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Mesa-redonda 3: A instituição como interface/Relato

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Palestrantes: Moacir dos Anjos, David Sperling, Rutger Wolfson, Ana Maria Tavares; Debatedores: Daniela Bousso, Fabio Cypriano, Elisa Martinez, Rodrigo Moura, Marília Panitz, Paulo Portella; Moderador: Martin Grossmann. Auditório 2
Relatores: Fernanda Albuquerque (relato), Henrique Siqueira (coordenação de relato)

 

 

Relato

(por Fernanda Albuquerque)

O papel da instituição no sistema da arte e sua relação com outros agentes do circuito – em especial o artista e o público – foram às questões que nortearam a terceira mesa redonda do 1o Simpósio Internacional do Paço das Artes - Padrões aos Pedaços, dedicada ao tema “A Instituição como Interface”.

A atuação do artista nesse panorama, o isolamento das artes e a necessidade de formar público, o lugar do museu na cultura de hoje, a arquitetura dos espaços de arte e seus componentes simbólicos, a realidade brasileira e a ênfase institucional nas chamadas mostras temporárias foram algumas das questões levantadas pelos palestrantes e debatedores para pensar o tema em discussão. Como pano de fundo do debate e condição para se refletir sobre o papel das instituições de arte hoje, o fato de que a produção artística não constitui mais um campo autônomo, isolado de outras áreas do conhecimento e da experiência humana, mas um campo profundamente poroso e contaminado por outras áreas, como a cultura popular, a cultura de massas e a política, como enfatizou Moacir dos Anjos, diretor do Museu de Arte Moderna Aluísio Magalhães (MAMAM) e um dos palestrantes da mesa. Não resta dúvidas – e a questão parece ter sido consenso entre os palestrantes – que a condição impõe novos desafios a instituições como museus e centros culturais que se propõem a mediar a relação do público com a produção artística de hoje.

No papel de mediador da mesa, o crítico e curador Martin Grossmann iniciou os debates, propondo uma reflexão sobre as relações entre os conceitos de livro, museu e interface. Segundo ele, o formato tradicional do livro corresponderia ao do museu neoclássico, cujo paradigma é o Altes Museum, de Schinkel, em Berlim, com uma estrutura rígida e linear e um percurso predeterminado. Já o formato da revista corresponderia ao do museu moderno, o chamado cubo branco, onde existiria uma maior versatilidade e flexibilidade no uso do espaço. Exemplo paradigmático seria o Crown Hall, de Mies van der Rohe, em Chicago. Para exemplificar o museu cuja estrutura assemelha-se à de uma interface, Grossmann recorreu ao projeto de Lina Bo Bardi para o MASP, cujo desenho propõe uma relação contínua com a cidade e o tempo presente e cuja museografia sugere a idéia de hipertexto. “É claro que o espaço traz problemas para a percepção das obras, mas a liberdade de uso que ele proporciona ao sujeito é fantástica.” Ele enfatiza, no entanto, que não se trata de substituir a lógica do livro ou do museu pela da interface, mas de agregar esses universos e potencializar novas dimensões para a difusão do conhecimento. Nesse sentido, o crítico ressaltou a experiência do Fórum Permanente, cuja atuação seria semelhante a um processo museológico que tem como objeto o próprio sistema da arte. Sua função: armazenar e estimular a reflexão sobre a natureza das instituições culturais, suas políticas e ações.

Na seqüência, Ana Maria Tavares partiu de sua própria experiência com instituições de arte para discutir a possibilidade de o artista atuar de forma transformadora, capaz de ampliar os limites que a própria idéia de instituição carrega. Ela exemplificou a forma colaborativa com que artistas e instituições trabalhavam nos anos 80, contrastando com o atual panorama, em que os museus teriam se profissionalizado, passando a atuar segundo moldes internacionais, e com isso teriam afastado os artistas de seu convívio mais próximo. A artista apresentou projetos recentes, como o Porto Pampulha, desenvolvido para o Museu de Arte da Pampulha (MAP), em Belo Horizonte, e o Relax’o’Visions, que a artista desenvolveu para o Museu Brasileiro da Escultura-MuBE, em São Paulo, para chamar a atenção para a possibilidade de uma atuação crítica e propositiva em relação às instituições, problematizando sua inserção no sistema da arte e na sociedade. Para Ana Tavares, é responsabilidade do artista repensar o sistema e refletir constantemente sobre a sua inserção nele. Moacir dos Anjos também partiu de sua experiência como diretor do MAMAM para pensar o papel da instituição de arte no Brasil e suas interfaces com a produção artística e com o público. Num primeiro momento, ele propôs uma reflexão sobre o que define uma instituição de arte contemporânea, problematizando a tradicional divisão entre museus e centros culturais. Se tradicionalmente o museu é caracterizado por uma atuação focada em seu acervo, que dê conta de responsabilidades como a apresentação, preservação, documentação e pesquisa de suas obras, o centro cultural, por não possuir uma coleção, tem uma atuação focada nas exposições temporárias. A distinção, entretanto, tem se tornado cada vez mais tênue, como aponta Moacir: “Por motivos diversos (desde a necessidade de atrair mais público e atender às demandas dos sistemas de financiamento disponíveis, até, no caso brasileiro, a pouca densidade e especialização institucional do campo das artes), os museus que lidam com arte contemporânea têm feito, principalmente nas últimas décadas, mais e mais exposições temporárias, ao ponto de, muitas vezes, os acervos ficarem mais guardados do que expostos”. Os museus estão criando hoje interfaces não apenas com trabalhos já realizados, mas também com trabalhos em processo ou recém realizados, o que demanda, como observa Moacir, “capacidade de adaptação e flexibilidade, tanto física, como gerencial, tanto arquitetônica como curatorial”. Nesse contexto, os museus brasileiros vêm enfrentando dificuldades bem maiores de adaptação que os europeus ou americanos. Isso porque, sem terem resolvido problemas museológicos básicos de formação de acervos, preservação e catalogação, vêem-se obrigados a flexibilizar e ampliar suas funções de forma a responder às novas demandas. Reconhecer essa “condição tardia” dos museus brasileiros é imprescindível, segundo o crítico, para que se possa pensar em estratégias criativas de enfrentamento das suas dificuldades. Outra interface abordada por Moacir diz respeito às relações da instituição com o público. Nesse ponto, o crítico enfatizou a necessidade de se levar em conta, na elaboração de políticas de formação de público para a arte contemporânea, uma característica essencial da produção atual: o diálogo com outros campos da experiência e do conhecimento, com a cultura popular, a política e a cultura de massas. Ele apontou outras duas questões a ser enfrentadas no estabelecimento desse tipo de política: a dificuldade de se apresentar didaticamente certos objetos cuja presença física não é exatamente o trabalho do artista e a confusão bastante comum entre estratégias de formação e estratégias de ampliação de público.

David Sperling, por sua vez, arquiteto e professor da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP), partiu da premissa de que toda interface é antes uma interface espacial para refletir sobre as interfaces arquitetônicas dos museus de arte contemporânea e as experiências espaciais que eles vêm propiciando ao público. De acordo com ele, a arquitetura dos museus, na cultura performática contemporânea, teria transformado essas instituições em acontecimentos urbanos e midiáticos, criando “a ressonância necessária aos investimentos implicados”. O próprio espaço urbano teria, assim, se transformado em espaço de exposição. A arquitetura de performance significaria, segundo Sperling, “a resolução apaziguadora das tensões existentes entre as premissas da arquitetura moderna e as proposições formuladas pela arquitetura pós-moderna”. Ela reprocessa e associa a dimensão relacional da planta livre moderna à dimensão comunicacional do projeto pós-moderno. Nesse sentido, a arquitetura performática trabalharia em duas instâncias: a forma convertida em espetáculo (os projetos dos museus freqüentemente aludem a conquistas técnicas e tecnológicas) e o espaço transformado em programação (possibilidade de rápida adaptação a novos eventos). Seu conceito: a eficácia na produção das narrativas para a reprodução do capital. O arquiteto partiu da arquitetura performática dos museus de arte para refletir sobre o lugar que essas instituições ocupam na cultura contemporânea, cujos processos são, na maioria das vezes, determinados mais por interesses econômicos do que por interesses de qualquer outro tipo. A condição faz com que a lógica espacial dos museus de arte contemporânea – e o tipo de experiência que ela propicia ao público – muitas vezes se aproxime da lógica espacial de grandes centros de compras e circulação, lojas de departamento e shopping centers.

Rutger Wolfson, diretor do De Vleeshal, em Middelburg, na Holanda, encerrou as exposições da mesa com mais otimismo que seus companheiros. Ele partiu da arrebatadora experiência que teve ao se deparar por acaso com um trabalho de Ana Tavares no MuBE para ilustrar aquilo que acredita ser a grande virtude da arte: sua capacidade de provocar insights sobre nós mesmos e sobre o mundo em que vivemos. Seu otimismo em relação às potencialidades da arte é, no entanto, acompanhado por uma profunda preocupação com relação à posição marginal que a arte ocupa na sociedade de hoje. Tendo conquistado sua autonomia a partir do distanciamento da Igreja e do Estado, a arte teria se voltado cada vez mais para si mesma, sua própria história, tradições e convenções, isolando-se do grande público. É no sentido de tentar achar uma saída para esse problema, “libertar a arte de seu isolamento social”, que Wolfson vem traballhando a política de exposições do De Vleeshal. “Enxergo o De Vleeshal não como um espaço primordialmente para arte e para artistas, mas como um espaço para idéias – idéias que possam nos oferecer insights e nos dar alguma coisa para lidar com a complexa e dinâmica era moderna.” O diretor e curador da instituição exemplificou algumas dos eventos realizados no espaço holandês, em que, ao invés de chamar artistas para desenvolver projetos ligados ao conceito da exposição, chamou profissionais como VJs, designers, arquitetos, diretores de art, etc. “É claro que os artistas também têm um papel importante nesse processo”, esclarece Wolfson. “Mas para um grande número de temas é simplesmente natural envolver pessoas de outras disciplinas.” Durante o debate que se seguiu às falas dos palestrantes, Rutger Wolfson chamou a atenção para o pessimismo que vinha observado ao longo do simpósio. “Todo mundo só fala do que está faltando. Acho que vocês deveriam falar mais do que poderiam fazer para mudar a situação.” Ele argumentou que, enquanto nos países americanos e europeus as instituições têm uma tradição mais longa e por isso são mais rígidas e fechadas aos artistas, aqui elas ainda estão em formação, o que significa que são mais permeáveis a mudanças.

Moacir dos Anjos respondeu à provocação de Wolfson afirmando que gostaria de ser mais otimista em relação ao panorama nacional, mas que sua condição de gestor de museu público no Brasil não lhe permite outro sentimento senão o ceticismo. Segundo ele, embora haja uma superinstitucionalização de museus na Europa e Estados Unidos, há também uma diversidade de instituições muito grande e uma profissionalização muito maior. Em outras palavras, como já existem museus que cumprem as funções sociais de um museu, há espaço para que outras instituições de arte possam agir de maneira mais flexível e criativa. O diretor do MAMAM também respondeu à colocação do debatedor Rodrigo Moura, diretor do MAP, que perguntou à mesa se os museus brasileiros não estariam investindo demais em mostras e eventos temporários e deixando de lado atividades voltadas para a formação de acervos, pesquisa e educação do público. Moacir dos Anjos afirmou que sim. De fato, os museus têm investido mais nesse tipo de programação. O perfil, segundo ele, seria estimulado pelo sistema de financiamento dessas instituições, calcado em grande parte nas leis de incentivo à cultura. “O financiamento baseado na dedução fiscal das empresas privilegia o fato efêmero, o acontecimento, o espetáculo, e não a ação a longo prazo.” Foram muitas as provocações levantadas pelos debatedores. Maríliia Panitz, curadora independente e professora da UnB, chamou a atenção para as vocações e proposições colocadas pelos próprios espaços expositivos. “Os artistas e os gestores das instituições também têm de lidar com elas”, enfatizou.

Já Daniela Bousso, diretora do Paço das Artes, chamou a atenção para as relações entre a produção artística e as questões colocadas pelo sistema da arte. “Pode a criação poética sobreviver sem encarar de frente as questões sistêmicas?” A pesquisadora e curadora Elisa Martinez destacou a necessidade de se refletir sobre o que se entendia por “instituição”, identificando uma certa confusão em relação ao conceito durante o simpósio. Guilherme Vergara, por sua vez, diretor do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, levantou a necessidade de se discutir a formação de profissionais, antes de se falar em formação de público. Ele também atentou para a necessidade de se superar a velha maneira de pensar a arte a partir de disciplinas isoladas. “Quanto tempo as conquistas dos anos 60 vão levar para transformar o mundo acadêmico, por exemplo, que ainda é dividido em especialidades?” Em função do tempo, nem todas as provocações levantadas pelos debatedores puderam ser debatidas pela mesa. Finalizando o debate, Martin Grossmann chamou a atenção para as “falas positivadas” de todos os envolvidos no debate. “Sabemos que o desenvolvimento de nossas instituições é tardio, conhecemos suas lacunas. Também sabemos que os museus estão envolvidos pela cultura performática. Mas o que fazer a partir daí? Como lidar de maneira crítica e criativa com essa realidade?” Se a busca por essas respostas esteve no centro dos debates, é ela também que parece guiar a atuação desses profissionais.