrou-se sob a forte impressão causada pela resposta de Lafont a uma pergunta de Martin Grossmann: quem seriam os teóricos que Lafont escolheria numa hipotética inversão de papéis entre artista e crítico de arte? Aparentemente, nenhum. Lafont afirmou não saber responder essa pergunta. |
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