O Brasil na coleção do MoMA: Análise da inserção da arte brasileira numa instituição internacional
Ana Letícia Fialho
A partir dos anos 70 os agentes do mundo das artes começaram a integrar, cada vez mais, artistas de regiões não centrais nos seus discursos e práticas [1]. Pouco a pouco, surge um certo consenso a respeito da configuração de um novo mapa das artes: não somente a presença de artistas vindos de países periféricos se tornou freqüente na cena artística internacional, como eventos e instituições artísticas, fora do eixo central Europa-Estados-Unidos, ganharam visibilidade internacional. Hoje em dia, cruzar fronteiras e desafiar limites e categorias modernas se tornaram não uma opção, mas uma necessidade para os que trabalham com arte contemporânea [2]. No entanto até que ponto o mundo internacional da arte contemporânea está mais aberto e democrático? Quais os interesses e ideologias que determinam o funcionamento da cena da arte contemporânea no plano internacional? Qual o lugar que ocupa a produção brasileira nesse cenário? Foi com uma perspectiva empírica, própria à sociologia das artes [3], que eu me interessei pelo estudo da circulação internacional da arte contemporânea do Brasil. No atual cenário de proliferação de eventos e de circulação intensa, qual seria a real inserção da arte brasileira nos circuitos internacionais? Esse foi o ponto de partida da minha tese de doutorado [4]. Já abordei o tema sob diversos aspectos: inserção de artistas no mercado internacional, análise de exposições internacionais, a presença e representação da arte brasileira pela imprensa internacional especializada, pesquisas e publicações acadêmicas sobre o tema, participação de críticos e curadores brasileiros em projetos internacionais [5]. De forma geral, pude observar que há uma mudança significativa no cenário artístico mundial, talvez mesmo uma mudança de paradigmas, no entanto isso é um processo em andamento que pode trazer tanto oportunidades quanto desafios aos que produzem fora dos centros econômicos e políticos: muitas vezes, a abertura visa prioritariamente reforçar o poder simbólico e econômico de agentes localizados nos centros, reproduzindo uma imagem simplificada, fora de contexto ou mesmo estereotipada da produção da periferia. A academia invisível [6]– que estabelece os valores artísticos e de mercado – permanece pouco permeável à participação de agentes de fora do eixo Europa-Estados Unidos. O que tem ocorrido de fato é uma diversificação controlada, alimentada por modismos induzidos, enquanto os lugares de destaque continuam reservados à produção, aos agentes e às instituições do eixo central [7]. A compreensão desse processo deve levar em conta a necessidade de renovação e diversificação da cena artística contemporânea, em resposta às demandas [8] de três « mercados » distintos, embora conexos: o mercado stricto sensu (galerias), mercado institucional (museus e afins) e mercado intelectual (produção crítica e curadorias). Tomando como pano de fundo um cenário de globalização declarada, eu tenho tentado avaliar até que ponto e sob que condições a arte brasileira tem conquistado espaço na cena internacional nos últimos anos. Neste artigo, devido à limitação imposta pela organização do evento, eu discutirei unicamente a presença da arte contemporânea brasileira em um dos museus mais importantes do mundo: o Museum of Modern Art de Nova York. ** Quem conhece um pouco da história do MoMA sabe que, de fato, desde sua criação o museu se propôs a colecionar “arte internacional”, e nessa categoria estavam incluídos alguns países da América Latina. De forma geral, a produção latino-americana – na qual o Brasil se inscreve – esteve presente, embora sempre ocupando um espaço reduzido, de pouca visibilidade. Se analisarmos o conjunto de obras brasileiras presentes na coleção do MoMA, notamos que, em determinados períodos, parece ter havido um interesse "especial" da instituição pelo nosso país, com aquisições quantitativamente importantes (conferir anexo) e algumas exposições. Esse interesse, no período da Segunda Guerra Mundial e depois, durante os anos 60, era ditado por fatores políticos e econômicos, amplamente discutidos e reconhecidos pela própria instituição, que servia como mediadora no projeto de cooptação norte-americano [9]. Desde o final dos anos 60, no entanto raras foram as ocasiões em que a instituição adquiriu ou mostrou obras de artistas brasileiros [10]. Os curadores do museu, em sua maioria, parecem não ter reconhecido, na arte produzida no Brasil, os altos valores estéticos que buscavam integrar em suas coleções e projetos. Isso começou a mudar no final dos anos 1980 [11], no entanto somente a partir dos anos 90 é que um número significativo de obras contemporâneas brasileiras entra na coleção (conferir anexo). Isso coincide com um movimento mais amplo de diversificação da cena artística internacional e de abertura de instituições de grande visibilidade internacional à produção de países periféricos. Mas é evidente que, ao longo de sua história, o MoMA nunca foi movido pelo simples desejo de promover a arte pela arte. Se existiram momentos de maior interesse pela produção latino-americana (ou brasileira), isso se deve à confluência de determinantes gerais (interesses políticos, econômicos e sociais) e determinantes específicas (trajetórias e interesses de determinados agentes: curadores, colecionadores, mecenas, artistas). No momento atual, deve-se considerar o fato de que a população latino-americana se tornou a maior “minoria” nos Estados Unidos, e uma série de políticas públicas estão voltadas a projetos que contemplem os latinos. Isso abre a possibilidade, a instituições como o MoMA, de obterem financiamentos importantes para projetos de cunho “identitário”. Isso também abre espaço para intervenção de agentes como Patrícia de Cisneros [12], cuja influência é enorme nos novos rumos da instituição. A intervenção de colecionadores, galeristas e curadores brasileiros também tem sido observada e vem colaborando, de forma inédita, para uma maior inserção e visibilidade da produção brasileira no interior da instituição (conferir anexo). Mas isso não seria possível se o museu não tivesse decidido investir na valorização da arte latino-americana de forma mais geral [13]. As ações, nesse sentido, são conseqüência de uma estratégia de distinção da instituição – que passou a reivindicar o status de precursora na promoção da arte latino-americana nos Estados Unidos, e também de estratégias de distinção de agentes internacionais que buscam aumentar o seu capital social no plano internacional. Tais iniciativas podem indicar uma certa abertura da instituição a novos horizontes artísticos e resultar, quem sabe, em uma revalorização da arte brasileira (e latino-americana), como desejam seus defensores (entre eles alguns agentes do museu). No entanto o museu ainda não procedeu a uma releitura da história da arte de forma a integrar as contribuições singulares da produção latino-americana, nem abriu, de fato, muito espaço para essa produção dentro do museu. Isso ficou bastante claro quando da realização da exposição “Latin American & Caribbean Art – MoMA at El Museo” no ano passado [14]. A exposição foi apresentada no Museo del Barrio, instituição interessante, mas ainda marginal no circuito nova-iorquino. Por outro lado, a separação entre a coleção internacional e a coleção “latino-americana” desaparece no novo projeto museográfico do museu, reaberto em novembro de 2004. Nunca tantos artistas brasileiros estiveram em exposição: Hélio Oiticica, Lygia Clark, Fernando Campana, Mira Schendel e Rivane Neuenschwander [15]. Não por acaso, 6 das 16 obras expostas foram doadas ou a compra foi financiada por Patrícia de Cisneros. Observe-se, no entanto, que boa parte das obras adquiridas correspondem aos movimentos concreto e neoconcreto, uma das vertentes dominantes da coleção Cisneros [16]. Considerando a moda da valorização das singularidades culturais em voga no circuito das artes nos últimos anos, pode ser que o MoMA esteja simplesmente dando mostras de um certo oportunismo. O tempo dirá. Certo é que esse súbito interesse pela América Latina não é gratuito – como nada, aliás, no âmbito das artes. E a produção brasileira ainda não obteve o reconhecimento internacional que merece, embora venha ganhando, nos últimos anos, maior visibilidade internacional.
ANEXO DO PAPER
O Brasil na coleção do MoMA, por Ana Letícia Fialho
O Fórum Permanente agradece a autora, que generosamente cedeu esses dados para publicação no site
Quadro 1 : Histórico das aquisições de obras brasileiras pelo MoMA (1939-2004)
Quadro 2 : detalhamento das aquisições entre 1970 e 1979
Quadro 3: detalhamento das formas de aquisição entre 1970 e 1979
Quadro 4 : detalhamento das formas de aquisição entre 1980 e 1989
Quadro 5 : detalhamento das aquisições entre 1990-1999
V Quadro 6, 7 e 8 : detalhamento das formas de aquisição entre 1990 e 1999
X
Quadro 9 : detalhamento das acquisições entre 2000 e 2004
Quadros 10 e 11 : detalhamento das formas de aquisição entre 2000 e 2004
jj
[1] A exposição Information, realizada no MoMA em 1970, já indicava uma abertura do circuito artístico internacional. Na introdução do catálogo, Kynaston McShine afirma « It is no longer imperative for an artist to be in Paris or New York. Those far from the “art centers” contribute more easily, without the often artificial protocol that at one time seemed essential for recognition". Participaram da mítica exposição, uma das primeiras dedicadas à arte conceitual, Cildo Meireles, Arthur Barrio e Hélio Oiticica. Foi também a primeira vez que Joseph Beuys participou de uma exposição nos Estado Unidos. | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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