Museus de Berlim na FAAP - “Antiguidade - Museus – Contemporaneidade”
A conferência “Antiguidade - Museus – Contemporaneidade” proferida
por Andreas Scholl, diretor da Divisão de Antiguidades dos Museus
Nacionais de Berlim, na FAAP, abordou, principalmente, a coleção do
Museu Pergamon, que pertence à “Ilha dos Museus” (Museumsinsel) de
Berlim, tema da conferência de Klaus-Dieter Lehmann, presidente da
Fundação Prussiana de Cultura, na primeira palestra sobre os Museus de Berlim na FAAP.
É importante assinalar a complementaridade das duas conferências, pois
o acervo do Museu Pergamon, apesar da sua história singular,
apresentada exemplarmente por Scholl, pertence a um acervo gigantesco
de arte internacional, que inicia na pré-história e vai até o século
XIX, abrigado numa rede de Instituições (Altes Museum, Neues Museum,
Alte Nationalgalerie, Bode Museum e Pergamon Museum).
Inicialmente, Andreas Scholl narrou a história do Museu Pergamon
inserida no panorama histórico da formação da Ilha dos Museus
(1830-1930). Pergamon, projetado pelos arquitetos Alfred Messel e
Ludwig Hoffmann, foi o último Museu a ser construído, entre 1910 e
1930, dentro de um espírito de época que buscava unir cultura e ciência
e entendia essas instituições como disseminadoras de conhecimento e,
portanto, considerava a formação do seu acervo como uma reconstrução da
história das culturas antigas a partir de uma pesquisa rigorosa. No
caso particular do Museu Pergamon, essa reconstrução assume uma escala
monumental, através da transposição para o espaço museográfico de
recortes arquitetônicos como o Altar de Pergamon, o Portal Ishtar e o
Portal do Mercado de Miletus. Muitas dessas “fachadas” foram
literalmente reconstruídas a partir de fragmentos originais, fato que
suscitou interrogações na platéia sobre as idéias opostas de
originalidade e cópia, história e ficção. Vale ressaltar aqui que as
obras do Museu Pergamon, apresentadas na exposição “Deuses Gregos” na
FAAP, são “cópias” romanas dos “originais” gregos que sofreram
“modificações” no decorrer de sua história dentro do acervo.
A história desse acervo monumental não se confunde somente com a
história do Museu Pergamon ou da Ilha dos Museus, mas também com a
história da própria Alemanha. Fatos históricos marcantes, como a
unificação do Estado Alemão, em 1871, e, conseqüentemente, a
transformação de Berlim em capital, ou a transposição da coleção real
para os museus públicos no período em que a Alemanha disputava a
hegemonia cultural do continente europeu com a França no período
Napoleônico, colocam o Museu Pergamon e o seu acervo no epicentro
da formação da idéia moderna e européia de museu de arte. Outro fato
digno de menção que, no entanto, não foi abordado na conferência,
seria a apropriação simbólica da arquitetura e da arte clássica pelo
Terceiro Reich e a maneira como a reconstrução atual desse patrimônio
refletirá no imaginário do povo alemão. Falar em reconstrução significa
também falar em reunificação. O edifício projetado por Messel e
Hoffmann foi severamente danificado durante os bombardeios à Berlim na
Segunda Guerra Mundial. No pós-guerra, grande parte do acervo foi
levada pelo Exército Vermelho para a antiga União Soviética e retornou
parcialmente para a Alemanha Oriental a partir dos anos 60. Com a
reunificação das Alemanhas, após a queda do Muro de Berlim, em 1989, a
coleção pôde novamente ser redistribuída na planta do Museu. No
entanto, grandes esforços políticos e financeiro foram feitos para
recuperar o edifício do Museu Pergamon, que ocupa um papel central na
Ilha de Museus, e também para construir uma quarta ala para o museu, o
que ampliará a sua capacidade de exibir um acervo que em grande parte
permanece inacessível ao grande público.
À conferência “Antiguidade - Museus – Contemporaneidade” seguiu o
comentário de Tiago de Oliveira Pinto, co-curador da exposição Deuses
Gregos, apresentando detalhes do projeto curatorial de uma mostra que
reúne duzentas peças do acervo do Museu Pergamon, parte delas
pertencentes ao acervo permanente. Tiago fez questão de mencionar a
relação das obras apresentadas na FAAP com a história do acervo do
Museu Pergamon, citando que determinadas obras foram adquiridas no
século 18, enquanto outras foram descobertas em escavações no século
19. Esses dois momentos distintos na formação do acervo tinham sido
destacados anteriormente por Andreas Scholl. Paralelamente às mudanças
nas diretrizes para a formação dos acervos, ocorreram também, no
decorrer dos quase cinco séculos de história, transformações
substanciais no conceito e nas técnicas de restauro. Aqui retornamos o
problema, mencionado anteriormente, da ficção inerente a lógica de
formação de acervos e sua exposição.
Nessa linha reflexiva, a mediadora, Maria Izabel Ribeiro, diretora do
Museu de Arte Brasileira – FAAP, questionou ao palestrante e ao
debatedor sobre o problema da transposição de obras que possuíam um
“local-específico” para o espaço museográfico e suas implicações para a
questão arquitetônica (escala) e para a recepção pública. A opinião de
ambos confluiu para o entendimento de que a encenação de uma cultura
antiga, nesse caso a cultura grega, no espaço do museu, tanto em Berlim
quanto aqui no Brasil, desperta o interesse do público sobre o assunto
e o leva à busca informações sobre essa cultura, seus mitos e
personagens. Foi destacado ainda o rigor científico de formação da
coleção do Museu Pergamon e dos projetos curatoriais. Embora a palavra
não tenha sido mencionada, percebemos que existe uma intenção didática
nesse rigor científico, exemplificada no catálogo da exposição, um
material que pelo fato de reunir para além dos dados de catalogação das
obras também textos de importantes estudiosos sobre a cultura grega
transformam o “livro” numa obra de referência sobre o tema e um
material acessível ao público interessado.
Finalmente, a conferência chamou a atenção para o fato do museu
Pergamon estar inserido no circuito internacional e na lógica
contemporânea da “sociedade do espetáculo” (assunto debatido na
conferência do Professor Lehmann), mas ainda manter o seu papel na
construção e divulgação de conhecimento acerca das culturas
relacionadas ao acervo que abriga.
(por Vinicius Spricigo)