Museus de Berlim na FAAP - A “Ilha dos Museus” de Berlim
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Museumsinsel Berlin - 2015 - Future Projection
(http://www.museumsinsel-berlin.de/index.php?lang=en&page=0_1)
As grandes exposições (blockbuster) vieram para ficar e constituem uma nova linguagem dos museus ou apenas revelam a apropriação da cultura pelas grandes empresas em seu próprio benefício? Como atrair o público sem banalizar a exposição e as obras? São Paulo também pode ter uma concentração de museus similar à Ilha dos Museus? Estas foram apenas algumas das questões levantadas e discutidas após a palestra de Klaus-Dieter Lehmann, presidente da Fundação Prussiana de Cultura, sobre a Ilha dos Museus de Berlim, realizada na FAAP.
Inicialmente, Lehman traçou um quadro histórico sobre o complexo de cinco museus localizados no centro de Berlim. Em 1810, Alexandre e Wilhelm von Humboldt foram encarregados pelo rei Friedrich Wilhelm III de construir um museu público em Berlim que abrigasse coleções de arte. Esse museu, inicialmente denominado Königliches Museum am Lustgarten (Royal Museum at the Pleasure Garden), é hoje o Altes Museum (Antigo Museu). Projetado por Karl Friedrich Schinkel, foi inaugurado em 1830 e abrigava, originalmente, objetos da antiguidade clássica, galeria de pintura e numismática.
Alguns anos depois foi construído o Novo Museu (Neues Museum), projetado por Friedrich August Stüler, um aluno de Schinkel. Em seguida foram construídos outros edifícios: a Galeria Nacional (Alte Nationalgalerie), o Bode-Museum e, por último, em 1930, o Museu Pergamon. Lehmann contou um pouco da história de cada um desses edifícios e da formação de seus acervos observando que, durante a II Guerra, o conjunto foi quase totalmente destruído, tendo parte de seu acervo levado para a União Soviética e Polônia, acervo esse que só retornou à Alemanha Oriental durante o governo de Kruchev (1953-1964).
Com a reunificação da Alemanha, em 1989, como do retorno do acervo, o conjunto ganhou um plano diretor que programou, até 2015, a reforma de todos os edifícios e a construção de anexos e complementos. Como exemplo da recuperação dos edifícios pode-se citar a reconstrução do Novo Museu. Quase totalmente destruído durante os bombardeios da II Guerra, ele permaneceu em ruínas por mais de 50 anos e, por diversas vezes, esteve a ponto de ser derrubado. A reconstrução do prédio não procurou reproduzir exatamente como ele era nos mínimos detalhes, coisa que seria possível com os recursos atuais. Optou-se por reconstruir as partes danificadas sem esconder que elas eram uma complementação, isto é, não se procurou copiar o projeto original dos arquitetos. “Se copiássemos, e não se soubesse mais o que é autêntico e o que não é, seria um desrespeito aos arquitetos e à própria história do edifício”, diz Lehmannn.
Mas o plano, ainda vigente, não se limita à reconstrução e restauração de edifícios. Até então, os museus formavam um conjunto apenas por estarem geograficamente próximos, sem uma política ou um plano que os integrasse formando um complexo de museus. As medidas de integração envolvem a redistribuição das coleções, a criação de um grande passeio (Archaeological Promenade), ações educativas, realização de grandes exposições, etc. Observa-se que se no final do século XIX o visitante era recebido individualmente nos museus, hoje isso é diferente, uma vez que eles somam mais de 4 milhões por ano. Conseqüentemente, uma das preocupações do projeto é receber bem esses visitantes, para o que se trabalha em dois eixos: de um lado, pretende-se valorizar o acervo e os serviços oferecidos, organizando para isso a possibilidade de circulação por espaços amplos que permitem paradas e escolhas de trajetos. Para os visitantes que dispõem de um tempo menor para a visita existe um tour através de diferentes culturas que, iniciando com a arte egípcia, prossegue pela ala antiga e a do museu do oriente próximo (Assíria, Babilônia), pela de Mileto, pelo grande altar de Pergamon, a sala romana e, finalmente, a fachada do museu islâmico da Jordãnia. Nos próximos anos será criado o Caminho Arqueológico (Archaeological Promenade), uma enorme galeria que irá interligar os vários edifícios onde acontecerão exposições que se alternam, com destaques dos cinco museus, funcionando como um tour pelas obras de vários períodos.
Lehmann sonha em ter objetos e obras das culturas da Ásia, do Pacífico, e de outras regiões e culturas, numa área que hoje está disponível ao lado dos museus. Isso permitirá configurar um conjunto 'universal'. Para ele, somente assim será possível confrontar as artes e as culturas do mundo, promover um diálogo entre elas, pois de outro modo conheceríamos apenas a nossa cultura. Por outro lado, projetos como este que promovem a concentração, dão vida a uma cidade através da cultura, desde que isso seja feito de forma criteriosa e rigorosa. Não se pode deixar de lado a qualidade.
O Secretário da Cultura do Município de São Paulo, Carlos Augusto Calil, foi o debatedor da noite. Na introdução de sua fala relembrou quando conheceu o museu Pergamon, antes da reunificação da Alemanha, período no qual os alemães orientais não se sentiam russos – que então ocupavam a RDA – e nem ocidentais. Em plena guerra fria, visitar o museu era um momento de suspensão que expulsava os conflitos do presente e rompia com a distância entre o passado e o contemporâneo. Para Calil, o Pergamon é quase um museu de arquitetura transplantada e, como outros museus europeus, foi concebido no século XIX, num período de acumulação capitalista e celebração do colonialismo. São portanto locais onde a monumentalização da cultura corresponde a um projeto de civilização, um projeto de nação. "Para nós isto tem um efeito grande porque estamos do outro lado, pois somos herdeiros dos colonizados. Este processo de monumentalização lança mão de culturas 'colonizadas' e, a partir daí, procura criar um universal:o universal é o limite de um processo que passa pelos estrangeiros”, segundo o Secretário.
Outro ponto abordado em sua fala foi a estratégia adotada hoje para se revigorar o tecido urbano e chamar a atenção do turismo internacional por meio da criação de museus: criam-se fluxos – como Bilbao – onde a arquitetura é importante e a coleção secundária. O MASP seria um exemplo contrário, onde a arquitetura foi criada para abrigar uma coleção.
Trazendo a discussão para os nossos museus, Calil falou do Museu Paulista, um museu do século XIX que celebra uma civilização baseada nos bandeirantes. Hoje, quando esses aventureiros são vistos como assassinos, continua ele, essa celebração criada pela elite não mais encontra eco nas pessoas. A Casa do Grito, ao contrário, com suas características caipiras, é bem aceita e popular, embora seja uma construção cenográfica totalmente artificial. Se de um lado há a inserção de uma perspectiva empresarial no cultural, comum hoje na Europa - que se reflete nas grandes exposições -, de outro, os nossos intelectuais desprezam uma instituição cultural que se coloque numa linha de prestação de serviço. Para essas pessoas é muito mais importante ter rigor, qualidade, do que público. “O público, se quiser, que vá.” Isto é um dilema complicado, diz Calil, "porque não estou aqui para defender que nós, da academia, popularizemos e façamos projetos demagógicos e que atraiam o público a qualquer preço". É preciso encontrar um meio termo que contemple o rigor e que atraia as pessoas. Neste processo, São Paulo trouxe grandes exposições e promoveu a visita de crianças à Bienal, o que vê como um certo artificialismo. O processo educacional está esgotado. A questão é de “qualidade da sedução e do estímulo”: talvez aí alguns processos culturais possam ser capazes de ajudar. Calil toma como exemplo de estímulo e da sedução, a exposição Arte na África (Rio e São Paulo, 2004/2005) feita no CCBB a partir de acervos dos museus de Berlim. Nela, o público negro ia em busca de sua identidade, de reconhecimento, o que se constatou nos comentários dos visitantes. Apesar de sua museografia “muito negra” que valoriza o sagrado, o público encontra aí sua tradição e recupera sua dignidade cultural
Finalmente, falando sobre a idéia de uma concentração de museus, Calil afirma que isto é muito improvável numa cidade como São Paulo, já construída e caótica. A concentração é parte de uma lógica comercial e ocorre com frequência entre nós, mas é difícil pensar nisto em termos de museus. O que se vê em São Paulo é o Ibirapuera tornar-se aos poucos um local de concentração de museus.
Os discursos dos palestrantes revelaram dois mundos e duas concepções bastante distantes, e Martin Grossmann, mediador do encontro, propôs construir uma ponte entre um discurso e outro. Para ele o museu, hoje, tem uma função muito clara na reorganização urbana que não é só cultural mas também econômica. Há grandes interesses econômicos envolvidos, o que não impede a qualidade e o profissionalismo. Talvez seja cedo para avaliar estes grandes projetos culturais, diz ele, levantando a questão: "qual é função do museu hoje e como ele lida com um público que não mais deseja estabelecer sua noção de nação, a sua noção étnica e nem fortalecer o seu sentimento de patriotismo?" Para Martin, o museu está inserido numa situação global que pede papéis, mais do que pedagógicos, que se voltem para a formação de cidadãos críticos. “No caso de Berlim", pergunta ele, "como a história vista de uma maneira crítica tem ocupado a agenda de um projeto como esse da Ilha dos Museus?"
A globalização nos cerca o tempo todo e a velocidade determina nossas vidas, diz Lehmann. Mas os museus não devem adotar a rapidez da TV. Os museus têm uma característica especial que nenhuma outra instituição tem, e deve insistir nela: é a desaceleração. As pessoas precisam se surpreender, parar e não ver tudo às pressas. Por outro lado, diz ele, as crianças e os jovens “precisam ser trabalhados” e não podem ficar entregues a si próprios no museu. Um museu de hoje deve reunir a dança, o cinema, as plásticas, etc, de modo que todas as formas e expressões artísticas formem um conjunto complexo que tem muito a ver com os tempos atuais. Não se pode pensar do ponto de vista institucional, mas do funcional. As grandes exposições têm um papel a desempenhar nisto tudo: seu objetivo é atrair a atenção de forma a trazer um grande público, como dinheiro, para que o museu realize “pequenas e elegantes exposições”. Tudo isto sem desprezar o lado científico e o cuidado museográfico. Em seu comentário, Martin Grossmann destacou alguns pontos que considera marcantes no atual momento da ida dos museus: a valorização da desaceleração que o museu provoca, a visão de públicos diferenciados e não como bloco monolítico, a possibilidade de vivenciar o museu de formas diferentes. "Por trás do espetáculo há um profissionalismo inegável".
Para Calil, o profissionalismo é um dos bons resultados das grandes exposições. Desde a década de 1970 houve uma evolução da museologia que passou a orientar-se pela sedução, o que é um ganho muito grande para a expografia contemporânea. A ação educativa é fundamental e veio para ficar, mas ela não pode ser a hora do recreio, a ilha da fantasia. Se ela não for capaz de culturalizar a educação, o efeito será sempre menor do que gostaríamos. Há que buscar algum tipo de intersecção entre o espaço do museu, o espaço da escola, o espaço da rotina e o espaço da liberdade. Os museus brasileiros não mais podem comprar obras clássicas no mercado internacional. A grande saída para eles é a arte contemporânea, que obriga a refletir, a desenvolver uma análise crítica da contemporaneidade e a buscar o espaço da tolerância, o espaço do reconhecimento e da qualificação do outro como de si mesmo.
As perguntas do público começaram com um comentário de Maria Izabel, diretora do MAB-FAAP. Para ela, as exposições blockbuster fazem parte de uma nova linguagem dos museus e constituem uma estratégia na sua organização. Concordando com esta afirmação, Lehmann observou que não é fácil e nem simples caracterizar tais exposições. A exposição “Deuses Gregos”, que está na FAAP, foi elaborada cientificamente. Foi produzido um catálogo especialmente para ela com textos originais, reproduções e informações sobre as peças expostas. “Estou convencido que numa exposição como esta chegaremos a um excelente resultado”, conclui. Maurício Mendes, professor de artes, observou que as grandes exposições são voltadas para os patrocinadores e insufladas pela mídia, num processo de circulação de capital. Segundo ele, entre nós museu é coisa de elite e a arte é pouco acessível. “Quantos museus no Brasil têm serviço educativo, fora dos grandes centros?”
Os discursos continuam divergentes, tratando de realidades muito diversas. Se para Lehmann a Ilha de Museus representa – ou quer representar – um saber universal e enciclopédico de todos os povos e civilizações, para Calil a preocupação se volta à realidade brasileira, onde a cultura é freqüentemente vista como um pedantismo, faz parte do processo de dominação, da mesma forma que a economia. “O problema não está na parte de baixo da sociedade”, diz ele, “mas na elite que é profundamente ignorante, não se vê no país em que mora, se imagina vivendo em Nova York (...) A elite brasileira faz abano com chapéu alheio. Estamos vivendo um processo em que, com o dinheiro público está-se elitizando a cultura. Enquanto isso, o andar de baixo está criando uma cultura alternativa: o rap, ações agressivas e um certo desprezo daquilo que para nós são valores”. Segundo Calil, o museu pode ter um papel a desempenhar na busca de uma identidade e do reconhecimento, o que pode acontecer em determinados museus e com determinados públicos – como ocorre no Museu Afro-Brasil - mas não em todos os casos. Um museu de arte, moderna ou contemporânea, estabelece outros vínculos e outras experiências.
Segundo nossa perspectiva, a discussão sobre as grandes exposições blockbuster assumiu ares de divergência por partir de pontos distintos: não existe um padrão único de grande exposição e não se pode condenar todas elas, assim como não se pode louvar todas elas. Uma grande exposição feita a partir de um acervo próprio não pode ser comparada a outra que percorre o mundo e 'cai' nos museus como uma chuva inesperada, ou como um raio, totalmente desligada da realidade da instituição e de seu público. A mesma grande exposição que circula pelo mundo pode ter um papel muito importante se ela se liga a uma política ou uma linha de trabalho do museu, se ela vier acompanhada de uma preparação e de um trabalho de ação educativa que se faça presente antes, durante e depois da exposição. A espetacularização não é condenável em si, mas o é quando sobrepõe uma visão midiática à exposição e às obras, banalizando para atrair, enconbrindo a complexidade num manto emocional como o fizeram as TVs e as agências de propaganda ao tratar das grandes exposições, como as do MASP na década de 1990.
Pode-se concluir que, aparentemente, só há consenso num ponto: boa parte das grandes exposições adota procedimentos científicos, mostra novas técnicas, tecnologias e estimula o profissionalismo. Nestas áreas há uma certa equalização entre os vários países, inclusive o Brasil. No entanto, isto só não basta. O rigor e o cuidado no trato da coleção é quase uma obrigação dos museus. O grande desafio é promover uma aproximação do acervo com os públicos. As exposições blockbuster têm um poder de atração por si só, além do fato de que são geralmente acompanhadas por campanhas na mídia. Mas o que acontece depois? Como criar vínculos mais estreitos e contínuos entre o visitante eventual e o museu? Como atrair um grande público sem banalizar as obras expostas? São perguntas que emergem das discussões deste encontro e que, evidentemente, não foram respondidas, se é que existem 'respostas'. O que se constata é que o papel dos museus na relação acervo-público é uma questão fundamental e, de um modo geral, não tem sido enfrentada de forma satisfatória. Isso se deve, provavelmente, à falta de uma clara definição do papel social do museu em nosso país. A grande preocupação dos museus está na preservação, na conservação e na museografia, o que é compreensível em nosso país que trata tão mal o seu patrimônio. Mas, ao mesmo tempo, poucos são os que se preocupam com o público. Estas duas áreas de atuação não são excludentes, ao contrário, são interdependentes. Afinal, conservar, preservar e expor para que? Para quem?
(por Durval Lara)