Para a Construção de um Diálogo Absurdo nos Trópicos
Daniele Marx (1)
Os programas de residências funcionam como uma oportunidade de tempo e espaço para reflexão, pesquisa, apresentação e ou produção fora do seu ambiente habitual de obrigações. Este tipo de projeto fornece um tempo ‘especial’ que permite que o artista explore sua prática dentro de outra comunidade, conhecendo novas pessoas, ambientes, materiais e experimentando assim a vida em um novo lugar.
As residências artísticas enfatizam a importância do significado em multicamadas de intercâmbio cultural e de imersão em outras culturas. Bem se sabe que esta atividade abrange o mundo da arte internacional há mais de um século como uma prática recorrente. Assim mesmo, contudo, no Brasil, este tipo de iniciativa ocorre de forma ainda muito incipiente, com pouquíssimas oportunidades e recursos se analisarmos a proporção de artistas em plena atividade e a extensão territorial do país.
Diálogo Absurdo nos Trópicos é um destes projetos que se tornou possível através do programa Residência + AULA via CAPACETE Entretenimentos (link http://www.capacete.net/ ) (2) em parceria com a Prefeitura do Rio de Janeiro. O mote principal do meu projeto era simplesmente estabelecer um diálogo com a comunidade local sobre a ‘realidade atual do país’ a partir da experiência de trabalho e residência no Rio de Janeiro. Esse desejo de conversa ocorreu devido a minha experiência de vida e trabalho no exterior há mais de nove anos. Em 2004, decidi migrar para a Europa com o pretexto de aproximar meu olhar à cena artística contemporânea daquele contexto, pois grande parte de nossa formação ainda se apoia em referências de um determinado ‘centro’.
Esse afastamento geográfico despertou uma inversão do meu olhar, provocando uma atenção especial para o caráter “brasileiro” que antes passava despercebido. Já dizia Hélio Oiticica que a posição do artista como um "esteticista" é insustentável no nosso panorama cultural: ou tomamos consciência disso ou estamos destinados a permanecer em algum tipo de colonialismo cultural; simples especulações sobre possibilidades que basicamente retornam as grandes ideias já mortas (3).” Não é de hoje que vemos ressurgir no contexto brasileiro o resgate de proposições coletivas, um "retorno ao mundo". Espera-se assim um ressurgimento pelo interesse dos problemas humanos, enfim, pela vida. Para que de fato ressurja uma redefinição sobre as prioridades e identidades num espaço multirracial como o Brasil, deveríamos olhar a história do presente a partir de um paradigma de ‘descolonização’.
Com o olhar atento às mudanças que reverberam no exterior sobre o Brasil efetuei uma seleção de notícias da mídia impressa holandesa, com especial enfoque na cidade do Rio de Janeiro, para ser dividida com os envolvidos no projeto (4). Como parte do programa Residência + AULA realizei uma oficina na qual o conteúdo programático embrenhou-se às experiências pessoais de cada participante a partir de narrativas. Durante a oficina buscou-se estabelecer um diálogo sobre as atuais transformações do país e sua real interferência na vida cotidiana e no desenvolvimento cultural. Esse diálogo foi construído através da dinâmica de perguntas e respostas, análise de referências e vivências pessoais: literalmente falando, o Brasil sempre foi cogitado como o País do Futuro... Por quanto tempo o recente crescimento econômico brasileiro poderá durar? Como as recentes mudanças interferem em suas vidas cotidianas? Podemos relacionar a poética e a política?
No decorrer destes encontros foi sugerida pelos participantes uma bibliografia para a construção de um texto-di疝ogo realizado em coletivo a fim de explorar essas questões que transbordam a noçãoo exica sobre os trópicos e o caráter brasileiro. A presente bibliografia desencadeou um desdobramento desse projeto, abrindo a possibilidade para construção de uma futura Biblioteca dos Trópicos. Durante o período da oficina foi realizado também uma caminhada na Floresta da Tijuca.
Parte deste processo esta dispon咩el no blog do projeto http://dialogoabsurdo.wordpress.com/. As postagens intituladas Nos Trópicos
Notas
(1) Daniele Marx (1975, n. Porto Alegre, Brasil) é artista visual e arquiteta e atualmente vive e trabalha entre Porto Alegre, Brasil e Amsterdã, Holanda. Mestre em Artes Visuais pela Avans University of Applied Sciences AKV St Joost, Holanda 2010. Graduação em Artes Visuais pela UFRGS (2004) e Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (1999). Frequentou o grupo de orientação em arte com Maria Helena Bernardes (2000-2002, Porto Alegre) e colabora com o projeto de extensão da UFRGS Formas de Pensar a Escultura – Perdidos no Espaço. Em 2003 inicia o Projeto Meio em coautoria com o artista Marcos Sari. Desde 2004 realiza uma serie de projetos e residências em artes, dentre a mais recente destaca Capacete, Rio de Janeiro, 2012. Tem experiência na área de Artes Visuais com ênfase em escultura, atuando principalmente nos seguintes temas: arte/vida, atividade intangível, trabalhos vivos, imaterial e tática. Esta prática é apresentada a partir de mídias variadas.
elos dentre eles a Universidade de Verão. http://www.capacete.net/
(3) OITICICA, Hélio. Esquema Geral de uma nova objetividade. Catálogo Hélio Oiticica. Barcelona:Fundaciò Antoni Tàpies, 1992.
(4) Participaram da oficina os artistas Lucas Sargentelli, Marianna Olinger, Felipe Abdala, Clara Lee Lundberg, Márcia Ferran e Anderson Ramalho. Agradecimento ao guia voluntário durante a caminhada na Floresta da Tijuca, Alexandre Justino.
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