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Conferência 3: O papel da mídia no circuito da arte/Relato do debate imersivo

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Comunicações
Considerações finais

Conferencistas: Antoni Abad, Lucia Santaella  Debatedores: Márcio Doctors, Daniela Kutschat, Maria Alice Milliet, Angélica de Moraes, André Parente, Ricardo Ribenboim, Carla Zaccagnini; Moderador: Celso Favaretto. Auditório 1.
Relatores: Juliana Monachesi (resumo), Paula Alzugaray (relato), Daniela de Castro e Silva (coordenação de relatos).



Relato do debate imersivo

(por Paula Alzugaray)

A idéia da "distância mínima entre uma idéia e o público", proposta pela obra de Antoni Abad, centralizou o debate que aconteceu depois da conferência "O papel da mídia no circuito da arte". A julgar por grande parte das perguntas formuladas, o dispositivo tecnológico desenvolvido por Abad (que permite a grupos de ciganos, taxistas, prostitutas, etc,  publicarem fotografias na internet, sem mediações) gerou um tipo inquietação na platéia que corresponde à questão de Duchamp: o que é e o que não é arte.

Na primeira intervenção da tarde, Jairo disse reconhecer nos trabalhos de Abad "uma enorme carga de valores e significações para o mundo da sociologia e da antropologia", mas colocou em dúvida se o conjunto de imagens apresentadas seja arte. "Tendo a afirmar que não", lançou. A resposta, por parte de Abad, veio em forma de pergunta. Demostrando ser esta uma questão amplamente pensada e mastigada, questionou: "Por que aos artistas é dado o direito de interpretar seu cotidiano? Basicamente isso acontece porque há os curadores dos museus que autorizam esses artistas a terem uma visão da realidade, que logo se converte em algo que é colocado no altar dos museus. E por que não podemos autorizar um outro grupo de emissores, cuja audiência será muito mais ampla dos que a dos museus?".

A idéia de uma inclusão social produzida através da proposta artística de Abad e de seu dispositivo de "distância mínima entre uma idéia e o público", levou Lucia Santaella a evocar Marx e Benjamin. "Em O Capital, no capítulo sobre o fetichismo da mercadoria, Marx diz: 'Quando as sociedades forem justas, qualquer pessoa pode ser um pintor'". O que Marx não previu é que as sociedades estão cada vez mais injustas, mas cresceu a possibilidade de que alguém seja artista. Foi Walter Benjamin quem deu o salto do tigre, dizendo que 'a vingança virá da superestrutura".

Arte: por que, para quê e para quem? Essas foram as questões que foram se descortinando a partir do trabalho de Antoni Abad. Santaella prosseguiu: "O campo de possibilidades para alguém ser artista aumentou, mas outra questão se coloca: o que faz uma pessoa ser artista? Ser artista hoje é sustentar um desejo. E agora à velha questão: o que é arte?". Reconhecendo que a questão vem se tornando mais e mais complexa, desde Duchamp, Santaella corrigiu a pergunta para: "O que legitima um julgamento de que algo seja arte?".

Sem pretensão de chegar à resposta, Santaella então afirmou que o interesse da obra de Abad está no fato dela ser um agente e fazer uma escolha por emissores que não fazem parte do circuito da arte, colocando-lhes à mão a possibilidade de se tornarem criadores e interferirem na realidade. "Se isso é arte ou não é arte, essa é uma questão que não se coloca mais". Para santaella, Lucas Bambozzi e muitos outros presentes no debate a questão "o que é arte" não é relevante hoje. Mas será que essa não seria uma daquelas perguntas de que Teixeira Coelho disse sentir saudade?.

Janela renascentista

A discussão deu uma guinada radical em direção a 500 anos atrás na história da arte com a intervenção de Marcio Doctors, curador da Fundação Eva Klabin, no Rio. "No contato com a arte clássica, tenho me indagado sobre a questão do espaço renascentista como uma janela da realidade, um recorte que reproduz o mundo na bidimensionalidade. E a questão que me coloco é se nesse momento nós não estamos vivendo a realização desse espaço renascentista; se o processo da arte não está nos levando à possibilidade de criar esses pequenos espaços imaginários, agora dentro da tridimensionalidade do mundo, ou seja, dentro do espaço da vida.". A questão foi um prato cheio para o filósofo Celso Favaretto, moderador do debate, que vislumbrou ali outro caminho de discussão a respeito da imagem gerada pelas mídias contemporâneas. Favaretto começou pelo cotidiano renascentista, onde teria sido gerado o ato da representação, para chegar à constatação de que, efetivamente, os sites de ciganos, prostitutas e taxistas são janelas da realidade. "A representação gera, aos poucos, o mundo das imagens, que é paralelo ao mundo da discursividade. O que estaria acontecendo hoje é que essa relação entre imagem e discurso é suprimida. De tal forma que hoje uma imagem se remete à imagem e não mais à coisa. (…) As técnicas modernas nos colocaram em condições de eliminar totalmente a nostalgia de uma arte reinstauradora de uma relação direta entre os homens e as coisas. Isso não é possível porque as imagens produzidas hoje se remetam a elas mesmas. Como essa produção é infinita, assistimos hoje à elaboração de um novo campo da cotidianeidade. (…) E a angustia contemporânea é como reinstaurar o simbólico em um tempo que não é mais possível acreditar numa realidade representada pelo símbolo".

Gargalo da distribuição

A polêmica que prometia acontecer entre a defesa, dos “novos intermediários culturais”, responsáveis pela circulação e transmissão da arte, por parte de Lucia Santaella, versus o empenho de Antoni Abad em banir todos os níveis de intermediação, não aconteceu realmente. Mas o problema foi insinuado pela crítica Maria Alice Milliet, que começou também com uma revisão histórica: "Marx dizia que no dia em que os meios de produção fossem controlados pelo operário, ele seria dono de seu destino", começou ela. "Hoje o acesso aos meios de produção existe, daí a proliferação dos potenciais artistas e a disseminação do fazer arte. Mas o gargalo seria agora não mais os meios de produção, mas de distribuição. É na distribuição que eu vejo que a coisa se torna muito controlada. O que Marx não colocou é que os meios de distribuição estariam fechando a comunicação."

Diante do questionamento sobre o entrave causado pelos intermediários que dominam os meios de transmissão, Santaella reconheceu que prefere "não mostrar a sombra". "Não gosto de perder tempo com os paradoxos e os lados negros da sociedade capitalista", disse. "Mercado e poder. Temos que fugir deles." Duas outras perguntas sintonizaram-se com a inquietação de Milliet. Uma delas foi a minha, que tocou no fato de Santaella considerar as mídias as "aliadas mais íntimas" das artes, ocupando "posição central no desempenho da função de meios de difusão”. Preocupada em problematizar essa relação - que de forma alguma me parece ser a lua-de-mel apontada pela autora -, pedi sua opinião a respeito do desaparecimento da crítica da imprensa de massa. A resposta foi interessante, mas ainda bastante parcial no sentido de permanecer "do lado solar". Em sua opinião, o encolhimento da crítica nos cadernos culturais está relacionado ao aparecimento das novas mídias. "Quando as novas mídia vão aparecendo, elas refuncionalizam as mídias anteriores. O papel desempenhado pelo jornal é modificado, eles só funcionam hoje como um sistema de sinalização. Outros canais foram aparecendo para as críticas mais reflexivas. O jornalismo cultural na web oferece possibilidades que não existiam antes, então não há porque gastar energia em re-inserir a crítica dentro do jornalismo impresso."

Contra-argumentando o problema do gargalo apresentado por Maria Alice Milliet, o artista Lucas Bambozzi apontou para o fato do trabalho de Abad ser um caso de tentativa de mediação mínima. "Esse trabalho produz canais de emissão. (…) Em termos estruturais e técnicos isso é exatamente um canal de distribuição. (…) Enquanto não chega essa sociedade justa, em que os acessos estejam realmente facilitados, projetos como esses dependem de movimentações de certas estruturas, que não são só os meios, mas as intermediadoras dos meios, que controlam os fluxos."

Fronteiras tênues

Mais adiante surgiu outra questão importante relativa à autoria. "Quem é o artista nessa obra? Abad ou os emissores?", perguntou Wilfred. E a resposta de Abad foi serena, amparada por um século de debates acerca da morte do autor, desde Benjamin e Barthes. "Evidentemente a autoria está deslocada. Como artista, considero que meu trabalho é tornar possível esse dispositivo. Modelar as redes, como um escultor". Neste ponto, artista e crítica concordaram perfeitamente. "A autoria é o grande problema da cibercultura. Hoje é impossível criar alguma coisa que não em parceria", disse Santaella.

Efetivamente, no papel de artista ou mesmo de curador - já que o artista aqui é quem "autoriza" um coletivo a se expressar através de seu dispositivo -, Abad está criando com seu trabalho uma alternativa (em um milhão?) de intermediação mínima. Uma prática que só tende a crescer, dadas as possibilidades e liberdades de publicação oferecidas pela internet, entre blogs, videoblogs, revistas, fóruns e canais de comunicação (como o canal contemporâneo ou a revista trópico). Mas pode o artista aqui ser considerado um educador? Essa foi a pergunta lançada por duas arte-educadoras que estavam na platéia. "Não estou preparado para responder a essa pergunta", disse Abad. Santaella foi categórica: "Arte e educação são âmbitos totalmente distintos", no que foi rapidamente advertida por Grace: "Há que se tomar cuidado com o preconceito com os educadores de arte. Surpreendentemente, o que eu ouvi aqui são as mesmas perguntas que ouço na sala de aula do colégio Pedro II, no Rio de Janeiro: "Isso é arte? Todos podem ser artistas?" O que faz com que as perguntas sejam as mesmas? Acho que o Abad tem um papel de educador sim. Ele está abrindo para as pessoas o acesso às suas possibilidades, que é o educador propõe. Acho que são fronteiras um pouco tênues."

Bem posicionado no centro nevrálgico de todas as questões levantadas, Abad levou então uma rajada de perguntas, todas absolutamente contundentes, que partiram da metralhadora de Inês. "Qual é a porcentagem de taxistas que têm acesso à Internet, depois de publicar as imagens? Para quem são produzidas essas imagens? Você tem uma estratégia de inserir essas imagens de volta ao contexto de onde vieram?"

Os 300 milhões de usuários da internet são os espectadores dos canais abertos pelo projeto. A resposta não decepcionou e, embora o debate tenha se estendido por mais uns taaantos minutos, deu o tom de conclusão, à altura das ótimas intervenções da tarde. Segundo Abad, todos os participantes dos projetos passaram a frequentar a rede depois do primeiro contato. O que confirma que projetos como esse - "laboratórios experimentais de sensibilidade", como definiu Favaretto - sinalizam o novo estatuto de relações aberto entre a arte e as mídias. Confirmando, inclusive - e por que não? - a proposição de Santaella de que o lugar da crítica de arte, hoje, é a internet.