ARTE BRASILEIRA - 50 Anos de História no Acervo MAC USP
No Brasil, a modernização artística do século XX começou com o movimento modernista, projeto estético em cujo bojo se encontrava o desejo de renovação da arte, associado ao da construção de uma consciência atualizada da cultura nacional. O modernismo desenvolveu seus fundamentos não só nas artes plásticas, mas também, e com significativa produção na música e na literatura.
O período histórico em que eclodiu e se afirmou foram os anos de 1920—a Semana de arte Moderna aconteceu em 1922 e, daí para frente, desenvolveu-se o ideário modernista. O modernismo desdobrou-se em novas manifestações no decênio de 1930, prolongando-se até meados da década seguinte, época esta já de sua consolidação. Tal período respondeu a um momento de importantes transformações na conjuntura da sociedade. Foi um tempo de modernização social, aquele que se viveu no quadro histórico do entre-guerras. Ocorreu um crescimento industrial, enquanto se imprimiram mudanças nos setores comercial e financeiro, deixando o país de ter um perfil econômico somente agrícola. Daí em diante, novos fatos, novos personagens e nova realidade histórico-social moveram os rumos do processo artístico.
No final da década de quarenta, em 1947 e 1948, respectivamente, foram fundados: O Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand; o Museu de Arte Moderna do Rio e o Museu de Arte Moderna de São Paulo, cuja coleção foi, em 1963, transferida para a Universidade de São Paulo, dando origem ao Museu de Arte Contemporânea.
Com esse espaço institucional voltado para as artes, constituído nos anos que fecham a década de 1940 e, logo em 1951, com a criação da Bienal de São Paulo, o cenário artístico brasileiro ganha novo ritmo de mudança e nova relação com as inovações estéticas. Vale lembrar que o MAC USP foi, desde a sua abertura, um espaço significativo para incentivar as novas pesquisas artísticas e mostrar ao público os novos caminhos da arte.
Modernismo e Seus Desdobramentos
O primeiro núcleo da exposição reúne obras significativas de artistas que foram construtores do modernismo brasileiro: Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Victor Brecheret, Antonio Gomide, Vicente do Rego Monteiro, Ismael Nery, Lasar Segall e Flávio de Carvalho.
A obra Torso/Ritmo (1915-1916), de autoria de Anita Malfatti, pioneira do modernismo com sua exposição individual de 1917, de forte repercussão sobre o meio artístico, oferece indicações de como se orientarão na visualidade estética as transformações buscadas pelo modernismo. O olhar da artista observou e assimilou aspectos da contribuição das primeiras vanguardas do século XX. Estudando na Alemanha e depois nos Estados Unidos, Anita absorveu elementos das experiências expressionista e cubista. O gesto criador aglutinou, sincreticamente, características formais de uma ou de outra tendência, produzindo uma imagem plástica com semântica peculiar.
O procedimento evidenciou-se, igualmente, em outros artistas do movimento e pode ser observado com muita relevância em Tarsila do Amaral, nesta mostra, representada com as telas Floresta, de 1929 e Costureiras, de 1950. No primeiro trabalho, encontra-se a artista em sua fase antropofágica, que se definiu com a conhecida tela Abaporu (1), igualmente datada de 1929. Na estruturação da linguagem plástica da obra pertencente ao acervo do Mac, vê-se a artista ingressando na pesquisa surreal, ao tratar a paisagem em dimensão simbólica. Em Costureiras, de 1950, tem-se a artista em outra fase, a da arte social.
Antonio Gomide, Victor Brecheret e Vicente do Rego Monteiro foram os primeiros artistas a se fixar em Paris, anos 1920, em busca de desenvolvimento de suas experiências. Em 1921, viveram em Montparnasse, centro artístico palpitante daquela cidade. Já estavam convivendo com a École de Paris antes mesmo da eclosão da Semana de Arte Moderna, da qual eles, bem como Anita e Di Cavalcanti, participaram, à diferença de Tarsila.
Um ponto em comum a destacar nestes três artistas, no decênio de 1920, é sua aproximação ao cubismo, com especial absorção da tendência art déco. Nos trabalhos aqui expostos Brecheret comparece, entretanto, com obra posterior a este período, já marcada por outras preocupações. Deste artista, apresenta-se Indio e a Suassuapara, um bronze de 1951, onde ressalta a organicidade da forma, a síntese e a simplificação que dão ao tratamento da temática indígena uma dimensão abstratizante (2). Em Gomide,a aproximação ao cubismo, com orientação para o art déco, é visível em Duas Figuras, aquarela datada de 1922, mas na tela Composição com parte de uma Ponte, de 1923, o diálogo com o cubismo se evidencia sem a característica antes apontada. Nas aquarelas de Rego Monteiro, aparece a temática dos mitos indígenas que, no modernismo brasileiro, ele pioneiramente pesquisou.
Di Cavalcanti, um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna, está representado na exposição com pinturas e desenhos que permitem caracterizar aspectos de sua vasta produção. Na composição sem título -- Tríptico com Cenas de Paris, o artista já está integrado às vertentes da École, na época dos anos 1920. Já os seus desenhos exemplificam registros de reflexão e anotação plástica, em que aparece o olhar agudo de observador da vida cotidiana, o artista se mostra como um “cronista” da realidade social. A tela Marinha, de 1949, revela-o já em sua maturidade plástica, no exercício da arte moderna.
Ismael Nery destacou-se no grupo modernista por suas preocupações metafísicas e surrealistas. É o ser em sua profundidade, a existência, que constituiu o centro de seu interesse. Chamamos a atenção para o tratamento que dá ao nu feminino, em Três Mulheres com Auscultador. Neste trabalho, realizado em nanquim sobre papel, pode ser percebida a sensualidade poética que dá à figura da mulher, imagem construída em diálogo com as tendências mencionadas, com rigorosa preocupação plástica.
Flávio de Carvalho, outro importante artista ligado à história darte moderna brasileira, foi também importante animador cultural da época. Entre outras realizações em que se destacou, está a fundação do CAM (Clube dos Artistas Modernos), em 1932, e a participação no projeto do Salão de Maio (mostras coletivas ocorridas em 1937, 1938 e 1939, em São Paulo). A obra exposta, Retrato de José Lins do Rego, de 1948, é notável por suas pinceladas gestuais e por suas cores expressivas.
De autoria de Portinari, o Retrato de Paulo Rossi Osir (1935), trata a interioridade psicológica do retratado, por elaborada aplicação de valores plásticos, explorando o cromatismo na composição.
Ernesto De Fiori, pintor e escultor, veio para São Paulo em 1936, proveniente da Alemanha, onde o ambiente, na proximidade da segunda grande guerra, era de forte insegurança. Quando aqui chegou, já possuía amadurecida vivência artística, e integrou-se ao meio local, revelando convergência de sensibilidade com o momento da nossa arte. Na tela do acervo do MAC USP em exposição, Arlequim Dançando, temos um exemplo de sua pesquisa das tendências em fluxo nas vanguardas das primeiras décadas do século, na França e na Alemanha.
Um outro setor do primeiro módulo da exposição remete à experiência dos artistas imigrantes ou descendentes de imigrantes. Eles constituíram um capítulo sui generis do processo das artes plásticas brasileiras, à época da consolidação do modernismo. Eram artistas provindos de profissões artesanais. Eram, principalmente, pintores-decoradores de residências, onde executavam frisos e florões em moda na época, como Zanini, Rebolo (o primeiro descendente de italianos, o segundo de espanhóis), Volpi e Pennacchi (nascidos na Itália). Mas havia entre eles também a profissão de letrista, como é o caso de Graciano, e de ourives, como acontece com Manoel Martins. Alguns se formaram na tradição da pintura italiana, com experiência de estudo na Itália, como Pennacchi e Bonadei. Estes eram, diferentemente dos outros, de origem proletária, oriundos da pequena burguesia em ascensão. Os artistas mencionados integraram o Grupo Santa Helena, cuja contribuição plástica foi marcada pela observação mútua, pela troca de informações, pela vontade de pesquisa, livre dos ensinamentos acadêmicos da época. Não possuíam vínculos, entretanto, com os artistas da primeira geração modernista, na época em que emergiram no cenário artístico e desenvolveram uma produção com características bem diferentes da que os primeiros apresentaram.
As pesquisas dos santahelenistas se voltavam ao estudo de Cézanne, das experiências visuais italianas dos anos de 1920, marcadas por uma retomada da “ordem”. Estas características estiveram também presentes em outros artistas que, com eles, integraram as mostras da Família Artística Paulista (em 1937, 1939, em São Paulo, e em 1940, no Rio de Janeiro), como Joaquim Lopes Figueira, Mick Carnicelli, e Paulo Rossi Osir, igualmente, presentes nesta exposição que o MAC traz à Bahia.
José Pancetti e Alberto da Veiga Guignard foram artistas também muito significativos dos anos de 1930. Na sua produção, a paisagem era igualmente uma constante. Ambos atuaram no Rio de Janeiro; o primeiro integrou o grupo Bernardelli, o ateliê livre da Escola de Belas Artes surgido em 1936. Logo, tornou-se conhecido como pintor de marinhas, mantendo também contatos com o meio artístico de São Paulo. O segundo desenvolveu a época mais madura de sua produção em Minas Gerais, onde foi personalidade destacada no processo de modernização das artes plásticas. Residiu, a partir de 1944, em Belo Horizonte, dirigindo a Escola de Arte, instalada nas dependências do Parque Municipal daquela cidade.
Tendências Abstratas
No segundo núcleo desta exposição, encontram-se artistas do acervo do MAC USP que marcaram sua trajetória no espaço da abstração.
Na história da arte no Brasil, fatos diversos se aliaram à crescente motivação pela experiência abstracionista, a partir de 1945. Por exemplo, foram acontecimentos relevantes de São Paulo: a exposição “Do Figurativismo ao Abstracionismo”, organizada pelo crítico francês Leon Degand, para a abertura do Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1949; a mostra de Max Bill, em 1950, no Museu de Arte de São Paulo (MASP) e sua premiação na primeira Bienal, de 1951.
A plena afirmação dessa corrente aconteceu, especialmente, com as III, IV e V Bienais de São Paulo, principal evento que consolidou o abtracionismo no cenário cultural brasileiro. No Rio de Janeiro, a Exposição do Grupo Frente, no Instituto Brasil-Estados Unidos (IBEU), e a Exposição Nacional de Arte Abstrata (Petrópolis), de 1953, foram fatos marcantes.
Na perspectiva da conjuntura histórica, é preciso observar que o abstracionismo vai ao encontro dos valores de modernização social, cujos pontos essenciais definiram uma política desenvolvimentista, num ambiente democrático. Objetivava-se a superação ágil de etapas no crescimento econômico (plano de metas do governo Kubitscheck: 50 anos em 5). Cresceu a indústria, incentivando-se a do automóvel que, conseqüentemente, levou à abertura de estradas. Um fato significativo da época foi a fundação de Brasília, a nova capital, no centro-oeste do País.
As mudanças de rumo do processo das artes plásticas levaram à ruptura dos objetivos do modernismo, o qual correspondeu, como foi visto, a um outro momento deste mesmo processo de modernização social. Pode-se considerar que, no módulo abstracionista desta exposição, aparece um desenho significativo da produção vigente no circuito artístico da época. Estão presentes os artistas: Antonio Bandeira, Sheila Brannigan, Iberê Camargo, Milton Dacosta, Mario Cravo Jr., Danilo Di Prete, Arnaldo Ferrari, Samson Flexor, Tikashi Fukushima, Ianelli, Tomoshige Kusuno, , Manabu Mabe, Felícia Leirner, Frans Krajcberg, Manabu Mabe, Yolanda Mohalyi, Fayga Ostrower e Kasuo Wakabayashi. Há também, neste núcleo, a presença de nomes que integraram ou se aproximaram das tendências construtivas, como Geraldo de Barros, Lothar Charoux, Jandira Waters, Judith Lauand e Willys de Castro.
Impactos da Nova Figuração
Caminhos da Arte Contemporânea
Na seqüência da mostra, encontra-se um conjunto de artistas que, ao longo dos anos de 1960, atuaram e promoveram novas transformações nas artes, causando impactos no circuito artístico. Com sua produção, eles participaram da redefinição conceitual que se operava na linguagem da arte, no seu entendimento e na sua práxis. Adotaram novos modos de usar os materiais que dão suporte à idéia artística, criaram novas morfologias de invenção; valeram-se de novas estratégias semânticas na construção da linguagem artística.
Proposta e Opinião foram exposições coletivas de arte contemporânea, acompanhadas de amplo debate crítico, realizadas em São Paulo e no Rio,ambas com duas edições, uma em 1965 e outra em 1966. Foram eventos que mostraram as mudanças profundas que estavam acontecendo na arte. Assim foi também a experiência do movimento Rex: com a criação da Rex Gallery & Sons e suas exposições e happening inaugurais, ao longo dos anos de 1966 e 1967, e seu jornal Rex Time (lê-se time), que trazia textos de artistas e críticos contestando os valores estabelecidos.
Vivia-se no País um período de tensão e contestação ao regime militar, instalado em 1964. Esta experiência teve, em alguns casos, repercussões diretas sobre a nova relação que a arte buscava com a realidade e o público. Foi rico o processo dessa nova dinâmica: começou com projetos como o de Lígia Clark (os Casulos, os Bichos), e o de Hélio Oiticica (Bólides, Objetos, Parangolés), chegando à Declaração de Princípios da Vanguarda, em janeiro de 1967, e à mostra Nova Objetividade, em abril do mesmo ano, no MAM do Rio de Janeiro.
Uma grande parte das novas experiências apoiava-se nos fundamentos da Pop Art: vejam-se aqui os trabalhos de Antonio Dias, José Roberto Aguilar, Marcelo Nitsche e Rubens Gerchman.
Experimentações no campo do novo realismo podem ser encotnradas em Antonio Henrique Amaral, João Câmara e Humberto Espíndola. E temos a pintura da época Phases, nos trabalhos de Duke Lee (Arkadin d’y Saint Amer) e Bin Kondo.
Dentro de uma filosofia conceitual, as qualidades materiais e as dimensões minimalistas e de construção de ambiente marcam a poiesis as obras expostas de Luiz Paulo Baravelli e Cildo Meirelles, no início do decênio de 1070.
O fértil período de produção artística no cenário brasileiro do final do decênio 1960 e dos anos 1970 pode ser também observado nos trabalhos de artistas do acervo do MAC USP que integraram as mostras Jovem Arte Contemporânea, acontecidas no período de 1967 a 1974. As JACs reuniram jovens que pesquisavam e produziam arte contemporânea. Foram mostras coletivas realizadas com a curadoria do então diretor do Museu, professor Walter Zanini, que visavam por em foco a arte emergente no Brasil, que revelaram ou referendaram artistas surgidos no período em questão, que lançaram o olhar crítico sobre as novas características da linguagem artística da época. Para o MAC, com os Prêmios Aquisição que as JACs instituíram, possibilitou-se uma importante atualização de acervo. Nesta exposição, ilustra-se este momento da história do acervo com trabalhos de José Alberto Nemer (Prêmio Aquisição III Jovem Arte Contemporânea), Carmela Gross (Prêmio Aquisição IV Jovem Arte Contemporânea), Maria Cecília Andrade (Prêmio Aquisição V Jovem Arte Contemporânea), Aieto Manetti Neto (Prêmio Aquisição V Jovem Arte Contemporânea) e Paulo Herkenhoff, cuja obra foi igualmente adquirida pelo MAC USP.
A oportunidade de trazer esta exposição à cidade Salvador deve-se ao Projeto Arte e Patrimônio 2007, criado pelo Ministério da Cultura do Brasil, para promover um maior conhecimento sobre os acervos artísticos do País.
Lisbeth Rebollo Gonçalves
Curadora, Diretora do MAC USP
Janeiro de 2008.
Nostas:
1. Obra pertencente ao acervo do Museu de Arte de Buenos Aires (MALBA), Argentina.
2. A obra recebeu o Primeiro Prêmio de Escultura Nacional da I Bienal de São Paulo.
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Reitora - Suely Vilela
Vice-Reitor - Franco Maria Lajolo
Pró-Reitora de Graduação - Selma Garrido Pimenta
Pró-Reitor de Pós-Graduação - Armando Corbani Ferraz
Pró-Reitora de Pesquisa - Mayana Zatz
Pró-Reitor de Cultura e Extensão Universitária – Ruy Altafim
Secretária Geral - Maria Fidela de Lima Navarro
MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA
Diretora - Lisbeth Rebollo Gonçalves
Vice Diretora - Helouise Costa
Div. Téc.- Científica de Acervo - Paulo Roberto Amaral Barbosa
Div. Téc.-Científica de Educ. e Arte - Carmen S. G. Aranha
Div. de Pesquisa em Arte - Teoria e Crítica - Cristina Freire
Divisão Administrativa - Ana Maria Farinha
Biblioteca Lourival Gomes Machado - Lauci Bortoluci
CONSELHO DELIBERATIVO DO MAC USP
Carmen Aranha; Helouise Costa; Katia Canton; Lisbeth Rebollo Gonçalves; Maria Cristina Machado Freire; Raquel Glezer; Rosa Iavelberg, Paulo Marcos Donate; Paulo Roberto Amaral Barbosa; Sérgio Miranda; Sylvio Barros Sawaya;
FICHA TÉCNICA DA EXPOSIÇÃO
Curadoria: Lisbeth Rebollo Gonçalves
Museografia
Projeto Museográfico: Gabriel Borba
Projeto Gráfico e de Sinalização: Elaine Maziero
Editoração Eletrônica: Roseli Guimarães de França;
Produção
Produção: Ana Maria Farinha; Cláudia Ortiz; Alecsandra M. de Oliveira; Claudia Assir; Regina Pavão
Conservação e Restauro: Ariane Lavezzo; Renata Casatti; Rejane Elias, Marcia Sampaio
Montagem da exposição: Fábio Ramos; Mauro Silveira