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Conferência 1: O sistema da arte/Textos na íntegra/Paulo Herkenhoff

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Comunicações
Considerações finais

Conferencistas: Susan May, Ousseynou Wade, Paulo Herkenhoff; Moderadora: Daniela Bousso.Auditório 1.
Relatores: Paula Alzugaray (resumo), Fernando Oliva (relato), Paula Braga (coordenação de relatos).


Textos na íntegra

Susan May
Ousseynou Wade
Paulo Herkenhoff

 

Sistema Institucional da Arte

(Paulo Herkenhoff)

 

Confesso uma certa perplexidade em ser convidado para falar sobre o sistema de arte numa palestra de um tempo longo.

Meu desafio hoje seria falar, então, desde o ponto de vista de um diretor de um museu nacional no Brasil?

Como crítico e curador dirigindo uma instituição federal, tenho certeza de que, antes de tudo, tenho uma imensa saudade da arte.

Pensar o campo institucional da arte no Brasil é uma tarefa complicada.

O campo teórico, o campo jurídico e o campo real parecem estar em permanente desajuste. No sistema de arte, opero no espaço da penúria extrema. Raramente, dirigir um museu de arte no Brasil não se converte num processo de frustração.

Se o que caracteriza a arte moderna é a não conversão do clássico em cânon dominante, em nosso tópico, o que nos interessará será justamente a fuga do padrão institucional, não nos casos de inventividade, mas nos de uma espécie de barbárie museológica.

A partir do impressionismo, uma arte chamará a si própria de moderna.

O poeta Charles Baudelaire fala de um artista que freqüentemente estranho, violento e excessivo, mas sempre poético, ele soube concentrar em seus desenhos o sabor amargo ou capitoso do vinho da vida.

Onde ficariam os museus neste contexto?


Onde ficaria o olhar que rege o Brasil?


Setores formalistas de nossa crítica têm substituído nosso capitoso do vinho da vida – a própria relação entre arte e vida definida por Clark, Oiticica ou Pape, Mário Pedrosa ou Gullar a partir de Mondrian, Merleau-Ponty ou Nise da Silveira – pelo exausto pensamento de Clement Greenberg. É um desserviço a nosso meio cultural.


Precursora de nosso tempo, a idade moderna, incorporando moda, veículos, cidades, flâneurs, desde Baudelaire, seu arauto, traz uma busca por toda a parte “a beleza passageira e fugaz da vida presente, caráter daquilo que o leitor nos permitiu chamar de Modernidade”.


De certo modo, faço minhas as palavras de Kathy Halbreich, diretora do Walker Art Center de Minneapolis, com as quais discute as práticas museológicas frente as responsabilidades públicas e privadas, não na Modernidade mas em nossa Contemporaneidade:


“Sinto profunda saudade da lentidão do tempo, mas pareço passar meus dias me mexendo rapidamente de um tópico em tópico de uma maneira tópica. Correndo entre compromissos no centro da cidade e jantares em outras partes, não tenho nem mesmo certeza qual seja o alvo, respondendo e falando por partículas sonoras e, por incrível que pareça, para alguém que cresceu num meio habitado por coisas que são a incorporação física de idéias e valores, vivo vicariamente”.


Assim, por excessos, os diretores de museus hoje são convertidos em autômatos, que às vezes se confundem com os autênticos “flâneurs”.

Quero, neste texto, tomar perspectivas da ação errática do flâneurs, circulando internacionalmente entre mega exposições, simpósios e bienais, que Rob Storr está chamando de “Global Salons”.


Talvez a melhor maneira de apresentar as problemáticas relações entre o
Estado e a arte seja através de um paradoxo.


É como vejo o Porco Empalhado de Nelson Leirner.


A obra introduz uma questão dialética e define um limite, uma impossibilidade.

Porco Empalhado é um marco histórico na arte de crítica institucional do Brasil.


Propor um porco empalhado a um salão de arte é introduzir uma dupla e única hipótese de erro.
Ou um júri de salão oficial não entende de arte e aceita um porco, ou não entende de arte e recusa uma obra de arte pensando que ela é um porco. A proposição de Leirner não permite qualquer possibilidade de sair dessa situação paradoxal.


No entanto, num momento seguinte, o Porco Empalhado é apropriado por uma outra entidade oficial, a Pinacoteca do Estado de São Paulo, através do processo de museificação da crítica institucional.
E, evidentemente, Nelson Leirner, o autor do Porco Empalhado permanece empalhando porcos e desempalhando a arte, defendendo seu sentido e vitalidade.


Diante de obras como o Porco Empalhado, devemos citar Mário Pedrosa em Crise do Condicionamento Artístico (1966):

“Já não estamos dentro dos parâmetros do que se chamou de arte moderna. Chamai a isto de arte pós-moderna, para significar a diferença. Nesse momento de crise e de opção, devemos optar pelos artistas”.


Convoco Pedrosa para tratar de um limite e dos avanços. Evidentemente, o uso excessivo do termo “pós-moderno” gera equívocos e um desgaste do termo.

Foi assim, com as discussões com a arte conceitual nos anos 70. Também parece ser posição mesquinha reduzir derrogatoriamente o “pós-moderno” a um vale-tudo.


Todas as transformações da arte foram passíveis historicamente de práticas reducionistas e diluidoras.


Foi assim no barroco e no impressionismo, no expressionismo e no muralismo, no informalismo e na abstração geométrica, no conceitualismo e assim por diante.

 

 

Educação

 

As instituições de arte em todo o país entenderam que sua articulação com a educação é fundamental.


Vivemos hoje uma situação de dupla falência. Ou seja, a cultura e a escola já não são o centro da vida social.
Nós sabemos que é a televisão e a internet.

E essa é uma crise das sociedades, sobretudo no Terceiro Mundo: a parda do papel simbólico da escola.


Como evitar que a formação das novas gerações se dê pela pauta de valores dos enlatados, dos quais já tratava Oswald de Andrade?

Discutindo a Antropofagia, a XXIV Bienal de São Paulo estruturou-se como um tripé: exposição, edição e educação, sob uma regência curatorial.


A questão não é apenas de discutir se os museus e os centros culturais estão devidamente aparelhados para o exercício de sua missão, mas pensar em médio prazo a inscrição da arte na sociedade como instrumento de formação de cidadania crítica.

 

Cubo Branco

Pensando na perspectiva do mercado, o boom da arte produziu no Brasil em meados dos anos 70 uma síndrome de Leo Castelli.


A exemplar relação do galerista nova-iorquino com o desenvolvimento da Pop Art nos Estados Unidos, criou um modelo de colaboração íntima entre alguns setores da crítica universitária e umas pouquíssimas galerias.


Escrever artigos e atuar junto a galerias virou parte de uma estratégia transcendente de estabelecer um modelo idealizado de marcado de arte avançado, isento das contradições do capitalismo.


Não havia qualquer ingenuidade, mas bastante conflito ético de interesses entre o papel da crítica e o papel do mercado.


Mais precisamente, confundiu-se o cubo branco com o cofre.

Sabemos que em arte, nem mesmo a arquitetura é neutra ideologicamente.

O próprio lugar clássico contemporâneo da arte – o cubo branco – pode ser visto como uma dimensão problemática.


Em seu texto capital Inside the White Cube – The Ideology of the Gallery Space, Brian O´Doherty observa que o espaço imaculado do cubo branco foi um mecanismo de trânsito que buscou lavar o passado e simultaneamente controlar o futuro ao apelar para modos supostamente transcendentais de presença e poder.


Esse autor compara princípios transcendentais que apelam para um outro mundo – é como a visão de Platão de um campo da alta metafísica no qual a forma, atenuada e abstrata como a matemática, é em última análise desconectada da experiência humana daqui debaixo:

“tem havido pouco reconhecimento de como este aspecto do Platonismo tem a ver com os modos modernistas de pensar, e especialmente como uma estrutura oculta controladora atrás da estática modernista”. È a aliança entre críticos e galeria.


Portanto, que não se confunda o virtuosismo com o lugar do experimental, do novo, da inventividade e de todos os procedimentos que historicamente moveram as transformações da história da arte.


Na produção contemporânea, o clássico sobrevive como citação não canônica.

De zero ao Infinito – a arte contemporânea quer transitar por toda parte sem preconceito e sem limitações ideológicas e submissão a qualquer sistema teórico.


Menos do que negar, trata-se de renegociar a história.

 

Guggenheim e Sistema de Comunicações

Praticamente não há crítica institucional no país.

Nos últimos anos, o sistema de prestígio deslocou-se dos acertos com a imprensa através das conversas nas altas esferas da burguesia para o que é hoje a cultura dos press releases.


A situação contemporânea de manipulação dos meios de comunicação, segundo Paul Virillio, aponta para uma catastrófica dês-realização do mundo. No caso de alguns setores da imprensa, isso se abate sobre nossos museus.


Em Portugal, a imprensa publica mais sobre arte em uma semana do que no Rio de Janeiro em um mês. São entes geográficos com igual população.


O debate mais amplo sobre museus no Brasil foi sobre o projeto do guggenheim no Rio de Janeiro.


Minha pergunta atualizada e dissonante hoje, vendo o abandono das instituições museológicas do Rio, se o Guggenheim não passou de um factóide, de um calculado fenômeno de comunicação.


Para muitos, a proposta do Guggenheim era uma espécie de barbárie cultural.

Por outro lado, jornalistas e políticos, que não freqüentam museus e exposições, passaram à defesa dos museus do Rio contra o Guggenheim.


Temos, no entanto, que assumir que uma vez se chegou à conclusão ou vias de fato de que não se construiria o Guggenheim, acabou a discussão sobre museus no Rio de Janeiro.


Nunca mais vi nenhum daqueles políticos ou colunistas de opinião ou de caderno cultural discutir museu. Apropriaram-se do Guggenheim para um exercício de oportunismo político?


Repentinamente, acabou aquele “papo” de que há outras prioridades ou necessidades no campo museológico, que há questões mais prementes, mais urgentes do que o Guggenheim.


Silenciado o Guggenheim, quem escreveu uma linha sobre o que seria prioritário, urgente, necessário aos museus do Rio na atualidade?

 

Museu e Barbárie


Museus são realizações simbólicas. Estão no campo dos conflitos entre civilização e barbárie.


Talvez o maior fato trágico do patrimônio da humanidade neste princípio de século XXI tenha sido a destruição dos museus e das coleções públicas do Iraque. No entanto, no que tange a ação humana, as imagens que mais chocaram o mundo foram as dos ataques e queda das duas torres do World Trade Center em Nava York e as cenas de tortura de prisioneiros de guerra iraquianos sob responsabilidade do exército americano.


Nos primeiros dias da invasão do Iraque pelos Estados Unidos em 2003, foram pilhados e roubados o Museu Nacional de Bagdad, o Arquivo e a Biblioteca Nacional, O Museu de Mossul, uma distinguida Biblioteca do Alcorão, bibliotecas universitárias por todo o país[1]. Eram instituições que cumpriam a função civilizatória dos museus. Foram roubados, danificados ou destruídos milhares de objetos e manuscritos que remontavam da Mesopotâmia ao presente, incluindo grandes documentos da cultura islâmica, judaica e cristã. A tragédia que chocou o mundo precisa ser analisada com atenção. A pilhagem dos museus do Iraque só não foi pior porque os museólogos e outros profissionais das instituições haviam desenvolvido e poso em prática um plano de proteção preventiva;


O ato de barbárie articulou simbolicamente três notáveis momentos imperiais da história da humanidade:

1)      A Mesopotâmia, como berço da civilização, localizada na região do Iraque. Desapareceram peças sumerianas com 5000 anos de idade.

2)      Sob os califas Abassidas, o Iraque havia sido o centro de um império que se estendera da Ásia Central à Espanha.

3)      Sob a Pax americana do presidente Bush, a invasão do Iraque criou a oportunidade para a destruição de alguns dos mais importantes patrimônios históricos e artísticos do país.


O déficit ético da intervenção norte-americana é imenso com a humanidade. A guerra do Iraque foi iniciada a partir de evidências obscuras de presença de armas nucleares no país, depois comprovadas como inexistentes. A conclusão mais recente foi a de que o governo americano mentiu a seu país, às Nações Unidas e à comunidade mundial ao afirmar haver encontrado indícios de potencial nuclear militar no Iraque. Por outro lado, a imprensa debateu amplamente os interesses financeiros do vice-presidente Cheney na indústria do petróleo e em sua expansão no Iraque. A crise mundial de energia não passa, evidentemente, ao largo desta guerra de conquista de poços de petróleo.

Existem pelo menos três grupos de tratados internacionais sobre a proteção de bens culturais em tempo de guerra. Eles tratam de quatro ameaças ao patrimônio cultural: ataque deliberado, danos incidentais, pilhagem e roubo. Como nação mais poderosa do mundo, os Estados Unidos, no entanto, podem se dar ao luxo de não fazerem parte da Convenção de Haia de 1954, que criou um acordo efetivo para a proteção dos bens culturais em período de guerra e no processo que a ela se segue. Esses documentos da diplomacia tipificam crimes de guerra no campo da cultura e as exigências de que os Estados que ocupam outros países ajudem a salvaguardar e preservar a propriedade cultural. Essa proteção deve ser garantida contra qualquer tipo de ataque, seja das forças invasoras seja das esperadas pilhagens pela população desesperada por seu futuro. Há evidências fotográficas de alguns danos causados por balas disparadas por soldados americanos no processo da defesa tardia daquele patrimônio museológico.

Oxalá não estejamos diante de um processo de Nova Barbárie. A era Bush pode ter se marcado por uma exclusiva axiologia de combate ao terrorismo (o jus ad bellum – o direito à guerra a qualquer preço) e à proteção de vida e propriedade privada, deixando ao abandono a noção de bem cultural coletivo e de patrimônio da humanidade, através de um jus in bello, de um direito irresponsável durante a guerra[2], seja no Iraque, com relação ao patrimônio cultural do país e aos prisioneiros de guerra torturados, seja no Afeganistão, com os prisioneiros afegani isolados e sem defesa na base militar de Guantánamo.

A invasão americana no Iraque foi a ocasião da dizimação e ataque da mais importante coleção da cultura mesopotâmica. Ademais, foi a condição que propiciou a destruição de alguns dos núcleos simbólicos unificadores do Iraque enquanto uma nação marcada por diferenças significativas e conflitos inter-nacionais graves. Tistan Tzara descreve como guerra simbólica o processo de Conquista da América. A ocupação da terra; assassinato, aprisionamento, escravidão, estupro; roubo dos objetos simbólicos para apropriação de seus metais preciosos, etc. A catequese constituiu-se no instrumento ideológico mais refinado dessa guerra antropológica. A coleção do MNBA, com toda nossa pintura indianista do século XIX, é um tesouro de e para o estudo deste processo com obras como A Primeira Missa  de Victor Meireles ou  O Último Tamoio de Rodolfo Amoedo, entre muitos outros.


Não é inocentemente que setores conservadores nos países ricos questionam a importância da UNESCO e da sua definição de monumentos da humanidade. Embora não se possa falar de intencionalidade no caso iraquiano, não paira dúvida que os museus conformam o preço simbólico das invasões imperiais, de Napoleão abarrotando os museus franceses de arte seqüestrada por toda a Europa à tragédia iraquiana da era Bush. A professora Zainab Bahrani, conselheira internacional em cultura para o governo provisional do Iraque, fruto da intervenção norte-americana, renunciou ao cargo depois de apenas três meses de trabalho. Diz que viu a destruição ativa dos registros históricos e arqueológicos: “não há paralelo para o tanto de destruição nos últimos quinze meses no Iraque”[3]. A professora Bahrani afirma que, apesar do informe das forças de coalizão em junho de que os campos que destroem ou removem terra dos sítios arqueológicos seriam parados, a destruição continuou: “o que vimos sob a ocupação, como política geral, foi o descaso e mesmo a destruição ativa dos registros arqueológicos e históricos do país”.


Muitos filósofos consideram o nazismo o ponto extremo da barbárie na história da humanidade. O Terceiro Reich praticou um verdadeiro saque, ao apropriar-se de obras-primas dos museus e de coleções privadas através de uma das grandes pilhagens da história ocidental, incluindo desde peças como a tela O Astrônomo de Vermeer ao modernismo vienense de Klimt. Hector Feliciano estudou o fenômeno em seu O Museu Perdido (The Lost Museus), como uma “conspiração nazista para roubar as maiores obras-primas do mundo“. Para tanto, o Reich montou uma complexa operação museológica de avaliação, decisões, apropriação, identificação, guarda e conservação, embalagem, transporte de obras de arte. Na França, a ação esteve a cargo da ERR (Eissatztrab Reichsleiter Rosenberg, isto é, o ramo dirigido por Alfred Rosenberg, que tinha o título de Representante do Führer para a Supervisão das Instruções Intelectuais e Ideológicas do Partido Socialista Nacional). Entre várias ações estava o levantamento de toda arte alemã existente em museus estrangeiros. O levantamento foi feito pelo professor Otto Kümmel, diretor dos museus do Reich, a partir de uma portaria de Martin Bormann e Goebbles em cumprimento de ordem expressa de Hitler. O próprio Hitler tinha começado sua coleção nos anos 20. Invertendo um sistema de valores, o nazismo transformou, então, o colecionar como o próprio ato de barbárie no campo dos museus.


O Terceiro Reich também censurou e destruiu obras de arte. A escultora Zélia Salgado relatou, às vésperas de completar cem anos em 2004, que foi a Munique em 1938. Lá procurou ver a exposição que ela, num alemão improvisado, perguntou a um guarda: “Wo ist der Kunst Hitler liebe nicht?” Foi desse modo que a artista brasileira procurou ver a mostra Entartade Kunst (Arte Degenerada), um index nazista da produção artística. A barbárie foi assim com Hitler e Pinochet, de Getúlio ao regime de 64 no Brasil.


Com uma selvageria de outra natureza, o regime de Pinochet no Chile, com o beneplácito do governo dos Estados Unidos, instalou um processo de desmontagem do sistema de arte no Chile através de censura, prisão e tortura a artistas de todas as expressões, o fechamento do Museu de Solidariedade organizado pelo crítico brasileiro Mário Pedrosa no período do governo democrático popular de Salvador Allende.


A malha cultural do mundo apresenta novos desafios. Em expansão inexorável ocasionada por muitos fenômenos políticos, sociais (como as migrações) e econômicos, essa produção demanda atenção para como o fenômeno da integração multicultural no mundo contemporâneo, conformando o processo que o filósofo indiano Homi Bhabha descreveu como “DissemiNation”. Assim, a missão civilizatória dos museus não pode ser comparada ao papel etnocêntrico da Conquista e de todo o processo colonial, com a internalização pelos dominados dos conceitos do dominador. Racismo e etnocentrismo são índices de barbárie. O papel civilizatório dos museus hoje só pode ter como possibilidade a compreensão e o respeito das diferenças, seja no plano interno das comunidades mais imediatas seja no plano internacional.


Por mais de uma vez escutei de uma pessoa, nascida no Brasil e que era assistente de curadoria num grande museu dos Estados Unidos, que não trabalhava com arte brasileira para não atrapalhar sua carreira. Em princípio, não há nada de mal nisso. Essa é uma doença de alguns museus: são instituições seqüestradas por curadores para os propósitos das estratégias de suas carreiras. Talvez por conta desses problemas, Holland Cotter escreveu no New York Times no começo deste ano numa análise da crise curatorial que assolaria o MoMA. O crítico americano afirma que “os museus de arte são nossas instituições culturais mais conservadoras. Como não poderiam sê-lo? Sua primeira missão é colecionar objetos frágeis e preservá-los contra danos. Mas o conservadorismo é ideológico também. Esses objetos, conforme a maioria de nós aprendeu, representam a humanidade em seu melhor estado, em seu ponto mais heróico ou refinada”. Os museus nos países mais democráticos, mais permeáveis a movimentos da sociedade ou mais abertos não poderão fugir indefinidamente do processo de DissemiNação de que nos fala Bhabha. Sairão de sua letargia por movimento próprio ou terão as portas arrombadas.


Se os Museus são espaços simbólicos, deveriam ser espaços abertos para a liberdade e o espírito crítico. Em sua peregrinação no estrangeiro, o duplamente exilado Mário Pedrosa deixou uma resposta para Cotter. Museus poderiam ser vistos como o abrigo da arte na acepção do crítico brasileiro: a arte como o “exercício experimental da liberdade”. Assim, também poderíamos concluir com o filósofo Richard Rorty que a arte e a política mudam nossos objetivos em lugar de simplesmente tornar-nos melhor aparelhados para alcançar tais fins[4].



[1] Ver McGuire, IFAR, p.30 e seguintes.

[2] Ver Jamees ª R. Nafziger in IFAR Journal, p.56.

[3] “Iraq. We have seen the active destruction of the archaeological and historical record”. The Art Newspaper, n. 151, October 2004, p.7.

[4] Remarks at MoMA, 27 de outubro de 2000 no site do filósofo.