Em busca de outros espaços - Entrevista com Louise Ganz
Antes de falar sobre a ação Bicicletas-Ambiente – Economias de Quintal, gostaria de te ouvir sobre o Lotes Vagos, lá de 2004. Como surgiu e do que tratava aquele projeto?
Eu sempre associo o surgimento do projeto Lotes Vagos a um hábito que eu tinha: passear aleatoriamente pela cidade, fosse de ônibus ou de carro. Em um desses passeios, conheci o bairro Urucuia, na região do Barreiro, e o que me chamou atenção, ali, foi um grande número de lotes plantados com girassóis, feijão, milho etc. Foi então que, junto ao Breno Silva, comecei a pensar na possibilidade de expandir aquela ideia a outras regiões da cidade. Acabamos descobrindo, nesse caminho, que aproximadamente 10% dos terrenos de Belo Horizonte estavam vagos e poderiam, portanto, receber outros usos. Aos poucos, o projeto foi ganhando um caráter de parceria, no qual convidávamos artistas, arquitetos e ativistas para ocupar esses lotes, tendo como prioridade o estabelecimento de relações diretas com as comunidades do entorno. Nesse sentido, os lotes vagos deram lugar a piscinas, banquetes, gramados e até mesmo um salão de beleza, entre vários outros.
Quais foram as principais conquistas desse projeto, na sua visão?
Justamente por ter circulado bastante,em cidades como São Paulo, Fortaleza e Belo Horizonte,o projeto acabou revelando um interesse generalizado e muito expressivo por esse tipo de abertura dentro da vida urbana. Em cidades com tanta especulação, controle e determinação, esses usos alternativos surgem como aberturas ao convívio, à união entre vizinhos, ao fortalecimento da vivência em comunidade – elementos dos quais, sem dúvida alguma, muita gente sente falta nos nossos centros urbanos. Mesmo que a cidade tenha parques, muitos deles são de difícil acesso e a questão da proximidade é muito importante para que essas relações aconteçam.
Foi nesse contexto que teve início a sua parceria com a Inês Linke, formando a dupla thislandyourland?
Sim, nós começamos a trabalhar juntas em 2007, fazendo percursos na região metropolitana de Belo Horizonte a partir de alguns elementos de infraestrutura, como redes de água e energia elétrica. Em ambos os casos, acabamos descobrindo percursos fantásticos, que revelam áreas verdes desconhecidas, mas geralmente disponíveis ao acesso das pessoas, com um grande potencial para se tornarem espaços públicos de uso coletivo. É nesse sentido, aliás, que as lógicas dos dois trabalhos se aproximam: ambos se apoiam na ideia de explorar espaços urbanos que já existem e estimular a sua ocupação pela população, lembrando que a cidade não se resume apenas aos espaços planejados.
Em que consiste o projeto Bicicletas Ambiente, que vocês vêm realizando desde meados de junho?
Esse projeto surgiu a partir do desejo de acessar e estimular possíveis microeconomias presentes em diferentes regiões da cidade. Usando bicicletas, nós percorremos bairros em busca de insumos e os transportamos para outros pontos da cidade, onde propomos sua transformação em novos produtos, geralmente por meio de oficinas oferecidas ao público local. Enquanto algumas regiões mostram vocação para a agricultura urbana, outras têm demandas relacionadas à proteção de nascentes, por exemplo. No caso da regional Oeste, que visitamos hoje, descobrimos por meio de pesquisas prévias a existência de demandas relacionadas a bibliotecas públicas. E essa demanda não se refere à criação de uma grande biblioteca, mas de algo bastante possível, que poderia ser articulado entre os próprios moradores da região. Em cada um desses contextos, nosso desejo é chamar atenção para uma questão primordial dentro da vida urbana, que é a produção e organização em pequena escala, sempre mais autônoma e mais independente das macroestruturas.
Paralelamente a essas ações urbanas, você também tem participado de exposições em variados espaços institucionais. Como você e seus parceiros têm se relacionado com esse trânsito, que acaba conferindo duas faces para um mesmo trabalho?
No ano passado, por exemplo, o thislandyourland propôs ao Museu de Arte da Pampulha (MAP) a ocupação de um terreno situado em frente ao museu. Transformamos esse terreno em uma espécie de laboratório, no qual criamos um jardim nutritivo, com hortaliças, misturado a um jardim composto pelo capim que já existia por lá. Ao longo desse processo, que durou alguns meses, tivemos várias discussões sobre o que levar ao museu. Depois de passarmos por conceitos de registro, documentação e transposição, concluímos que um trabalho de síntese talvez fosse a proposta mais interessante para se levar ao espaço expositivo.
No início deste ano, você e o Breno Silva participaram da inauguração do Museu de Arte do Rio (MAR) com o trabalho “O Terreno e o Abrigo”. Como se deu o processo, nesse caso específico?
Para começar, vale dizer que a ideia desse trabalho vem lá de 2005, quando começávamos a circular com o projeto “Lotes Vagos”. Depois de algum tempo, muito naturalmente, acabamos virando uma espécie de centro de negociação, atraindo tanto pessoas que tinham projetos e procuravam terrenos, quanto outras, que tinham terrenos e estavam em busca de projetos para ocupá-los.Naquela época pensamos em criar um site para que esses cruzamentos se dessem de modo independente, e foi justamente essa ideia que apresentamos ao Paulo Herkenhoff e à Clarissa Diniz, quando fomos convidados a expôr no MAR. A esses dois lugares iniciais, acrescentamos ainda espaço para quem pudesse financiar a ocupação dos terrenos e para quem pudesse oferecer algum tipo de serviço, durante essa ocupação. Chamamos essa plataforma de “Ativador de Espacialidades Temporárias”, expandindo, ainda, a ideia de lote vago para espaços de outras naturezas, como casas, apartamentos, áreas situadas embaixo de viadutos e até mesmo revistas ou espaços virtuais. Para divulgar esse projeto, o Breno viajou por dez Estados brasileiros. Quando chegou a hora de montar a exposição, levamos ao museu a própria plataforma do site, exposta em uma grande projeção.
Depois de dez anos trabalhando na fronteira entre arte e urbanismo, como você percebe o cenário atual?
Eu vejo um cenário cheio de contradições, em que algumas coisas se esclarecem e outras se tornam mais obscuras. Por exemplo: lá atrás, quando conversávamos sobre a ideia de trabalhar em relação com comunidades, havia quem estranhasse a ideia – era comum que aquilo, por si só, já provocasse algum debate. Hoje, por outro lado, essa questão me parece estar mais incorporada à pratica artística, e os debates felizmente acontecem em torno de outras ideias. Parece haver uma compreensão mais clara de que não se trata de assistencialismo ou coisa parecida. Pelo contrário: são ações que discutem ideias caras aos nossos tempos – território, escalas de produção, limites entre público e privado e por aí vai. Quando a coisa acontece, de fato, dentro do campo da arte, a vibração é diferente.
Fonte: https://www.otempo.com.br/diversao/magazine/em-busca-de-outros-espacos-1.677020