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Mesa-redonda 4: Mercado e novos meios hoje: falso, pirata ou apropriado/Relato

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Palestrantes: Giselle Beiguelman, Eduardo Brandão, Ernesto Neto, Lívio Tragtenberg. Debatedores: Ricardo Basbaum, Miguel Chaia, Eduardo Leme, Bia Medeiros, Lucia Leão, Raquel Kogan, Mário Ramiro, Tadeu Chiarelli Moderador: Márcia Fortes Auditório 3.
Relatores: Gabriel Kogan (relato), Paula Braga (coordenação de relato). 

 

 

Relato

(por Gabriel Kogan)

 

A mesa-redonda 4, “Mercados e novos meios hoje: Falso, pirata, ou apropriado?” teve a presença de Eduardo Brandão, Ernesto Neto, Giselle Beiguelman e Lívio Tratenberg como palestrantes e de Márcia Fortes como moderadora.

Eduardo Brandão focou essencialmente a questão da fotografia e sua inserção no mercado, questão latente em seu trabalho na Galeria Vermelho. A reflexão sobre a obra e sua venda foi um dos maiores estímulos, segundo Eduardo, para a abertura da galeria. A explanação segue, situando historicamente a fotografia: remete-se aos primórdios desta como arte, ao pictorialismo, quando lidava com o desejo, e, assim, coerentemente, não deveria ser comercializável. Até a década de 70, quando se insere no mercado, a foto, de forma geral, caminhou paralela a arte, tendo como ideal essencialmente a publicação na grande imprensa. Cria-se, então, regras para possibilitar venda (a priori conflitantes com o meio), como por exemplo, a reprodutibilidade. A arte pôde então ser vendida e exposta. Eduardo ilustra a questão com dois artistas representados por sua galeria: Claudia Andujar, que exige a tiragem ilimitada de suas fotos e Rogério Canella que, ciente da limitação da cópia, se recusa a fazer mais de uma ampliação. Ambos os casos, por questionarem padrões já estabelecidos pelo mercado mesmo que de formas antagônicas, têm, segundo o galerista, as suas comercializações complicadas.

Ernesto Neto, por sua vez, sugere, sobre o título da mesa, que possivelmente todo artista é um pouco pirata e que, no Brasil, o potencial artístico é freqüentemente desprezado. Critica também as premissas do simpósio que, segundo ele, teve enfoque muito mais sistêmico do que propriamente estético. Ernesto encerra sua fala inicial com a exibição do vídeo inédito “O auto-retrato do artista contemporâneo”, uma combustão, segundo suas próprias palavras, onde o próprio fala interruptamente sobre sua rotina como “artista contemporâneo” por entre galerias, feiras, exposições, críticos e situações incansáveis e repetitivas. O sistema da arte bombardeia o artista que transforma a performance cinematografada numa espécie de Rap.

Giselle Beiguelman introduz na discussão a perspectiva das mídias digitais e, conseqüentemente, os “originais de segunda geração”, onde a cópia e o original não se distinguem, onde o original não perde a áurea, no sentido Benjaminiano. A cópia de um arquivo digital não é nada além e nada aquém do que o primeiro. O conceito de mídias digitais, esclarece Giselle, surge em oposição ao analógico (onde invariavelmente há deformação na cópia, na reprodução) e a partir também da imprecisão do termo “novas mídias”, que pôde uma vez ser empregado ao rádio, a TV ou, até mesmo, aos extintos Vídeos-lasers. O plágio inerente ao meio digital, especialmente a Internet que se efetiva pela linguagem e pelo fluxo, possibilita que a tecnologia de produção textual, sonora e visual seja usada até a sua potência máxima, numa dinâmica de recombinação e reciclagem. Como referência a estes conceitos, Giselle menciona o grupo 0100101110101101.org que em 1999 clonou um site de web-art pago. Nesse contexto, falso é um critério de avaliação de uma crítica alheia às mídias digitais. Giselle questiona assim o próprio título da mesa que ainda cita a pirataria, termo ideológico referente a ato ilegal, e à apropriação, termo também inadequado ao tema, associado às mídias digitais. Por fim conclui: “parece-me claro que só será possível discutir as relações da produção de cultura digital, a partir do momento que tivermos artistas conscientes da não-neutralidade tecnológica e uma crítica aparelhada conceitual e tecnicamente (...). Caso contrário, resta reconhecer que os camelôs são a vanguarda da cultura digital”.

A fala de Lívio Tratenberg discute, inicialmente, o momento de transição em que hoje nos encontramos: uma mente antiga trabalhando sobre um suporte novo. Nesse contexto, disse que "falso" é a indústria do entretenimento que clona e inventa grupos musicais, promovendo um pirateamento de gostos. A discussão, porém, volta-se ao tema da mesa: segundo Lívio a apropriação não é condição recente, mas pode já ser vista, por exemplo, em Bach que aprendeu fazendo transcrições de peças de Vivaldi. Quanto de Vivaldi está em Bach? O problema do autor está então relacionado a uma questão de autoridade ao sistema da arte, como mais um produto a ser vendido. Em duas músicas distintas de Philip Glass não se pode afirmar qual é original. O mesmo acontece com Erik Satie. A referência sugere então uma nova discussão: por que a necessidade romântica de originalidade hoje é reafirmada exaustivamente? Lívio testemunha não viver a crise da reprodutibilidade: ela é absolutamente bem-vinda.

A debatedora Raquel Kogan inicia o debate falando sobre a dificuldade de todo o processo envolvendo a arte digital até a venda: produção, exibição e documentação. Eduardo Brandão responde destacando que a estanqueidade do mercado é apenas aparente e que, portanto, não se deve haver fechamento em oposição. Não necessariamente, segundo, o galerista, hoje o colecionador compra para ter. A debatedora Rejane Cantoni argumenta que a questão gira em torno não exatamente em se ter dinheiro para comprar, mas sim para desenvolver. A arte digital pressupõe, portanto, um caro e longo trajeto de pesquisa e desenvolvimento. Ernesto Neto intervém propondo que tudo pode ser vendável, uma vez que se pague, que haja quem compre. A fala de Ernesto é debatida por Giselle e Livio que, em oposição, dizem crer que nada seja vendável. “Tudo pode ser trocável, cambiável”. Fala-se no debate, segundo o músico, em dois mundos diferentes, um ligado ao suporte material da autoria mercantilista e outro mundo onde estas coisas se colocam, porém, de maneira diferente. Ernesto Neto ensina então a fazer uma de suas obras. Afirma, em seguida, porém, que existe quem esteja preocupado com que obra seja produzida exatamente por ele: “É um fetiche”, provoca Lívio. Patrícia Canetti lembra que o fetichismo não se sustenta por si só e pergunta o porquê então de se fazer tiragem da arte digital uma vez que ela trouxe possibilidades ilimitadas de reprodutibilidade. Daniela Bousso lembra então de Duchamp e de sua essencialidade na discussão da apropriação e, após, introduz dois exemplos: o CD abertamente copiável e sampleável de Lívio Tratenberg, disponibilizado após o artista ter ganhado o prêmio Sérgio Motta e os CDs-obras piratas vendidos por artistas na Galeria Vermelho. O debatedor Ricardo Bausbaum levanta questões importantes: a obra de arte pode ser consumida não apenas em sua compra, mas num sentido em que Hélio Oiticica coloca, consumindo o consumo. Assim todos podem consumir arte, não apenas aqueles que a adquirem. Lembra também que a venda de uma obra pode significar ao artista a possibilidade de se fazer outra. Ernesto Neto discorre sobre Romero Britto que, apesar de estar no mercado, apresenta uma obra em nada significativa. O oposto, segundo ele também ocorre com freqüência: artistas com obras significativas que não estão no mercado. Giselle então especifica as dificuldades das novas mídias em se inserirem no mercado: ela pretende ter sempre o controle sobre sua obra, sobre sua cópia irrestrita. Desta forma a artista pretende se colocar não em oposição ao mercado, mas como delimitadora dos padrões destes. Eduardo Brandão, por outro lado, fala sobre a dificuldade de colocar estas obras, pouco vendáveis e caras, num espaço de uma galeria de São Paulo. Rejane Cantoni propõe a Eduardo Brandão então uma Lab-Galeria, onde a concepção, o projeto, de uma obra digital seja vendido para que então possa ser desenvolvido. Brandão a priori declina chamando a atenção que, para tal, teria de ter uma distinção de públicos: um que financiaria as obras e outro ordinário. Daniela Bousso então pede, por fim, que este debate não se encerre na mesa e convoca os envolvidos, galeristas, artistas e o próprio Paço, para que isso seja desenvolvido.