Conferência 2: A relação entre produção artística e reflexão teórica/Relato

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Comunicações
Considerações finais

Conferencistas: Suzanne LafontJosé Teixeira Coelho Moderador: Martin Grossmann. Auditório 1.
Relatores: Paula Alzugaray (resumo), Cauê Alves (relato), Paula Braga (coordenação de relatos)

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Relato

(por Cauê Alves)

Após breve apresentação dos conferencistas, o professor da ECA-USP, Martin Grossmann, falou sobre a proximidade entre exercício crítico, atividade analítica e a produção contemporânea. Antes de passar a palavra aos convidados, que tinham como pauta pensar a relação entre teoria e práticas artísticas, o moderador questionou a possibilidade, em uma sociedade como a nossa, de um distanciamento para a interpretação de uma época.

A artista francesa Suzanne Lafont, iniciou sua palestra de um modo coloquial, mostrando imagens e descrevendo sua produção. Ela identificou inicialmente em seu trabalho personagens, lugares e ações. Entre dezenas de subclassificações que usa para sistematizar seu pensamento, há em sua obra aqueles personagens em que a atividade consiste em deslocar-se e aqueles ligados ao sedentarismo. Há, em suas fotografias, uma estreita relação entre palavras (como bom-dia, alarde, elegância, inanimado, rebelde) e gesticulação mímica. Em outros casos, os personagens surgem como fantasmas que não possuem outra atividade senão assombrar lugares de diversas maneiras.

Lafont classifica seus personagens entre aqueles que não possuem lugar determinado, destituídos de existência corporal, e aqueles que se alojam em espaços constituídos de elementos deslocados de seu contexto original. Do mesmo modo, algumas imagens que apresentou ao público possuem localizações geográficas plenamente identificadas, como Budapeste, Viena ou Frankfurt, enquanto outras, devido ao seu enquadramento, poderiam se aproximar de qualquer cidade contemporânea.

Dentre as personagens que realizam alguma tarefa e possuem função, existe um grupo de imagens que tem a tarefa de duplicar a linguagem e ilustrar palavras. Os protagonistas exercem nesse caso uma função ilustrativa. Entretanto, há também aqueles que não possuem função diretamente ilustrativa, eles são propriamente as funções e estabelecem relações entre conjuntos organizados de palavras e coisas.

Um exemplo dado pela a artista para esclarecer essa relação consistiu em uma imagem feita em São Paulo em que na fachada de uma loja havia palavras com o mesmo valor das coisas e de outras inscrições visuais. A palavra designava uma marca e remetia diretamente a uma mercadoria. Em seguida a artista, que prepara exposição na Pinacoteca de São Paulo, projetou duas imagens do mesmo lugar, com o mesmo enquadramento em momentos diferentes do mesmo dia, com luzes distintas: uma com personagens que conversavam sem gesticularem e outra sem personagens. Lado a lado, as fotografias mostravam “como o tempo social se cala sobre o tempo natural”. “Aquilo que os personagens dizem não aparece, porque as palavras são uma classe específica de coisas que sem possuir materialidade e consistência, tem o poder de designar e significar por todas”, disse Lafont. Embora a foto não registre a conversa, a ação de seus personagens fantasmáticos traduz na linguagem os diversos acontecimentos a partir de uma narrativa pela zona reservada da imagem.

Após o término da fala da artista, o teórico da arte Teixeira Coelho iniciou a leitura do texto em elaboração: Arte e Cultura da Arte. Sua questão inicial consiste na angústia de não saber responder a pergunta sobre os critérios da crítica e de sua percepção da falta de questionamento dos critérios e do lugar de onde fala o crítico. Frisando a fecundidade das relações entre artes, literatura, realidade e surrealidade, o ex-diretor do MAC-USP citou o escritor Salman Rushdie que destaca que “certos motivos que dão corpo a obra precisam ficar claros”. Segundo Coelho, o próprio público não se pergunta mais nada quando vai a uma exposição. Descartando a colocação de Clement Greenberg para quem os critérios não podiam ser colocados em palavras, o que faria equivaler o peça crítica a uma obra de arte, constatou que na situação atual tudo vale. “Se tudo vale para o artista, tudo vale para o crítico.” O problema é que o juízo estético, além de uma aposta pessoal, aspira a uma transsubjetividade.

A busca para a ampliação do gosto objetivo passa então pelo encontro com a história da arte. “A história fornece portanto um valor de saída, o que significa que na verdade não estou enfrentando e nunca enfrento de peito aberto a obra de arte [...]. Mas, questão previsível e inevitável, é a história que define os valores ou são os valores que definem a história?” Retomando uma argumentação de Georg Simmel, o conferencista afirmou que “não há valor cultural que seja apenas valor cultural, quer dizer, que se defina a partir de suas coordenadas internas: para que exista, essa significação precisa ter também um valor numa série objetiva – e a série objetiva que temos à mão é a da história da arte.”

Assim, o crítico, ao abordar uma obra de arte, não o faz unicamente “a partir de um valor deslocalizado e atemporal, nem a partir dos dois vetores privilegiados fornecidos pela análise puramente historicista” ou estruturalista. Ou seja, a posicional e o oposicional, isto é, o que permite a determinação do valor de uma obra conforme a posição que ela ocupa numa série e as oposições que estabelece com obras da mesma série. Para Teixeira Coelho, não é possível traduzir em palavras tudo o que a obra significa, mas é possível proferir em algumas palavras parte se seu significado.

Rejeitando a ascendência do historicismo, o professor, após mostrar imagens, dissertou sobre a premiação de Thomas Schütte na Bienal de Veneza e sobre os problemas de a História da Arte funcionar como fornecedora de significados para a arte contemporânea. Sua proposta é por em prática “o princípio da intempestividade de Nietzsche para recusar certas proposições do espírito do tempo, do espírito deste tempo, portanto do espirito do tempo dessa História da Arte e dessa Teoria da Arte para, assim, corrigir esse historicismo original“.

A conferência foi encerrada com um apelo para que a arte não se submeta a temas predeterminados e que assuma um presente crítico que não se identifique completamente com sua época, “porque os que se sentem cidadãos de seu tempo são exatamente aqueles que contribuem para aniquilá-lo e que com ele naufragam.”