Iniciativas Coletivas de Artistas
RESUMO
A presente comunicação versa sobre iniciativas de artistas. Dedicamos especial atenção ao seu formato de coletivos e aos espaços específicos que criaram para a difusão da arte. Para investigar este tema, escolhemos como objeto central de análise algumas proposições desenvolvidas no Rio Grande do Sul, a partir dos anos 90, os projetos de ocupação Câmaras e Arte Construtora, as exposições Plano: B e Remetente e o espaço permanente Torreão. As formas de atuação desses agenciamentos coletivos de artistas, os espaços por eles inventados e as maneiras como foram praticados nos forneceram material para que pudéssemos detectar inter-relações com o sistema das artes. Algumas vezes, eles foram abertamente críticos quanto às instituições e ofereceram respostas às suas insuficiências e limitações buscando, então, criar espaços onde pudessem agir com maior autonomia e liberdade. Os agrupamentos de artistas indicam uma vontade de realização fora dos limites do circuito estabelecido, investindo em outros espaços e, simultaneamente, questionando os espaços de arte existentes, o próprio sistema das artes visuais e os percursos de inserção do artista e seu trabalho.
ABSTRACT This work discusses artist initiatives. Particular attention is given to their group formats and the specific spaces created for the diffusion of art. Investigation of this subject chooses some interventions in Rio Grande do Sul: the intervention projects Câmaras and Arte Construtora, the exhibitions Plano: B and Remetente, and the permanent space Torreão as central areas for analysis. The ways in which these collective agencies of artists worked, and how the spaces they created functioned, provide material for identifying inter-relationships with the art system. At times they were openly critical of the institutions and offered responses to their limitations and insufficiencies, thus seeking to create spaces in which it was possible to work with more autonomy and freedom. These initiatives indicate a desire to work outside the limits of the established network, investing in other spaces and simultaneously questioning existent art spaces, the visual arts system itself, and the ways in which the artist and his/her work are placed within it.
Como objeto de pesquisa durante o mestrado investigamos algumas iniciativas de artistas que, coletivamente, viabilizaram projetos de ocupação e exposições em outros espaços que não os convencionais espaços museais ou comerciais do sistema das artes de Porto Alegre, a partir dos anos 90, ou ainda que criaram outros espaços permanentes de difusão. Porém realizamos uma reflexão sobre iniciativas independentes e coletivos que produz sentido em um contexto ampliado para todo o Brasil contemporâneo. As iniciativas de artistas podem ser observadas como respostas às insuficiências do sistema das artes para organizar a apresentação da produção artística. Essa produção não encontra aí seu lugar buscando criar outros espaços para si. Indicam uma vontade de realização fora dos limites do circuito estabelecido com um investimento em outros espaços. Esta movimentação questiona os espaços existentes onde haveria uma inadequação entre o tipo de proposta em arte concebida pelos participantes destes coletivos, questiona o próprio sistema das artes visuais e os trajetos de legitimação do artista e seu trabalho. Trabalhamos com a definição e identificação de três núcleos: como projetos de ocupação investigamos o Câmaras e o Arte Construtora em suas diferentes edições. Como exposições o Plano: B e o Remetente. O Torreão, como espaço permanente de difusão da arte. I. O projeto Câmaras (embrião do Arte Construtora), em 1992, ocupou o prédio do Solar dos Câmaras na região central de Porto Alegre com a participação de 11 artistas. II. O projeto Arte Construtora, no ano de 1994, ocupou o Solar Grandjean de Montigny, no Rio de Janeiro. Ainda em 1994, ocupou também o Parque Modernista, em São Paulo. Dois anos depois, em 1996, em Porto Alegre, outra ocupação do Arte Construtora concretizou-se com a realização de trabalhos em vários espaços da Ilha da Casa da Pólvora. III. O Plano: B foi uma exposição coletiva realizada em uma casa alugada, em 1997, paralela à I Bienal de Artes Visuais do Mercosul. IV.A exposição Remetente foi realizada em 1998 no Espaço Ulbra-Unidade Central e reuniu artistas que se ligaram em uma rede de convites. V. O Torreão surgiu em 1993 como idéia de atelier para dois artistas plásticos, tornando-se também espaço para cursos. Disponibiliza uma pequena sala que se encontra no prédio, onde artistas são convidados para intervir. Já ocorreram intervenções de mais de 60 artistas. No total temos mais de 100 artistas participantes de forma direta ou indireta destas iniciativas coletivas onde os nós afetivos não podem ser desconsiderados. A amizade era um fator importante, foi o que uniu e aproximou os participantes ligando-os em torno da idéia de produção de outras formas para apresentar e produzir seus trabalhos e de seus pares, re-inventando outros espaços que, mesmo quando foram provisórios, foram espaços da arte. Francisco Ortega é um autor que realizou uma genealogia da amizade permitindo entrever as diferentes formas que ela assumiu na história. Ele propõe que pensemos a amizade na sociedade contemporânea como outra forma possível de prática social e também política. A amizade como um apelo a experimentar formas de sociabilidade e comunidade, a procurar alternativas às formas tradicionais de relacionamento (Francisco Ortega, 2000, pp. 23-24). Para as exposições Plano: B e Remetente, também estratégias coletivas de artistas, havia, inicialmente, dois motivos que os levaram a realizá-las em outros espaços que não os do circuito de exibição estabelecido: primeiro, a própria insuficiência destes espaços oficiais; segundo, uma contestação quanto à forma de apresentação dos trabalhos nos mesmos. Tanto os projetos de ocupação Câmaras e Arte Construtora como as exposições acima citadas abriram outras perspectivas de ação para os artistas que desempenharam os papéis de agenciadores culturais e também atuaram como artistas-curadores ao convocar outros artistas para participarem. Eles foram o resultado de iniciativas coletivas de artistas que os idealizaram e realizaram. Neles encontramos uma trama de relações aberta e rica onde se propunham outros caminhos de inserção no sistema das artes procurando uma maior autonomia das instâncias legitimadoras. Há duas especificidades que são fundamentais e primeiras neste estudo sobre as iniciativas de artistas: seu caráter de coletivo, de associações entre artistas baseadas em vínculos como o da amizade e o resgate desta prática como via de possibilidade de ação diferenciada no mundo. A segunda é a recomposição de espaços como espaços da arte, onde as estratégias de ação dos artistas podem ser pensadas como “práticas inventoras de espaços” como fala Michel de Certeau[1] para quem o espaço é um lugar praticado. Sublinhamos algumas singularidades destes espaços da arte, sejam eles provisórios ou permanentes: uma maior autonomia para o artista se movimentar, inclusive com a implosão e alargamento de seu papel como produtor de obras; são espaços para a difusão de seus trabalhos que estão mais próximos de suas práticas como artistas; que não promovem cisões entre a circulação e a reflexão; são mais flexíveis e manobráveis quanto à forma de apresentação de proposições artísticas e onde pode se desenvolver um nível de trocas entre artistas pouco viável nos meios institucionais legitimadores da arte. Retomando: nos projetos Câmaras e Arte Construtora, os artistas buscavam uma relação específica com o espaço que iriam ocupar. Não eram, portanto, apenas propostas de exibição de trabalhos, mas de realizá-los em outros espaços da cidade que os artistas desejavam para si próprios e para despertar, pelas suas ações, a atenção do público sobre os mesmos. Os participantes destes projetos não eram artistas excluídos dos espaços consagratórios, mas em busca de outras formas de atuação. Quanto às exposições Plano: B e Remetente, sobre os questionamentos feitos, primeiro havia a insatisfação dos artistas com a condução dos espaços institucionais. Segundo: havia uma indagação a respeito do papel dos espaços convencionais do circuito de exibição estabelecido como única via de circulação e visibilidade para os trabalhos. Terceiro: aqueles espaços promoviam interferências nos trabalhos física ou simbolicamente, tornando-os inadequados como espaços de exibição. O artista não possui liberdade para desenvolver propostas mais experimentais nem para determinar a forma como seu trabalho será montado. Um outro questionamento endereçado aos espaços de arte é que eles não oferecem investimentos que auxiliem e amparem o processo criativo. Focando-se, sobretudo, na circulação dos resultados obtidos. Deste fato surgem perguntas relativas quanto ao papel das instituições atualmente “ser verdadeiramente aquele que deveria ter ao nível da arte”.[2] Outra questão levantada é a ocorrência nestes espaços de um isolamento dos artistas propiciado pela própria forma de funcionamento do sistema. Alguns, então, procuraram através de agenciamentos coletivos justamente criar espaços onde houvesse outras relações entre os artistas, que também fossem espaços para conversas e trocas. Quanto ao Torreão verificamos algumas outras relações com os espaços de circulação do circuito estabelecido. Os próprios administradores deste espaço procuraram se sentir representados, mesmo que pelo trabalho de outros artistas, mantendo desta forma como que uma amplificação de suas próprias proposições como artistas também. O Torreão não nasceu como uma contestação aos espaços de arte do sistema, mas ocupou uma lacuna existente. Bem, os espaços da arte foram contestatórios e críticos ou ocuparam lacunas do sistema gerando relações diferenciadas e assumindo múltiplas posições onde não constatamos respostas uniformes, mas identificamos os modos como estes espaços foram ditos e vividos. Entretanto, encontramos um traço comum em todas as estratégias coletivas: o desejo de autonomia e liberdade dos artistas tanto em relação a suas poéticas e às formas de sua apresentação, quanto a sua própria maneira de movimentação e de articulação. Nos espaços da arte os artistas pensam sobre o próprio trabalho sem isolá-lo de outras situações que interferem no seu sentido e que se ligam não só à forma de exibição, mas também à maneira como os artistas e os trabalhos realizam trânsitos dentro do sistema oficial de legitimação.[3] Estes percursos trilhados pelos artistas e suas proposições indicam que eles recebem valores ao longo destas trajetórias e, hoje, há uma maior conscientização relacionada a estes aspectos provocando escolhas, desvios e estratégias de ação em suas maneiras de transitar dentro do circuito legitimador. O Torreão e as exposições Plano: B e Remetente foram ou ainda são espaços da arte criados por iniciativas coletivas de artistas cujos resultados indicam a necessidade de se unir esforços para viabilizar estas propostas que significaram maior liberdade e uma via de saída às insuficiências dos espaços de arte do circuito e suas formas de exibição. No caso dos projetos Câmaras e Arte Construtora, a invenção de outros espaços era fundamental ao conceito de ocupação que os participantes se propuseram. Não os criaram unicamente pelas carências do meio. O que realizaram foi uma idéia de ocupação de espaços específicos os quais, proposital e necessariamente, não eram aqueles consagrados como espaços de arte. Para concluir podemos afirmar que, de modo geral no Brasil neste momento, os espaços da arte promovidos pelos agenciamentos coletivos de artistas não propõem o fim dos espaços do circuito. Podemos verificar a co-presença de todos no interior do mesmo sistema. As iniciativas de artistas criam para si outros espaços sem, contudo, saírem do campo artístico, como inclusive não é seu objetivo. Promovem, nestes espaços físicos, um espaço relacional ativo entre os artistas, com o público, com a crítica. Buscam preencher as lacunas do sistema e estabelecer outras formas para a apresentação de seus trabalhos. Devemos salientar que os espaços propostos pelos artistas evidenciam os limites e as inadequações dos espaços do circuito. As iniciativas coletivas de artistas criam espaços da arte que são respostas aos questionamentos sobre a atuação e as maneiras de exibição dos espaços de difusão convencionais do circuito e, ainda, respondem aos seus limites como espaços legitimadores. Referências bibliográficas BASBAUM, Ricardo. “O papel do artista como agenciador de eventos e fomentador de produções frente à dinâmica do circuito da arte”. In: CEIA Centro de Experimentação e Informação de Arte. O Visível e o Invisível na Arte Atual. Belo Horizonte: CEIA, 2002 CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano 1: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. ORTEGA, Francisco. Para uma política da amizade: Arendt, Derrida, Foucault. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000. __________. Genealogias da Amizade. São Paulo: Iluminuras, 2002. PAIM, Claudia. Espaços de arte, espaços da arte: perguntas e respostas de iniciativas coletivas de artistas em Porto Alegre, anos 90. Porto Alegre: Instituto de Artes/UFRGS, 2004.
claudia paim final de outono de 2005
[1] Cf. CERTEAU, 2002. [2] Conforme entrevista com Sandrine Rummelhardt em PAIM, 2004, pp. 265-268. [3] Sobre os valores que se agregam aos trabalhos quando de seus deslocamentos pelo circuito, ver texto de Ricardo Basbaum “O papel do artista como agenciador de eventos e fomentador de produções frente à dinâmica do circuito da arte”, In: CEIA, 2002. | |||||||||||
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