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Os museus na pauta do dia: crises e desafios

O Estado de São Paulo - 04/09/2004 - Maria Hirszman acompanhou o encontro promovido pelo Fórum Permanente, realizado no Instituto Goethe, em que diretores de quatro instituições museológicas do País apresentaram um panorama da situação dos museus brasileiros. Participaram do encontro, que teve como mediador Martin Grossmann, Marcelo Araújo, Moacir dos Anjos, Paulo Herkenhoff e Paulo Sérgio Duarte.Transcrição de artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo

 

 

CADERNO 2 O ESTADO DE S.PAULO
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Sábado, 4 de setembro de 2004

Os museus na pauta do dia: crises e desafios
Instituição museológica foi tema de concorrido encontro realizado anteontem no Goethe

MARIA HIRSZMAN

Diante de uma seleta e representativa platéia, diretores de quatro instituições museológicas do País apresentaram ao longo de mais de três horas um panorama da situação dos museus brasileiros em encontro realizado na tarde de anteontem no Instituto Goethe. Abordando um leque amplo de questões, os participantes voltaram a temas recorrentes como a dificuldade de se ampliar acervos, a necessidade de formar mão-de-obra especializada e a assustadora precariedade física encontrada em algumas instituições-chave do País.

Mais do que pelo pessimismo, as intervenções foram marcadas por um forte realismo e pelo desejo de avançar em direção à superação de problemas antigos, já diagnosticados em encontros semelhantes, realizados há duas, três décadas, e a modificação do panorama recente, de enfraquecimento do papel do museu em função do estímulo social, político e econômico dado aos eventos temporários de grande visibilidade.

"Se os museus brasileiros sempre foram frágeis institucionalmente, parece que sua capacidade de formular projetos parece ter se enfraquecido ainda mais nos últimos anos", iniciou Moacir dos Anjos, diretor do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, do Recife. De maneira precisa, ele mostrou que essa tendência de valorizar o efêmero e deixar de lado os projetos de médio e longo prazo tem uma origem não apenas cultural, mas financeira.

Cultura do efêmero - O imediatismo, que está no cerne da principal lei de financiamento da Cultura do País, assim como os critérios de avaliação quantitativos exigidos por patrocinadores e também pelos gestores políticos, baseados apenas no sucesso de público, foi alvo de críticas e reflexões também por parte de todos os membros da mesa. Se há uma série de questões específicas e regionais, que atingem mais esta ou aquela instituição, o problema do financiamento é geral, como atestam os depoimentos dos outros participantes da mesa, Marcelo Araújo (Pinacoteca do Estado), Paulo Herkenhoff (Museu Nacional de Belas Artes) e Paulo Sérgio Duarte (do Conselho de curadores da Fundação Iberê Camargo, de Porto Alegre).

Duarte, por exemplo, chegou a sugerir o slogan "mais arte, menos marketing", e lembrou que o problema é o excesso de dinheiro drenado para atividades que não geram resultados efetivos, como aquisição de acervo. E cita um exemplo estarrecedor: a Mostra dos 500 Anos, na qual foram gastos US$ 40 milhões sem que nem uma obra de arte tenha sido adquirida para algum museu brasileiro.

Dados do acervo do Museu Nacional de Belas Artes são alarmantes: a última compra para o acervo ocorreu durante o governo Sarney. Isso sem contar a extrema precariedade do edifício. "Encontrei no museu as mesmas condições que levaram ao incêndio do MAM do Rio em 1978", alerta. Uma ampla reforma está em curso e só depois será possível formular um plano diretor consistente.

Ainda com relação ao acervo, Araújo lembrou que é possível ampliá-los recorrendo a iniciativas como os sistemas de comodato que levaram à Pinacoteca do Estado importantes coleções como a Brasiliana (Fundação Estudar) e a de José e Paulina Nemirovsky. A situação da Pinacoteca, no entanto, difere daquela enfrentada pela maioria das instituições museológicas do País. Com grande prestígio e duas sedes em ótimas condições, ela tem se transformado numa espécie de oásis de excelência. Isso se deve também à continuidade de gestão.

Masp - Durante todo o tempo, e mais especificamente nas perguntas da platéia - que se referiu com menos pudor ao caso Masp, pairou sobre o debate os escândalos veiculados recentemente sobre a administração do museu. Dívidas elevadas, incapacidade de realizar uma programação efetiva de médio e longo prazo e sobretudo falta de transparência (até hoje a direção do museu não atendeu aos reiterados pedidos de divulgação do conselho representativo que votará no próximo mês de outubro para decidir quem será o próximo presidente do museu) acabaram por dissipar uma confiança difícil de ser conquistada. Entre as propostas aventadas pelos participantes para resolver essa questão está a consulta ao Ministério Público e o pedido para que o Iphan não autorize mais nenhuma saída de obra do museu sob o risco de seqüestro de bem para pagamento de dívidas no estrangeiro.

Para além dos problemas mais imediatos, também houve espaço para discutir questões de fundo, como o frágil substrato cultural do brasileiro. A situação difere da de outros países. Como lembrou Araújo, existem 3 mil museus de arte nos EUA, metade deles criado a partir da década de 80. E acrescentou que pesquisa realizada há alguns anos revelou que os museus são as instituições com maior credibilidade por lá. Em segundo lugar vem o Corpo de Bombeiros. Duarte critica nossa "burguesia de Estado que vê a arte como despesa e não como investimento, sem compreender que o processo educativo é mais abrangente do que freqüentar escolas".

Herkenhoff concorda, lembrando a diferença de estatutos entre os museus federais cariocas e as bibliotecas, como a Biblioteca Nacional. Ele também retorna ao exemplo paradigmático da Bienal dos 500 Anos, ressaltando que não é a toa que os bancos, ação mais rentável e dinâmica da economia brasileira, tenham conquistado um espaço tão importante. Não devemos esquecer que o presidente da República renunciou simbolicamente à condução dessa comemoração para um banqueiro (Edemar Cid Ferreira).

A mesa-redonda foi marcada por uma grande harmonia, mas houve momentos de polêmica mais acirrada, sobretudo no que se refere ao debate acerca da efetividade do recém-criado Sistema de Museus, iniciativa do Ministério da Cultura para reunir instituições museológicas de todo o País numa grande rede. Duarte, que acompanhou de perto iniciativa semelhante realizada no País na década de 80, se diz cético em relação aos resultados desse projeto e vê com temor a igualdade de tratamento dado a museus distintos. Segundo ele seria necessário dar um tratamento diferenciado às instituições de arte.

Já Araújo acredita que há várias questões em comum entre museus de arte, de ciência e históricos e que a iniciativa é louvável.

O evento foi promovido pelo Fórum Permanente de Museus, instituição criada há alguns meses em uma ampla parceria, que pretende colocar em pauta (ao menos até 2006) uma série de discussões, com a participação de especialistas nacionais e internacionais. O Fórum, coordenado por Martin Grossmann, é resultado de uma parceria entre o Instituto Goethe, o Consulado Geral da França, do British Council e do Consulado da Holanda e conta com o apoio de instituições como a Fundação Vitae (que infelizmente está encerrando suas atividades), a Fapesp e o Departamento de Museus e Arquivos do Estado de São Paulo. Estes últimos, parceiros importantes para a viabilização do novo site, lançado também no evento de anteontem e que pretende levar o debate sobre museus para a rede virtual. O endereço é http://forumpermanente.org/

 

Transcrito do jornal O Estado de São Paulo
( http://txt.estado.com.br/editorias/2004/09/04/cad040904.html)

Veja também resumo da palestra em nossa sessão "revista"