Você está aqui: Página Inicial / Linha Editorial / Idéias / Palestra de Antoni Muntadas, com comentários de Nelson Brissac

Palestra de Antoni Muntadas, com comentários de Nelson Brissac

 

Antoni Muntadas – Espaços da Memória

Centro Cultural  São Paulo – 15/10/05

 

Inês Raphaelian:

- ... da Agência Espanhola de Cultura, na presença da Ana Tomé. Também apresentamos Nelson Brissac, que será nosso debatedor, e Martin Grossmann, nosso moderador.

Ana Tomé:

- Bom-dia. Desculpem meu português, que ainda é um pouco fraco, mas também quero agradecer a possibilidade oferecida pelo Fórum Permanente e pelo Centro Cultural, de ter conosco o Muntadas, o artista espanhol muito querido por nós, e que eu acho que vocês vão achar muito interessante. Este evento inicia uma série de colaborações da Agência Espanhola de Cooperação Internacional na cidade de São Paulo. Estamos trabalhando para abrir um Centro Cultural da Espanha aqui , para facilitar a criação de redes entre criadores espanhóis, brasileiros e ibero-americanos. Então, agradeço muito esta possibilidade de trabalhar com instituições locais para organizar atividades culturais, e aprofundarmo-nos nos laços, no conhecimento das culturas de nossos dois países. Muito obrigada.

 

Martin:

- São 10 e meia, horário brasileiro, vamos começar, então, com meia hora de atraso. O Muntadas já está acostumado com isso, porque freqüenta o Brasil desde 75, não é isso, Muntadas? A primeira vez que ele veio ao Brasil foi a convite do diretor do Museu de Arte Contemporânea, que na época era o Walter Zanini. O Muntadas é quase brasileiro, assim como ele é quase cidadão de outros países com os quais ele mantém contato permanente. A idéia de termos Muntadas foi graças a uma parceria com a Agência Espanhola de Cooperação Internacional e ao Centro Cultural de São Paulo. Mas é que o Muntadas está de passagem para ir para o Uruguai, onde ficará um tempo dando um curso.

E é nessa situação, mesmo de passagem, mas uma passagem qualitativa, e que de certa maneira vem ao encontro de como o Fórum tem operado. O Fórum é um sistema em rede, e trabalha com parceiros de uma forma bastante justa, no sentido de não exigir coisas além do que o parceiro pode oferecer. E cada um, então, cumpre uma parte nesse sistema. E no meu ponto de vista, o Muntadas vem trabalhando dessa forma desde a década de 70. Eu acho que é um trabalho único no sentido de criar uma complexa rede de pessoas, instituições, relacionando o público, o privado, trabalhando não só com museus ou com instituições de arte, mas trabalhando com questões urbanas. E aqui, a presença do Nelson [Brissac] é muito valiosa, porque existe aqui uma cumplicidade entre o Muntadas e Nelson em projetos que vão, de uma certa maneira, além da instituição; que trabalham com a cidade, com essa falta de forma que se vê na cidade de São Paulo, uma grande cidade. Eu não posso esquecer que, como nós temos o alerta no site, e que o Muntadas nos coloca sempre, a atenção, a percepção requer envolvimento. Em italiano está empenho, e em espanhol ele usa participação (e essa é uma pergunta que eu vou fazer quando você terminar sua palestra), mas esse alerta sintetiza, em boa parte, a grande contribuição que o Muntadas dá à arte contemporânea. Não vou me alongar, porque passarei a palavra a ele, que hoje vai nos apresentar uma série de trabalhos relacionados a essa idéia do projeto Espaços da Memória. Eu agradeço a participação de todos vocês, hoje é sábado, 10 da manhã, é sempre um horário um pouco fora do normal, mas, de qualquer maneira, é bom ver a casa cheia, e eu agradeço muito, Muntadas, e ao Nelson Brissac também por sua disposição em participar desta atividade conosco.

 


Muntadas:

- Agradeço, Martin, e agradeço a vocês por terem vindo neste sábado, saliento o que o Martin havia dito. Quando me disse seria no sábado às 10 da manhã, eu disse: “Bem, vai ser difícil ter uma grande audiência”. Eu creio que se pode fazer uma apresentação de muitas formas, e decidi fazer uma apresentação fazendo um corte sobre meu trabalho, que observa a arquitetura dos edifícios, e expandindo ao território da cidade. Poderia fazer um corte através da mídia, através do sistema de comunicação, de outros trabalhos que me interessavam em outros projetos, ultimamente com maior interesse pela cidade e pela arquitetura, e como se faz arquitetura, mas interessado em revisar uma série de projetos, começando com o trabalho de 76, vendo como ele foi desenvolvido, e como, de certa maneira, ele dialoga. Eu diria que a cultura do projeto me interessa, a metodologia é algo que insisto comigo mesmo, como modo de trabalho. Já a idéia de projeto a partir de um conceito é um processo de investigação, de pesquisa e de constatação de contexto, eu elaboro na apresentação final. A definição do trabalho vem através do conceito de projeto, que muitas vezes demanda num grande desenvolvimento, que pode ser de dois ou três anos, incluo ai trabalhos que levaram dez anos para serem desenvolvidos. Evidentemente, há outros que são desenvolvidos com limitação de tempo por uma série de razões. Porém, eu prefiro trabalhar com tempo, e tenho que dizer que eu não faço esses trabalhos sozinho: são trabalhos feitos em equipe. Seria impossível fazer todos esses trabalhos sem uma trama de colaboradores. Em geral, essa equipe é formada no local do trabalho, e sou eu quem me desloco para fazer um seguimento desse trabalho. Este ano eu acabo de fazer três trabalhos que me consumiram muito tempo, que é um projeto em Bremen, sobre o qual falarei, com a equipe que foi criada em Bremen, um projeto no México, que consumiu quase três anos de trabalho, e também um trabalho em Tijuana e San Diego, que levou dois anos. Ou seja, em cada local houve um desenvolvimento, com colaboração de pessoas no local em que o trabalho se desenvolveu.


Vamos começar a colocar as imagens para eu comentá-las. Qualquer tipo de pergunta, observação ou interrogação será bem-vinda de todas as partes, e ainda que ao tentar fazê-lo, na maior parte das vezes não funciona, vou fazê-lo da forma mais interativa possível.

 

(intervenção fora do microfone sobre uma falha na conexão de seu microcomputador ao projetor)

 

- E vai-se dizer que os anos 2000 são diferentes dos anos 80! Os problemas técnicos persistem...  Esse é o primeiro trabalho Yesterday, Today, Tomorrow, que é um trabalho feito em Queens, New York, no espaço PS1. Em 76, eu recebi uma chamada da pessoa que naquele momento era a diretora do Centro, que veio a ser diretora do Centro, para ver um espaço novo que ela considerava que fosse um espaço alternativo, que poderia ser interessante para ser convertido em espaço de produção e exposição de trabalhos. Naquele momento, o que fomos ver era o P.S. One, uma escola pública que estava totalmente abandonada há 20 anos, e o que se via era o espaço como ele havia ficado no último dia das aulas. As lousas abandonadas com os últimos escritos, livros no chão, a presença de uma escola que, num determinado momento, havia sido fechada, e que havia ficado totalmente congelada no tempo. Visitei aquele espaço com uma série de outros artistas, e, no meu caso, pareceu interessante fotografar o espaço e esperar que ele se transformasse. Tinha a intuição de que aquele espaço, aquela escola, ao transformar-se de espaço público para espaço de exposição, fosse mudar. E com o tempo, foi visto que P.S.1  é um espaço dependente do MoMA, é um espaço convencional de exposição, e que todo esse processo que nos anos 70 e 80 era considerado alternativo, desapareceu. Mas o que me pareceu interessante é que a arquitetura havia desaparecido. Então, na situação do edifício, havia uma referência de memória.


Estes são os diagramas que eu fiz no momento em que pensei que poderia intervir ao final de dois anos, mas voltei a intervir ao final de vinte anos. E a cada vez, essa intervenção é mais evidente, e talvez mais potente. Percorridas todas as salas, e onde se viria a intervir neste mapa do espaço, e a disposição de apresentar o trabalho daquele momento da escola, porque havia uma série de livros brancos ao redor do edifício, ao redor de vinte e dois livros, e espaços onde se projetavam as fotos do passado, mas não de uma forma nostálgica. Eu não queria que todos esses trabalhos de Espaços da Memória fossem vistos de maneira nostálgica nem olhando para trás. Eu creio que as coisas mudam, e é preciso ver como elas mudem. O que me interessa saber é porque elas mudam, e se essas mudanças podem ter uma alternativa, ou podem ser consideradas um espaço de situação crítica, o desenvolvimento dessa série de proibições nos espaços dos livros. Eu sempre creio que as paredes falam; nesses Espaços da Memória, as paredes escutam e falam, ou seja, por um lado, elas acumulam informações de memória, e meu trabalho se interessa por projetar o que as paredes escutaram, e ver como elas podem voltar a falar. Eu creio que os edifícios têm uma vivência, e têm, evidentemente, uma memória. Vou fazer uma descrição mais ou menos breve de todos esses trabalhos. Tenho que esforçar-me, porque as fotos não chegam até aquilo que eu acredito que o projeto trata, e, desculpem se terei que me alongar, mas acho que é a única maneira de fazer entender o contexto, e de fazer entender a intenção do projeto. Intervenções a propósito do público e do privado no Porto, em Portugal, foi um trabalho que eu diria que é muito diferente em cada um desses trabalhos. O registro e a forma como fiz o trabalho são muito diferentes. E é nesse ponto que eu acredito que a idéia do projeto me interessa, que, segundo o projeto, a definição do trabalho se identifica. Não estou interessado no estilo; estou interessado no discurso do trabalho, e por isso, às vezes, os trabalhos podem ser visualmente muito diferentes. É algo que não me preocupa, muito pelo contrário. É uma maneira de revalorizar a idéia do projeto.


Em Serralves, que era a casa de um rico industrial português nos anos 30, 40, esta casa foi feita em estilo art deco, e ele comprou todo mobiliário durante suas férias internacionais uma a uma, com obras muito interessantes, e toda a casa particular se transformou em obra. Ele morreu, e isso passou para a cidade de Porto, tendo se tornado em um museu. A Casa Serralves se mantém como um espaço de exposições específicas, mas o edifício do o museu é de Álvaro Siza, e o jardim, que é um jardim com duas partes, uma parte em estilo inglês e outro mais à francesa, cobre uma situação que me fez pensar muito sobre a relação do privado e do público. Pela primeira vez, o público intervém sobre o privado, enfatizando o privado, quando sempre em meu trabalho, enfatizo o público. Me pareceu interessante como contraponto falar desse projeto. Em todas as salas da Casa Serralves deixei o espaço vazio totalmente branco, enfatizando o uso do espaço privado. Placas que recordavam, porque naquele momento, quando os espaços de exposições, as placas mostravam o que aqueles mesmos espaços haviam sido quando eram quarto de dormir, quando era o hall principal, as placas enfatizavando as fotos de quando era espaço privado. Da mesma maneira que a escola pública põe em questão a idéia do espaço de arte, neste caso, reverte-se que a função do privado revalorizava o trabalho de uma pessoa que colecionava, e que, em minha opinião, talvez fosse interessante deixar a casa tal e qual, deixá-la aberta como um eixo antropológico com todo seu mobiliário, ao invés de convertê-lo em um espaço de arte. Mas essas são questões que eu coloco como perguntas. Os diferentes espaços, quando havia fotos, estavam colocados naquelas placas. Quando não havia, porque eram espaços não-nobres, que não tinham valor, havia um retângulo negro. Aí se viam os espaços de serviços, que não eram documentados. Ou seja, quando eram espaços de exposições artísticas, as funções se duplicavam. O espaço do diretor ficava no espaço do dono da casa, e aí há uma série de relações entre o privado e o público, que me parece que de uma certa maneira mantém essa relação de hierarquia de poder.

Esse trabalho desapareceu, não sei se em Barcelona, cidade de onde venho, e eu creio que as intervenções em Barcelona tenham sempre sido em relação aos edifícios, onde o trabalho foi planejado. Vou falar de dois trabalhos de 86, com resoluções muito diferentes. Um chamado “Disaparicións”, a idéia de que as coisas desaparecem em relação ao edifício e sua memória, e o outro, “Sala de Controle”, que irá para a Conferência de Arquitetura do EINA, que se realiza a cada quatro anos, em lugares diferentes. “Disaparicións” coloca uma certa idéia de memória da cidade de Barcelona, porque a Catalunha tem, evidentemente, uma relação muito complicada e às vezes muito confusa com sua identidade cultural. Estas três placas indicam uma certa esquizofrenia dessa identidade; são placas colocadas numa mesma cidade e na mesma rua, com uma mesma visão pré-Franco, Franco e pós-Franco. Então, em um momento lá, você fala a um taxista, e de acordo com o que você diz, ele vai saber ou não para onde você vai, porque é uma terminologia que, você pode falar Rua Diagonal, mas antes, ela era a Avenida Generalíssimo Franco. É só uma terminologia, um vocabulário que coloca essa relação com essa definição de uma entidade da cidade. O espaço que haviam planejado para que eu trabalhasse era um convento, o Convento Santa Mônica, que se localiza ao final da rampa saindo para a direita. Para as pessoas que conhecem Barcelona, fica perto do porto, e era um convento que durante muitos anos teve sua função de culto, que evoluiu com o tempo, e se transformou em um centro anarquista bastante importante durante muitos anos, e depois se transformou durante o franquismo, numa escola de jornalismo. E essa escola de jornalismo formou pessoas como Vazquez Montalván, uma série de jornalistas e escritores importantes, e depois veio a se converter em um centro de arte. Essa transformação de religião, política, o questionamento da política anarquista ou a situação da informação e o uso com a arte. Essas quatro formações me interessaram para falar da história, e para fazer aquelas paredes falar. Em toda a fachada havia aquela projeção, que funcionava como um dia sístole-diástole, o que equivale a dizer que ía da intensidade máxima da luz para a escuridão total.

O edifício tinha uma certa respiração que iria transmitir que a arquitetura respira, e que, de certa maneira, ela vive, e sobretudo, evidentemente, isto ocorria a partir do desaparecimento do sol. Durante toda a noite, havia essa respiração que, de uma certa maneira, se referia ao interior do que ocorria naquele antigo convento. Houve uma intervenção pós-modernista dos arquitetos Piñon e Viaplana, que são arquitetos conhecidos, que transformaram o convento com um corte bastante radical, e me interessou projetar dentro do edifício as imagens dessas quatro funções que ele havia tido através do tempo, e a diferente função da arquitetura. Essas projeções eram feitas de cima para baixo, verticais e horizontais, cobrindo o território, e onde o texto, a imagem e o som funcionavam, e (não sei dá para vocês verem) haviam oito balcões no segundo andar; o balcão como lugar de discurso, de espaço político para discussões. Havia umas projeções de mãos de políticos em movimento; era um pouco antes das eleições na Catalunha; mostrava-se somente os gestos das mãos. Os oito políticos que estavam em Niza estavam representados através desses gestos. Havia um teatro, um cinema construído na praça central, onde se apresentava um filme que havia sido feito naquele lugar, na escola de jornalismo, um filme do final dos anos 60, princípio dos anos 70, que fazia parte do cinema existente na Espanha, e que eu diria que era um mau cinema, mas um cinema que tentava dar uma certa propaganda, que falava das meninas da cor vermelha, da escola de jornalismo, e que tratava de mostrar a nova Espanha liberal. Enfim, era o fim do franquismo, e se tentava introduzir as últimas qualidades, uma nova fisionomia do que era a mulher, do que eram as novas profissões, etc. Me interessou usar esse filme intervindo, fazendo intersecções com alguns estudantes da escola de jornalismo, fazendo entrevistas, que, de uma certa forma, davam contraponto ao filme, e diziam como aquela escola de jornalismo havia sido verdadeiramente, que no filme era colocada de uma forma gloriosa e triunfal. O outro trabalho, que de certa maneira é paralelo no tempo, na mesma cidade, era a Sala de Controle, feito para a Conferência do EINA, que, como eu dizia, se realiza a cada quatro anos em um lugar diferente.

Então, quem organizava essa conferência era um arquiteto que morreu há dois anos, mas que era muito interessante; um teórico que ajudou muito a propagar toda a arquitetura espanhola contemporânea, além de atrair também uma série de disciplinas e práticas de arquitetura à Espanha, e fez a exposição “Presente e Futuro da Arquitetura”, que estava dividida em quatro partes. E no início de cada parte dessa exposição havia projetos sobre a cidade, desde seu passado até o contemporâneo, e no contemporâneo, projetos de arquitetos conhecidos, com alguns projetos construídos e outros não, e no início de cada uma dessas sessões, pediu-se a um artista plástico, diretor de cinema, a alguém que interviesse, como um prelúdio. Me interessou intervir num trabalho chamado “Sala de Controle”, que era uma metáfora, ou um tipo de referência às salas de vigilância, mostrando essa sala de vigilância a partir da sala de vigilância que o próprio Centro de Cultura Contemporânea tinha, que era um edifício reto também de Piñon e Viaplana. Havia uma constante entre os dois espaços;  tinham uma interferência pós-moderna feita pelos mesmos arquitetos, tanto em Santa Mônica como aí, e essa Sala de Controle transformava, colocava um dispositivo que mostrava... A sala de controle é a vigilância de uma segurança pessoal sobre o edifício. Colocamos uma sala de controle que fosse segurança para a própria cidade, e os guardas seriam os próprios cidadãos. Os cidadãos teriam que vigiar a segurança pública da mesma maneira que tratam de sua própria segurança, em vez dela ser feita apenas por arquitetos e políticos. Já era uma metáfora dizer que era uma sala de controle para a salvaguarda disto, e que o cidadão, o visitante da exposição é que, de certa maneira, estaria garantindo isso. Constava de nove monitores ligados: três acima, no alto do edifício, três câmeras de vigilância situadas no meio do edifício, algumas já existiam, mas mudaram de posição, e três mantiveram sua posição. Então, era o edifício do Centro Cultural Contemporâneo na cidade de Barcelona, na exposição do Congresso EINA. Esses três elementos, cidade, edifício e exposição, davam sentido ao fato do trabalho ter uma especificidade do que estava sendo visto naquele mesmo lugar e tempo, na mesma exposição.


À direita, havia um monitor com entrevistas com pessoas de diferentes bairros de Barcelona, que haviam se transformado, de como elas vivem, como viviam e como elas davam sua opinião de cidadãs que vivem naqueles espaços, em contraponto à visão do arquiteto, do político e do planejador. Á esquerda, havia uma retro-projeção de edifícios em explosão, que fazia parte dessa transformação da cidade, e da maneira que essas mudanças de positivo para negativo haviam sido produzidas. Os três monitores acima, como eu dizia, estavam situados nas câmeras acima dos edifícios, e abrangiam a Cidade Olímpica, Raval, que é o mesmo lugar onde fica o espaço de exposição, e a Cidade Olímpica, Raval e Montjuic,  que são partes da cidade que se transformam durante as férias internacionais, etc. De certa maneira, para mim, era tratar de criar uma série de referências à cidade, pois, de certa forma, Barcelona é uma cidade em constante mutação, tendo havido uma segunda mudança após as Olimpíadas, com o Fórum das Culturas e outras transformações que melhoram a cidade, mas que também, de certa maneira, pode-se questionar que a degradam, porque a convertem numa cidade totalmente genérica. Eu creio que a sociedade perdeu sua gana olímpica; eu creio que a sociedade é interessante, e eu falo do caráter maldito da sociedade de Barcelona, que eu creio que, de certa maneira, está desaparecendo; já não se encontra absinto, por exemplo, que é uma bebida que tem uma regulamentação muito específica. “Comemorações Urbanas” é um trabalho que desenvolvi para o projeto ArteCidade, proposto pelo Nelson Brissac, e eu creio que como foi feito na Zona Leste de São Paulo, é um projeto onde se viu tudo o que poderia ser visto. Sempre acredito que quando as coisas são vistas, é melhor não falar. Se alguém não viu, aí estão as placas, sei que há uma que foi roubada, suponho que foi vendida ao preço do material, e aqui, como estava colocado no Sesc-Belenzinho, era o foco central da ArteCidade para essa manifestação (corrijam-me se estiver dizendo coisas equivocadas). Havia umas salas que estavam dispostas para os projetos em si, e outras salas que eram maquetes para intervenções que ocorriam fora da cidade.

Neste caso, trabalhei com Paula Santoro, uma arquiteta de São Paulo (creio que trabalhamos por aproximadamente dois anos e meio), e eu não precisava dizê-lo: eu conhecia São Paulo, tinha opinião formada sobre a cidade, mas, evidentemente, a colaboração dela foi determinante, o grau de investigação, etc., e definimos onze espaços na Zona Leste que nos pareceram adequados a essas transformações, que nós chamamos de Comemorações Urbanas, que, no fundo, são comemorações ao inverso, porque, no fundo, comemoravam desastres urbanos. Era uma série de espaços que estavam colocados em maquetes como essas caixas de luz, situando textos falando do porque da existência daquelas placas. Evidentemente, ao serem colocadas no espaço urbano, esses textos não existiam. A maquete era como um centro de informações, em que, a partir dali, se poderia informar tudo o que acontecia. Mas as placas estavam situadas na Praça Roosevelt, etc. Não vou me estender nesse trabalho. No fundo, ele tratava de enfatizar que a planificação urbana de São Paulo, como de muitas outras cidades, sobretudo latinas, eu diria, o masterplan, o plano geral não quer dizer necessariamente que seja consistente, que tenha uma permanência, mas sim, que ele pode ser mudado segundo as necessidades, que eu diria que são necessidades políticas ou econômicas. Então, falávamos de espaços em que tinha havido uma série de intervenções, que muitas vezes haviam deixado, não se sabia porque, ou haviam se transformado, como eu dizia, por razões políticas ou econômicas. Vou passar os lugares de uma maneira sistemática, encimando esta placa, que era um remake da placa que o Município de São Paulo utiliza para comemorações, mas, como eu dizia, era uma comemoração ao desastre, revertendo a idéia de que, ao invés de glorificar uma inauguração, estávamos marcando que ali havia acontecido algo, e que aquela situação havia se transformado em outra. Creio que é óbvio que vocês conhecem todos os lugares, e que vocês podem questionar um pouco também o porquê daquelas placas.


Paralelamente, existiam uns postais, parece que não se desejava que elas se convertessem numa via-crucis da cidade. As pessoas que viviam no território iam, bem como aquelas que queriam ir, mas não era a repetição de espaços e exposições que é feita na arte pública, ou onde se tenha que ir de ônibus, de lugar em lugar. Elas eram deixadas lá, e havia postais, e um centro, um website, que eu creio que deve estar na ArteCidade, onde o projeto era explicado, e onde ficavam as placas, mas incitando pessoas de todos os lugares do mundo a colocar placas em seus países e em suas cidades. Então, em Valença, que é uma cidade culturalmente monumental, pensei imediatamente em não fazer placas (risos). Em muitos lugares asiáticos haviam placas. Então, era um complemento dizer: “Bem, o que acontece em São Paulo é semelhante”, mas eu creio que é quase como uma expansão de vírus, e toda essa situação em cada cidade poderia, de certa maneira, ser comentada e estendida sobre ela. Entramos no México em 2002 ou 2001 para começar o trabalho “On Translation” em mural, a Alameda Mural. Isto vai levar algum tempo para explicar, mas eu creio que é super-importante que eu explique, pois senão será impossível entender. Evidentemente, se vocês vissem a mostra, não seria preciso explicar nada, estaria tudo aí. A partir de uma visão do México, dessa grande cidade que é como São Paulo, uma das grandes cidades latino-americanas, de uma densidade e de uma magnitude que, para mim parecia inabordável, e como havia sido convidado pelo Laboratório de Arte Alameda (que está situado no Parque La Alameda) a intervir em uma mostra de meus trabalhos, decidi que não mudaria da Alameda; que a Alameda já era muito boa; o centro histórico e o Parque da Alameda me pareceram interessantes, porque era um lugar que (vocês vêem por estas fotos) tinha passado por uma transformação, mas havia sido sempre um local popular muito importante. Um local de debate, um local como... bem, em alguns locais como La Glande Plaza na Argentina, ou La Plaza Mayor em Madri, lugares como o Vaticano, onde as pessoas se expressam, e eu creio que a Alameda é um ponto muito intenso, por sua história.

E me pareceu que como a Alameda fez parte da série On Translation em que eu queria investigar as interpretações, e como transformam e transcrevem situações, neste caso, situações da cidade, situações arquitetônicas, comecei a investigar, e me dei conta que este hotel, que havia desaparecido com o terremoto, tinha em seu tempo um quadro  de Diego Rivera; um mural que foi feito por comissionamento, uma encomenda, exatamente no ano de 46, e Diego Rivera fez esse mural, que ele chamou de “Sonho de uma Tarde de Domingo na Alameda”. Encontrei alguém que já havia traduzido, havia interpretado a Alameda. Me pareceu interessante que o México, com toda a história muralista (isso teria um significado duplo, porque tocar em muralismo no México não é uma coisa muito popular), mas me pareceu interessante, por dizer que, se em todos os trabalhos de tradução há um filtro, este quadro era meu filtro de tradução de como ele havia colocado essa leitura na Alameda. Essa era uma parte do mural; havia outros dois trabalhos que complementavam, mas é deste trabalho que quero falar. No momento da encomenda desse trabalho de Diego Rivera para o hall do hotel, ele decidiu que o trabalho teria que ser transportado para o outro lado, o que seria um trabalho brutal de engenharia. E foi isso que o salvou do terremoto. Ele o mudou de lugar em um determinado momento nos anos 40, e essa estrutura de mudança o salvou. Ou seja, quando houve o terremoto, tudo desapareceu, mas o mural se conservou, e agora faz parte do museu-mural, que fica no edifício ao lado do Laboratório Alameda, que é o lugar onde eu fiz minha exposição. Então, colocamos os diálogos que pareceram interessantes entre os dois edifícios da Alameda e a história do quadro, eu creio que isto está no mural, é uma ambição muito do Rivera, de mostrar toda essa topologia social de todos os personagens da Alameda. Eu digo sempre que, para mim, esse quadro influenciou o “Sargent Peppers” dos Beatles (risos). Porque há uma configuração de arqueologia e de disposição de personagens que no catálogo reproduz a foto dos Beatles; porque me parece que é inevitável que essas coisas sejam seguidas.


O mural, se estabeleceu aí, e antes havia uma foto de outra situação mostrada acima à esquerda; é um lugar com uma vida muito complexa. Isto representa como está agora no Museu Mural, em que, quando o quadro foi inaugurado em 46, ele foi vandalizado com facas por grupos de extrema-direita, que na Espanha são chamados de “Guerrilheiros de Cristo Rei”. Mas no México, por costumes religiosos, a extrema-direita vandalizou o quadro, porque havia o Nigromante, com um papel pintado por Diego Rivera, dizendo que Deus não existia. Eu creio que isso era uma situação de vandalismo, e creio que foi uma grande dinâmica e polêmica que durou dez anos com cartas de Frida Kahlo, do Presidente e do Arcebispo. A investigação desse trabalho foi incrível, e eu creio que foi a primeira situação histórica de polêmica midiática de uma obra de arte. Nós temos visto que se pode amar (...) Santiago Serra, tudo isto está dentro da configuração de certa prática artística, e incorpora a mídia e sua ressonância, mas neste caso, eu creio que não estava controlado e explodiu. Para mim, a configuração do trabalho na Alameda era reproduzir no quadro a mesma magnitude do quadro do mural, num espaço coberto por uma cortina, porque o quadro, em seu tempo, estava coberto por uma cortina. No momento dos ataques da extrema-direita, o bispo e os políticos censuraram o quadro, e houve um tempo em que ele só podia ser visitado se fosse dada uma “mordida” ao guarda. “Mordida” é uma pequena... como se pode dizer? (- Uma gorjeta). Bem, então, eu quis reproduzir o quadro de uma maneira um pouco irônica, e o quadro era visto pela silhueta de todos os personagens, da topologia que me interessava, mas cobrindo, sobretudo, a porção midiática do quadro. O circuito fechado que se conectava com o museu-mural, quando as pessoas iam ao museu-mural, lhes era dado tíquete para entrar na Alameda, e quando elas chegavam à Alameda, lhes era dado o tíquete para o museu-mural. Eu queria que as pessoas viessem ao original dessa tradução que eu estava planejando, através de uma cadeia de traduções.


Então, houve uma dinâmica que o quadro durante um tempo não foi visto, e que foi coberto pela imprensa, até que Diego Rivera contraiu câncer, e foi operado em Moscou, na Rússia, e quando voltou, mudou o quadro.

Eu penso às vezes que Diego Rivera partiu comunista, de esquerda, mas ao chegar o momento de sua morte, ele fez uma promessa por aí, e assim que chegou, mudou o “Deus não existe” para “Conferencia en la Academia de Letrán, el año de 1836”.”. E isso é interessante, pois trata-se de um pintor que muda seu próprio quadro. Podemos falar de auto-censura, de transformação. Eu não sou contra; eu acho que as coisas mudam. Mas não sei se neste caso, bem, o caso evidente é que se acentuava essa transformação, com duas premissas liminares: a da esquerda, de Nigromonte, que dizia “Deus não existe”, que quando era olhada por um lado, é como nesses cartazes de publicidade, que às vezes é de uma maneira, “Deus não existe”, e por outro lado, se lia “Conferencia en la Academia de Letrán”. E o cartaz de cima, eu creio, é a razão pela qual a censura ficou oculta pela questão religiosa, pois no quadro de Diego Rivera havia uma morfose que representava os presidentes anteriores, que eu creio que não agradou ao presidente da república. E a parte da censura do quadro, a parte do apoio religioso se embasava nessa questão política, que salvou, que se revelou a partir desse trabalho. Enfim, é um questionamento que não faz parte do meu planejamento histórico, exceto que em muitos trabalhos, eu trato de criar uma metáfora para falar de tudo isso. Esse é um trabalho complexo, e por isso, vai levar tempo falar sobre ele. (...) “Espaços da Memória”, é um trabalho em Bremen, sobre espaços da memória na Alemanha, em Bremen, como também poderia ter sido em Berlim, ou em Stutgart ou qualquer outra cidade, pois as cidades mudam através de uma série de transformações na arquitetura, e os usos dessa arquitetura mudam. Evidentemente, o trabalho foi na Alemanha por causa das duas guerras, isso é evidente, e o trabalho era uma investigação de como esses espaços, que antes haviam sido o porto, espaços de mercado, diferentes cidades, estados, etc., foram transformados.


Essas são imagens do catálogo do livro; é um livro de autor, para que se veja as referências de como todos esses espaços se transformaram de locais que tinham historicamente outra conotação em espaços quase todos de utilização cultural. (final da fita)

 

- (...) e o uso era no sentido de dizer: “Isto foi o que foi feito, e isto é o que é agora”, e ver até que ponto temos que confrontar essas situações. A Universidade Internacional de Bremen está localizada num local que era um dos pontos nevrálgicos do nazismo, e que, com o tempo, se transformou em uma universidade internacional. Evidentemente, se estamos falando que os espaços falam e as memórias ressoam, por outro lado, está nascendo o que fazemos com os espaços: se eles são deixados iguais, se são reciclados, ou se são transformados numa coisa nova. São as possibilidades que existem. Então, me interessa questionar essas possibilidades, ver como cada caso pode ser planejado de forma diferente, porque creio que ele deva ser planejado de alguma forma. Não é possível encontrar uma solução genérica, pois eles têm uma função agora. Outro espaço foi o bunker Valentin, que é um bunker de onde saíram os primeiros B2 alemães, os submarinos, e todas elas são imagens de um espaço que agora está coberto. O bunker agora está coberto por uma vegetação, que com o tempo, se transformou numa espécie de camuflagem. E essa camuflagem também ocorre dentro, porque neste momento, ele aloja uma companhia de teatro, onde são feitas intervenções. Bem, por outro lado, essa é uma coisa, eu não diria de esquecimento, mas de querer tentar fazer algo com a memória pública, de não deixá-la aí. Enfim, eu creio que é algo muito grande para ser falado. Diferentes espaços, até chegar ao próprio espaço da exposição, que era o museu Weserburg Museum, em Bremen, que era o espaço onde eu iria fazer a mostra. No passado, esse espaço havia sido uma fábrica de café, que também se transformou no lugar de exposições, que naquele momento, tinha uma conexão importante sobretudo com obras dos anos 70 e 80.


O dispositivo do projeto foi feito numa espécie de salas arqueológicas, antropológicas, em que explicava os espaços e as transformações dos espaços, e pedindo aos diretores dos espaços umas relíquias do que eles consideravam que essa transformação havia sido, e eram esses os diferentes elementos que eram mostrados na apresentação de cada espaço. 

D’Estat é um trabalho feito entre as cidades de Barcelona, Gratz e Lille, na França. Tem a ver com as comemorações das capitais da Europa. Foi criada na Europa uma série de dispositivos, que, como nas Olimpíadas, nos campeonatos mundiais, se criou algo inventado por Melina Mercury, atriz grega que nos anos 80 convenceu o Parlamento Europeu de que era necessário revalorizar a cidade, e criar o que foi chamado de Capitais da Europa. Bem, capital da Europa era uma coisa que já era proporcionado, por elas já serem capitais da Europa! Quer dizer, elas iriam receber dinheiro e criar cidades, mas também iria ser criado um espetáculo. O trabalho foi feito antes das comemorações, mas só foi apresentado depois. Eu acredito que isso é algo muito importante, a estratégia de quando tudo passou, o que foi feito na Espanha, o que os ingleses chamariam de when the party is over [ao final da festa], que foi apresentado quando as manifestações já tinham ocorrido, fazendo pensar no que havia acontecido naquelas manifestações. Porque esse dispositivo era um caminhão que funcionou nas três cidades, numa espécie de unidade móvel em que se projetava um filme que havia sido feito antes, com intervenções e entrevistas com políticos, arquitetos e diretores culturais daquelas três cidades. Então, isso era o que se apresentava às pessoas nas ruas, nessa unidade móvel: promessas, expectativa e resultados, e essa unidade ia a acontecimentos públicos. Me interessava que ela fosse às ruas, pois eu creio que essas coisas precisam ser ouvidas no espaço urbano, colocando esse tipo de transformação. Estou me alongando um pouco, vou mais rápido.


Este é meu trabalho mais recente, da Bienal de Veneza. O Trem Urbano é um trabalho para a Estação Roosevelt de San Juan, Porto Rico. Eles criaram pela primeira vez um trem de metrô. Essa é uma cidade que gira totalmente em função do transporte de automóvel; é uma cidade que para se locomover do centro até a universidade, pode-se levar facilmente uma hora e meia de carro, e estão criando um trem. Mas naquele momento, havia um certo paradoxo, porque eles não estavam acostumados. Não há tradição de uso de transporte público.

Enfim, dentro dessa situação, a tarefa de diferentes artistas era fazer um trabalho sobre as estações, e me interessou revalorizar a fotografia de um fotógrafo da Ucrânia, que chegou a Porto Rico em 46, e que fez parte do mesmo programa do qual participaram Ansel Adams e Walker Evans, fotografando parte dos Estados Unidos. Ele chegou da Ucrânia em San Juan em 46, e lá ficou e morreu. Me pareceu que havia muitos comentários interessantes. Primeiro, está a idéia de que o artista, eu incluído, são convidados a ir a lugares, e que eles têm que realizar um trabalho num curto espaço de tempo; e ainda que eu diga que me interessa muito, no meu caso foi um programa parecido, chamado Arte Público, e no dele se chamava Farm Administration Plan, e ele acabou ficou lá. Ele ficou trabalhando em Porto Rico, e se tornou porto-riquenho. Ele e sua esposa foram grandes ativistas no cenário porto-riquenho; fizeram livros, músicas, filmes, fizeram livros de fotografia, e o primeiro livro se chamava Trem Urbano, que ia de Ponce a San Juan. Por isso, me interessou recuperar suas fotos, que evidentemente eram conhecidas, mas em grande parte em revistas intelectuais, e não muito do público. E apresentar essas fotos dos anos 40, que eram as fotos em que, no lugar do trem, ocuparia a publicidade, e eu consegui que a publicidade não existe nessa estação. São fotos dos anos 40, mostrando esse transporte entre Ponce e San Juan. São fotos onde se tem a oportunidade de encontrar o trabalho de Jack Delano. Recomendo que vocês vejam seus livros, etc. Eles são fáceis de se encontrar, e aqui eram oito grandes caixas de luz, com fotos dos anos 80.

Ao fim de quarenta anos, Delano se tornou mais crítico. As primeiras fotos eram mais românticas, mais humanas, e ao passar quarenta anos, se via como San Juan havia se transformado, e ele mesmo estabeleceu uma série de conversas sobre consumismo, sobre a idéia de transformação da cidade, etc. Creio que não há muito mais a dizer; ao mesmo tempo, foi feito um jornal que fazia parte do projeto do espaço público, e ao comprar os bilhetes do metrô, as pessoas recebiam uma série de textos, sobretudo de Delano, falando sobre a formação dos espaços públicos e da escultura pública, chamada de escultura social.

Era para as pessoas que antes de mais nada tinham tradição de tomar um trem e ler um jornal, pois aqui, havia uma introdução do projeto, para que as pessoas soubessem exatamente o que estavam vendo. E este é o último, do qual eu vou falar rapidamente. Ele também fala de memória, a memória do lugar onde a Bienal sugere, que é a Bienal de Veneza que vem desde há 110 anos, acontecendo a cada dois anos, e uma parte importante é Giardini, que é esse território definido entre o Canal Grande e toda a parte do Arsenal, não quero alongar-me, poderia falar muito desse trabalho, porque me ressinto dele, e onde trabalhei de maneira muito intensa. O trabalho analisa a forma do Giardini, todas essas formações desde o início em 1885 até agora, e como o aparecimento de... não sei como vou explicar, porque Giardini reúne uma série de pavilhões, e cada pavilhão abriga um país, neste caso, trinta, mostrando artistas de cada país. Há um grande debate sobre a nacionalidade, a idéia de utilização do pavilhão. Para mim, o comentário não era sobre os pavilhões, mas sim sobre o Giardini, um jardim público que tinha a zona do castelo, que havia sido expropriado pela Bienal, e havia se convertido em algo que eu diria ser um parque temático da cultura. Ou seja, nas férias internacionais se transforma no Cristal Pallace de 1800 em Chicago, San Diego, etc. e os parques temáticos, há a transformação através da Bienal. E a Bienal cria uma situação que também o deixaria parecido com a Cinecittá, ou com os Estúdios Universais do Cinema.


Quando há a Bienal, há filmes. Caso contrário, é um parque totalmente decadente, e que em nada é utilizado, porque está marcado pela própria Bienal. Tenho que ser rápido. Eu diria que olhar esses locais é muito interessante, para ver como os países aparecem. Aí está o Pavilhão da Itália, que leva ao Pavilhão da Holanda, Bélgica e Espanha (acho que mais tarde se verá melhor), e aparece um portal horizontal, que leva à Grã-Bretanha, França e Alemanha, os Estados Unidos. Evidentemente, a geopolítica desse espaço é muito interessante, a maneira como ele vai se transformando; dos Estados Unidos aparece Israel em 46, com o Estado de Israel, há uma série de relações de proximidade, construção, etc..

E logo me parece muito interessante como os pavilhões mudaram o que eu chamo de liftings culturais, o mais interessante é que aqui no Brasil, ele também é bastante popular. Hoje no elevador havia duas meninas totalmente mascaradas, que devem ter passado por alguma operação. Creio que neste caso, o que se produz é lifting cultural, ao ver que no Pavilhão da Itália, desde o Pavilhão de 1885 até o de Scarpa, porque Scarpa cobriu um pouco toda a arquitetura mussoliniana que era vista aqui. E agora, é interessante observar a volta da arquitetura mussoliniana com o Pavilhão de Berlusconi. Ou seja, a partir destas formações, eu creio que há um... Este é o da Bélgica, este é o mesmo, o da Espanha, há uma situação de arquitetura rigolesca e um certo barroquismo, uma transformação que tem algo também do bunker, e me interessou fazer uma intervenção em que primeiro declarava o Pavilhão On Translation. Era um pavilhão que queria ser de idéias, não necessariamente de cunho nacionalista; nem o estava negando ou não. A mim interessava transformá-lo em um lugar em que se pudesse falar sobre a tradução, e dar-lhe a configuração de pavilhão no sentido arquitetônico uma grande transformação de lugar. Passei por espaços de aeroporto, de salas de espera, e o resultado final era um espaço híbrido entre sala de espera, agência de informações e de compra e venda de terrenos, e um lugar de aeroporto. Havia um mobiliário que veio de lugares diferentes, o teto foi rebaixado, realmente, mais do que uma instalação, era um ambiente.

Eu queria que tivesse esse sentido de ambiente de uso. As pessoas utilizavam os telefones, havia um lugar para sentar, havia monitores e uma série de elementos que seria complexo explicar, mas, por exemplo, em um lado desses quiosques ficavam todos os pavilhões da Bienal, com uma descrição de quem era o proprietário, qual havia sido o arquiteto, etc., como podia ser uma agência urbana de aluguel de casa, com os telefones que davam  a narração em italiano e em inglês da Bienal, a configuração do jardim, e atrás do quiosque estavam todos os países que não faziam parte da Bienal.

Por um lado, havia a presença, e por outro lado, a ausência, que formava parte quase como um memorial. Me faz recordar um pouco [o memorial feito por]  Maya Ying Lin em Washington, e uma série de elementos, que, como eu dizia, mostrava uma situação de uso e de transformação. Ao redor desse espaço central havia outros trabalhos da série On Translation, sobre os quais não vou falar, que eram trabalhos que o curador havia decidido usar como relação de geopolítica econômica sobre o trabalho em si. O monitor ficava ao redor de umas fotos que são de um livro que estou fazendo, e que se chama Stand-by, que é “Gente em Espera”. Espera para comprar um bilhete, espera pela imigração, espera para ver o turismo, toda essa série de caixas de luz, que era um espaço híbrido e espaço de trânsito, seria publicidade, estava consagrado a essa monumentalidade do gesto e do ritual da espera. E com isso, eu creio que acaba. Não sei como querem colocar. Eu diria que vocês podem dar prosseguimento, se há perguntas, etc. Nelson, você tem comentários? Você quer manter uma conversa?

 

Martin:

- Antes de começar as perguntas do público ao Muntadas, talvez fosse interessante o Nelson Brissac fazer seu contraponto à sua palestra, e aí nós abriremos ao público, para que haja um encaminhamento, e para as perguntas, que deverão ser feitas nos microfones, porque este evento de hoje está sendo transmitido pela Internet, e por isso, o áudio e a imagem são muito importantes. Nelson, por favor.

 

- Obrigado, Martin. É um prazer estar aqui, encontrar o Muntadas outra vez, um prazer participar desse Fórum, que é um projeto que está catalisando uma série de questões interessantíssimas em torno do processo museológico, mas eu acho que mais ainda em torno de como fazer essa discussão. E todo trabalho do Muntadas tem a ver com como fazer uma discussão sobre espaços, situações e condições urbanas ou não. Na verdade, menos do que um contraponto, eu vou fazer apenas observações e dar start a uma conversa que podemos ter aqui. O que me chama mais a atenção, eu acho que é uma questão conceitual. Eu não vou me alongar em coisas teóricas, em abordagens críticas, já que o Muntadas tem uma quantidade enorme de livros e textos publicados; ele conseguiu catalisar um espectro de críticos internacionais que escreveram sobre a obra dele. Então, são coisas que eu gostaria de buscar, mas me chama muito a atenção filosoficamente falando, do ponto de vista conceitual, o partido do trabalho, a questão da estratégia de abordagem das coisas. Em primeiro lugar, essa questão dos Espaços de Memória em On Translation já sintetiza um universo de questões e estratégias que tem a ver primeiro com a idéia de que os espaços são espaços em mutação. Os espaços não são dados; eles estão em constante trânsito. Tomam-se os lugares como dotados de dinâmica. Isso implica numa consciência ao abordar a questão da história; existe a consciência de que o significado, o sentido dos lugares muda constantemente em função dos diversos usos e investimentos, dos processos que ocorrem com aqueles lugares. Toda relação com um determinado lugar é, portanto, uma tentativa de ler e capturar os diversos sentidos possíveis de um determinado lugar. Então, daí a idéia de interpretação; a obra está constantemente interpretando o lugar. E o que se vê são essas estratégias de leitura, mais do que propriamente os lugares em si, porque eles em si podem se revestir de vários significados. Eu achei interessante a idéia da camuflagem; eles podem, inclusive, se ocultar. Ou seja, o sentido dos lugares nunca é dado, dependendo, portanto, de tradução.

Sempre me intrigou o título que você dá à abordagem geral: On Translation. Em inglês, se não me engano, a expressão to translate tem a ver com delivery meaning, dizer o que significa. É claro que nas línguas latinas, o termo tem um significado direto, que é: traduzir significa também dar sentido de uma coisa em outra língua. E isso implica numa ambigüidade, que é a famosa expressão “o tradutor traidor”. A própria tradução do significado não significa que você vai encontrar o significado efetivo.

Esse jogo de sentidos implica numa plena consciência de que vivemos num universo de mutação de sentidos e de ambigüidade contínua, onde a obra está constantemente provando leituras, mas não trazendo algo que seja: “Ao contrário do que se via antes, agora é assim.” Então, eu acho que o mais intrigante, o mais interessante na obra do Muntadas, não sei se você concorda com isso, é essa abertura para o indeterminado dos sentidos. Ou seja, para mostrar que esse é um jogo permanente, através do qual a cultura se constitui. Essa é a parte que eu acredito que é fundamental do ponto de vista teórico. Portanto, a obra é, o tempo todo, a construção de dispositivos de desvendamento, leituras e ocultamento constante. Jogos de cortina que se abrem e fecham escondendo, é uma coisa muito interessante. Tem uma frase sua num livreto que diz: “Edificações que mudam de significado”. Eu acho que isso foi uma coisa muito decisiva para quem mexe com arquitetura; acho esse princípio muito interessante.  Então, esse é um universo que eu acho interessante conversarmos. A outra questão, que passou só de relance, mas eu acho que tem muito a ver conosco aqui, é um dispositivo de crítica que eu acho que o Muntadas tem desde as primeiras obras, que é a compreensão da relação entre indústria cultural, turismo e espetáculo. Essa estrutura de análise, ou seja, a clara consciência de que, hoje em dia, a cultura, sobretudo do ponto de vista institucional, ou seja,as grandes mostras, as grandes bienais, os grandes museus, estão cada vez mais comprometidos com a indústria cultural e do turismo.


A construção de grandes edificações relacionadas com a cultura faz parte de um marketing cultural e de um marketing das cidades, que visa atrair não só turismo, mas investimentos corporativos, ou seja, a cultura cada vez mais faz parte da estratégia de administração das cidades e de uma estratégia de capitalização das cidades. E isso redunda num crescente reforço de estratégia de grandes espetáculos da produção cultural, e sobretudo das instituições. Nós vivemos isso de forma muito intensa nos últimos anos.

A construção das estratégias das últimas Bienais, da Mostra do Descobrimento até agora, da Brasil Connect, essa grande bolha especulativa cultural que foi criada pelo Banco Santos, e cujo estouro foi muito pouco avaliado criticamente aqui, ou seja, nós ainda estamos por fazer uma investigação a fundo de quais foram os mecanismos que permitiram a configuração dessa bolha, a estruturação institucionalmente falando, do processo que permitiu que instituições como a Bienal fossem apropriadas e levadas nessa direção, e depois, a abertura de um grande vazio institucional com a quebra do banco, e por outro lado, a apropriação de espaços públicos fundamentais, sobretudo no Parque do Ibirapuera, e o crescente deslocamento desse complexo para o turismo cultural, afetando o próprio conteúdo das mostras, que passaram a ser cada mais cenográficas, cada vez mais megalomaníacas e voltadas para o grande público, e avaliadas quantitativamente. Isso se reflete também na crise que o Masp está vivendo, e, na verdade, nada disso está favorecendo uma maior reflexão crítica de nossa parte, das pessoas envolvidas nesse universo cultural com relação a isso. Ou seja, para nos precavermos para não repetirmos os mesmos processos. Nesse sentido, eu acho que o trabalho do Muntadas fornece um instrumental analítico interessantíssimo a respeito desse processo, detectado por ele há vinte anos, e desenvolvido através de muitas abordagens. E eu coloco isso também porque aponta para a possibilidade de repensarmos nossa tradição cultural, ou nossa tradição arquitetônica, por exemplo.


Uma questão que eu deixo, e gostaria até de ver o que o Muntadas teria a dizer, até porque ele já trabalhou em Brasília, já teve diversos contatos com nosso Modernismo, uma questão interessante seria pensar em quais mudanças de sentido o Modernismo brasileiro adotou no decorrer do tempo, só para pegarmos essa espécie de referência da nossa identidade. O Brasil se vende um pouco através da arquitetura moderna, e isso parece definir nossa brasilidade, do ponto de vista da constituição do que seria nosso futuro urbano arquitetônico, e que, na verdade, eu estou convicto de que o Modernismo atravessou várias leituras distintas dos anos 50 para cá, e as mesmas edificações, as mesmas configurações urbanas, o mesmo conjunto geral de idéias tem hoje uma função política, econômica e cultural inteiramente diversa do que as mesmas coisas tinham nos anos em que foram configuradas. Então, essa é uma discussão que o trabalho do Muntadas permite. A última coisa que eu queria levantar é que embora a apresentação do Muntadas tenha sido muito sucinta, porque eu acho que teria sido até mais interessante se tivesse trazido mais coisas para que nós tivéssemos noção de uma questão fundamental, que é como o caso específico das estratégias dele, os projetos são pensados, desenvolvidos e realizados, ou seja, como os dispositivos de apresentação e exposição revelam uma maneira de se relacionar com processos extraordinariamente complexos, e traduzi-los através de estratégias que são sempre detecção de elementos específicos, que permitem a apreensão de sentidos mais amplos. Então, isso é muito particular; essa é uma estratégia muito específica ao se lidar, por exemplo, com situações de grande escala ou muito complexas, como no caso do projeto de Bremen. Seria interessante vocês verem o livreto do projeto, porque eu acho que é uma preciosidade; na verdade, há ali uma cidade inteira, há um inventário de diversas situações que mudam de significado: a Universidade virou isso, virou aquilo, a outra coisa virou, etc., e você tem uma espécie de painel de mutações a partir de situações específicas, e percebidas e reveladas a partir de elementos às vezes menores: a fachada de uma coisa, uma maneira como um mobiliário é feito, o uso de determinada situação.

Portanto, as apresentações acabam tendo as formas mais variadas, mas extremamente simples do ponto de vista de sua configuração, e ricas do ponto de vista de conceito. Então, eu adorei ver da maneira como você apresentou, que tudo acaba, na verdade, sendo cartões postais, stickers, ou fotos com trilha sonora, outdoor, e, no fundo, tudo isso constitui uma espécie de arquivo de informações que articulam a compreensão de situações que por sua complexidade, exigem uma tradução. Então, para quem, como eu, está trabalhando em espaços urbanos, é interessante essa abordagem não-técnica, no sentido do levantamento cartográfico preciso das situações.

Mas ela é o desvelamento através de coisas que estão ali ocultas. Nesse sentido, acho que o que mais me atraiu na parceria que nós tivemos no último ArteCidade é o aprendizado, que acho que temos aqui, sobretudo numa cidade como São Paulo, onde a ocultação, ou seja, a falta de transparência da cidade exige estratégias como essa. Então, foi ótimo ter vindo. É isso aí.

 

-Muntadas;

- Eu não tenho muito que ainda dizer, além de que cada trabalho da série On Translation é uma interpretação, e que poderia haver outras, ou seja, quero dizer que se analisamos a palavra traducción, como analisava Nelson, há muitas interpretações do uso da tradução, mas há sempre que se falar que há a tradução literária e a tradução aberta. Neste caso, são as traduções abertas que me interessam, e naquela que cria uma certa metáfora com dispositivos diferentes. Queria dizer porque, em sua maior parte, as pessoas que estão em escolas ou que foram partes de estudos, etc, podem estar pensando: “Bem, e de onde vem esse? Qual seu background?” Então, o que quero dizer é que eu me coloco numa estranha situação de escultor em expansão, não? (risos) Escultor em expansão no sentido que se o escultor está autorizado a usar materiais como ferro, madeira, etc., eu creio que com o tempo, culturas estão se transformando, assim como os materiais, e os materiais podem ser ciências sociais, diferentes disciplinas.


E em meu caso, faz sentido até o ponto em que o trabalho já não pode ser chamado de instalação, mas sim, podem ser chamados de trabalhos de ambiente de situação, em que tratam de questionar determinadas situações. Só falei isso para situar de onde venho e quais são minhas intenções, no sentido de colocação do trabalho. Se há perguntas...

 

Martin:

- Espera só um minuto. É’ preciso usar o microfone.

 

(Alguém não identificado na audiência)

- O meio de transporte público jamais poderá mudar a vida do povo, para quem está desempregado.

 

- Mas o que ele pode fazer é poupar-lhe muito tempo! Eu não sei se você está se referindo a isso como num contexto geral, ou está falando em relação ao trabalho de Porto Rico, porque eu falava que em Porto Rico não há tradição de transporte público, só se usa automóvel, e que de repente apareceu esse projeto, que a mim pareceu um meio muito interessante de transporte público, em que as pessoas podem trasladar-se e podem... Neste momento, ele só funciona das sete da manhã às cinco da tarde, porque são as horas redondas, porque não há uso do transporte; as pessoas usam o automóvel. Não sei se entendi bem o comentário, você diz que o transporte público não vai mudar a vida das pessoas, mas o mínimo que ele pode fazer, é poupar-lhes muito tempo.

 

Martin:

- Muntadas, eu queria só fazer um comentário, e até uma pergunta, porque eu acho que o que foi colocado pelo Nelson aqui, esclarece algumas de suas estratégias. Ele falou dos dispositivos, da questão da interpretação.


E eu imagino, que o que é interessante do trabalho, é que seu trabalho promove uma espécie de plataforma, e eu queria saber se você concorda com isso, que é uma plataforma que disponibiliza dispositivos para interpretações. Existe um certo encaminhamento para a percepção, mas nunca há, vamos dizer assim, um encaminhamento ideológico ou político muito explícito. É claro que o trabalho certas vezes toma partido, e se coloca criticamente no contexto no qual você se encontra, ou que é apresentado para você nos diferentes projetos. Então, eu queria saber um pouco se esse tipo de pensamento é correto, porque eu fico pensando muito, também, na própria estrutura do Fórum Permanente, que eu sempre digo que é uma plataforma, no sentido dele possibilitar o diálogo, o encontro, a troca de idéias, e eu acho que é isso que acontece, e isso ficou muito claro para mim no próprio Giardini, com a idéia do Pavilhão.

 

Muntadas:

- Eu chamo os trabalhos de “projetos”. Mas no fundo, eles pretendem ser artefatos. Artefatos quase antropológicos, que podem ser ativados. Claro que o artefato que se ativa mais claramente é a bomba. Então, é o mais claro dispositivo de algo que se ativa. Chamo a idéia de artefato porque acredito que são trabalhos que têm a possibilidade de ser ativados. E aí, se conecta com a frase de que “percepção requer envolver-se”. São propostas que questionam, e às vezes tratam de dar alternativas ou de situar-se na plataforma que você falou, mas têm a vontade de ser espaços e artefatos para serem ativados pela audiência, e que propõem discussões ou reflexões sobre uma série de temas. Eu diria que a palavra que eu sinto, e retomo a idéia de artefato porque existe antropologicamente, são coisas que se guardam e que têm valores implícitos, não falaria tanto do valor implícito, mas sim das possibilidades de ser ativado. E essa ativação poderá criar uma discussão, poderá criar usos que não sejam necessariamente usos pragmáticos de função, mas sim mentais ou reflexivos.

 

Nelson:

- Enquanto vocês estão esquentando, deixa eu aproveitar. Uma outra coisa que me chama a atenção, e talvez tenha sido exagerado pelo tipo da escolha que você trouxe aqui, é o fato de que o trabalho do Muntadas, a meu ver, tem muito pouco a ver, não tem nada a ver com a percepção visual. Apesar do uso intensivo de imagens, sempre me intrigou, a percepção não é baseada numa aproximação ou num dispositivo ocular; ela não passa pelos procedimentos tradicionais de registro dos lugares ou situações como entendemos, como a fotografia fazia, de retratar um determinado lugar apoiado no princípio da observação ocular. É isso que eu gostaria que você comentasse um pouco, a idéia de que percepção exige envolvimento. Quer dizer, ela exige um trabalho, e esse trabalho não é o trabalho de observação do espectador que observa visualmente. Nesse sentido, você compartilha um pouco o espaço da arte mais recente, onde a questão, já que você é um escultor em campo expandido, tem a ver desde a discussão do Serra, por exemplo, que é a radical ruptura com a questão da percepção ocular e a incorporação de uma operação de reflexão como condição para a percepção. Fala um pouco disso.

 

Muntadas:

- Eu creio que os trabalhos são percebidos através dos sentidos, e, evidentemente, entram pelos olhos, ou seja, por toda questão perceptiva. Então, a mim parece um equívoco dizer que não há definição ocular, quando me preocupa muito a maneira como o trabalho é apresentado, em que a confusão talvez seja de interpretação, não só tua, porque estou analisando a questão de estilo, da qual eu falei antes. No momento em que existe um estilo, as pessoas reconhecem facilmente o trabalho de um autor. Quando o estilo desaparece, os problemas são colocados (e que a mim em nada preocupam), que é a identificação, que é um problema quase que mais de colecionador, porque você pode ver: você vai à casa de um colecionador, e não reconhece os quadros que ele tem, não? Porque isso pode criar uma situação totalmente...

E isso não me preocupa. Então, me planejo, para que os trabalhos sejam muito trabalhados do ponto de vista de percepção sensorial. Há uma criação da mostra e uma situação de planejamento de exibição sobre quais materiais, que tipo de luz, que tipo de situação vão ser mostrados ao espectador, porque eu acredito que o que você está vendo, o que você está percebendo, o está fazendo pelos olhos. Aquilo que não entra em você sensorialmente, virá pelo processo intelectual. Mas nunca há uma confrontação intelectual a priori. Isso pode acontecer com um texto, mas não com um planejamento, um espaço tridimensional, um ambiente, uma instalação ou ainda um livro com imagens.

Para mim, ao fazer um livro, ao fazer esse jornal, há umas decisões de desenho e de como delivery que são muito importantes. Agora, eu estou de acordo que há em meu trabalho uma série de estereótipos: sociologia, o distanciamento com a questão visual, etc. Eu assumo tudo isso, porque é parte da tradução ou da interpretação. Há mais perguntas por aí? Eu sempre digo que perguntas são gestos de generosidade, pois me ajudam a dizer coisas.

 

- Eu pediria para que vocês se identificassem, por favor.

 

- Sou Ana Maria Tavares. Eu vou me arriscar numa pergunta. Eu acho que de uma certa maneira, você já falou sobre isso, mas eu acho bastante interessante. Primeiro, você falou da metodologia de trabalho, a metodologia como obra, não é? Eu acharia bem interessante se você pudesse se estender um pouco nesse assunto, mas me parece que nessa metodologia, você faz (fim da fita)

 


- ... a realização do projeto,, a execução da obra e sua documentação se convertam numa única instância. Eu acho isso bastante interessante, porque em seu trabalho me parece que a documentação, que num processo mais tradicional seria a última coisa, se inverte e passa a ser a primeira fase do que você chama então de projeto. Eu acho que seria interessante se você pudesse comentar um pouco sobre isso.

 

- Bem, eu diria que sim, que uma parte poderia ser generalizada, porque uma metodologia soa como algo retumbante, porque, finalmente, são estruturas que, acredito eu, os trabalhos são construções e que variam de um para o outro. Eles seguem um processo parecido, que é esse processo de tempo, em que há uma serie de fases que vão se desenvolvendo. As enumero antes: verificação de contexto, uso do meio, a priori, nunca parto de um meio, o meio se decide durante o processo. Ou seja, eu não começo um projeto estabelecendo se vai ser uma série fotográfica, um livro, elementos arquitetônicos, pois isso se desenvolve a partir do processo, pois chega um momento em que há uma química, em que se cria um curto-circuito em que estabelece o tipo de exibição. Evidentemente, partes como produção e questões econômicas também fazem parte do processo de trabalho, pois é preciso que tudo se encaixe. Mas cada projeto se diferencia pelas características do projeto em si. Então, eu diria que se poderia analisar projeto por projeto, e ver qual foi a função de cada uma das coisas. Eu creio que, sim, elas existem. Para mim, tudo isso é documentação.

Ou seja, ela é um artefato, ou parte de um artefato, é algo que quando fizemos o projeto de San Juan, já estava previsto que nós teríamos que incluir uma edição de dez mil periódicos dentro do projeto, pois eles faziam parte do projeto, e isso não é propaganda. Em sua maior parte, são textos de Delano que pretendem situar aquele projeto para ser compreendido por pessoas que não necessariamente detêm essa informação, e que são os usuários de um transporte público.


E são elementos, cada projeto tem sua própria cosmologia, com elementos que eu creio que são necessários para que esse projeto se realize. Por exemplo, para o projeto da ArteCidade (e isso deve estar claro para o Nelson) Comemorações Urbanas, discutimos muito com o Nelson a possibilidade de que essa cosmologia tivesse três elementos: as placas, como elemento físico, os postais, que me pareciam importantes e o website, e os três, que são elementos totalmente diversos, se complementam. Evidentemente, o Nelson, como produtor, poderia sempre dizer “E você não crê que com um...”  quando os postais chegaram, pressupôs-se que haveria um extra, etc. Aqui, eu gostaria que me fosse feita logo uma pergunta com relação a isso. Não sobre o projeto, mas sobre o ArteCidade, se vai continuar, se há alguns planos, etc. Inclua ai uma auto-crítica em relação à ArteCidade.

 

- A experiência da última edição do ArteCidade foi importante nesse sentido, de também exigir uma mutação das estratégias. Eu acho que foi realizado um certo ciclo, e algumas limitações foram detectadas, de forma a que nós pudéssemos evitar repetições que consolidassem fórmulas e diminuíssem o caráter experimental da coisa. Estamos trabalhando numa região que fica entre Belo Horizonte e Vitória, que é uma região de mineração, siderurgia, grandes plantações de eucalipto, é uma plataforma de alta-tecnologia e de exportação no Brasil, e ao mesmo tempo é palco de grandes tensões sociais e crises ambientais fortíssimas. E tem um pouco a ver com esse projeto que você trabalhou no Vale do Ruhr, na Alemanha, na sua configuração econômica, territorial, ainda que em momento histórico distinto. Então, esse é o trabalho. Mas minha preocupação com questões como essa da percepção tem a ver com o fato de que nós escolhemos uma situação onde a experiência do lugar, devido à escala e à complexidade da situação, a experiência imediata do lugar e sua apreensão visual são radicalmente impossíveis. Esse é meu ponto de vista, o ponto de partida.


Escolheu uma situação em que não é possível traduzi-la a partir da contemplação imediata, de um passeio, de uma abordagem como pegar um ônibus de turismo para admirar obras de arte. É isso que nós queríamos evitar.

 

- Quem sabe seja uma questão de tempo? De desenvolver com muito tempo, e incluir muitas visões interdisciplinares ou de território, não?

 

- Meu nome é Hermes, sou estudante de Design Multimídia. Em seu trabalho, percebendo essa atenção que você chama de percepção que requer empenho, me resgatou, enquanto estava vendo seu trabalho, a questão dos ambientes, que nós vemos que assim como temos ambientes do tipo caatinga, serrado, a Mata Atlântica, acho que nós poderíamos encaixar também nesse contexto de ambiente, com essa organicidade, como uma extensão até mesmo do próprio homem, da própria mente, a própria metrópole que você colocou ai, essa mudança, essa transformação urbana, que precisa de nosso empenho, num sentido de perceber essas coisas, como se estivéssemos numa mata que também requer muitos sentidos para que se perceba certas coisas, ter um certo feeling. Eu vejo, essa metrópole entrando ai como um bioma próprio, assim como existem esses outros biomas. E até mesmo a forma como você colocou esse trabalho nessa forma midiática, explorando todos os aspectos visuais, que eu acho também que tem todos os sentidos: a visão, o tato, o espaço híbrido. Eu queria que você comentasse um pouco se é pertinente, se é coerente encarar não só ter essa metrópole como um bioma mesmo, e também o próprio mecanismo que você utilizou, essa mídia, esse espaço híbrido também como um outro bioma próprio, que apresenta uma organicidade e que nos traz provavelmente novas questões de abordagem, de formas de apresentar a arte, ao invés de apenas objetos ou esculturas. Queria que você comentasse um pouco sobre isso.

 

- Você quer contestar, Nelson? (risos)

 

- Eu retomo a palavra ambiente de uma exposição que houve precisamente na Bienal de Veneza, de Germano Celant em 1976, que era uma mostra interessante, onde eu creio que havia uma distinção com a idéia de instalação. Era uma viagem histórica a partir de (...), até chegar ao trabalho de Kounellis com os cavalos, alguns trabalhos de Beuys, era todo um tipo de... incluía um espaço de Mondrian, espaços arquitetônicos criados por artistas, mas que falavam sobre a idéia do espaço e de uma proposta ambiciosa. Então, parecia que essa palavra estava um pouco abandonada pelo uso e sobre-uso da palavra “instalação”, porque nesses momentos, tudo se converte em instalação, e é uma palavra que, eu também não sei, me parece que serve em certos momentos, mas neste caso, queria diferenciar a palavra ambiente como uma situação mais complexa, por uma questão de uso, de funcionamento, etc. Então, no sentido da cidade, eu creio que nos movemos em muitos ambientes desse tipo. Há ambientes que Kitá lhes dá uma certa observação, e outros que se deseja... não sei. A mim, parece que espaços como os de Marcos Ge, Ablaude... não há espaços na cidade como os aeroportos, que são lugares de trânsito, como são os lugares como os centros de consumo, porque parte da nossa vida é o que usamos. Porque, nos dias de hoje, a maior parte do tempo da vida nas cidades se passa nesses tipos de espaço. Então, seria uma relação entre os ambientes e os lugares, e planejá-los, em meu caso, como eu disse, é positivo, para criar metáforas. Criar metáforas que estão falando de coisas bastante concretas. Não sei se respondi à pergunta. Eu creio que a pergunta contém uma ambição que talvez se tenha perdido, e por isso eu dizia ao Nelson que talvez ele quisesse complementar a resposta. Eu sempre posso falar a partir de uma perspectiva bastante subjetiva, partindo dos trabalhos que faço, quando normalmente as pessoas... Respondo sempre de uma maneira muito voltada para a prática. Porque sempre há muitos trabalhos, quando fiz o trabalho “File Room”, que é um trabalho sobre censura cultural, foi minha maneira de dar resposta a um problema que planejei sobre a censura.

Então, há sempre uma resposta partindo da prática. Há questões que poderiam ensejar talvez uma resposta teórica ou midiática, e sempre coloco que a resposta é uma questão muito fática através de um projeto, e que com suas ambigüidades e seu elemento metafórico tenta responder essas perguntas.

 

- Antes de passar a palavra à Regina Silveira, eu queria fazer um pequeno comentário: eu acho que a pergunta foi muito pertinente no sentido de que seu trabalho, Muntadas, acontece dentro do universo da arte, mas a todo tempo, ele cria interfaces com esses outros sistemas. É por isso que ele sempre extrapola a instituição, e sempre se comunica com macro-sistemas. É por isso que ele tem esse tipo de leitura.

 

- Eu creio que a parte que também é um fator é que ele inclui diferentes audiências. Eu creio que não há só uma audiência. Quando se fala de público, de audiência, no singular, eu creio que isso é equivocado. Há muitas audiências, e elas se interessam, se preocupam e têm curiosidade sobre os fatores de outras situações. Não é o mesmo que a pessoa que lê um livro ou que vê um programa de televisão. Esse meu último trabalho, que eu havia pensado passar agora, mas me parece que é muito grande, é um projeto para Tijuana, San Diego, para a Insight, que é uma organização similar à ArteCidade, e que se passa na fronteira, e trata de temas fronteiriços. A cada dois anos se planeja projetos na fronteira, e me pareceu interessante que Mônica Nador fez um trabalho na última, que é um trabalho de muita intervenção física com uma comunidade, e no caso me interessou fazer um programa de trinta minutos para a televisão que era sobre o medo. Me parece que o que se passa na fronteira é que há uma interpretação do medo, e me parecia importante assumir naqueles momentos. Então, o projeto teria que ser visto na televisão; passou em Tijuana e em San Diego, Washington e na Cidade do México. Na fronteira visível e na invisível.


Aquela que move os ciclos, e a que faticamente os sugere. Então, a maior parte dos trabalhos são esculturas, instalações, ou diferentes sistemas. Haviam muitos trabalhos que eram performances. Me pareceu interessante fazer o distanciamento, que a mídia fosse o lugar e que a audiência fosse uma audiência muito, muito, muito indefinida, que eram as pessoas que assistem televisão, porque as pessoas que assistem televisão não são as pessoas do mundo da arte. E por estar em televisões públicas, não eram programas culturais, mas sim programas que interferiam em programas e apresentando um programa sobre o medo, o medo que o Norte causa ao Sul e o Sul ao Norte, pois é nisso que o projeto se reduz, pensando também em outro tipo de audiência. Se há tempo e interesse, é algo que fica em stand-by nesse trabalho; é possível vê-lo: são sete minutos com tradução, “Fear y Miedo”, mas o deixamos se realmente chegar a um momento em que não haja discussões, não?

 

- Sim, ainda temos tempo. A Regina Silveira está esperando para fazer sua pergunta.

 

- Muntadas, sou a Regina Silveira artista plástica, e eu queria comentar com você e fazer umas perguntas sobre seu trabalho nas estações de trem de Porto Rico. Esse seu trabalho, que tem uma dimensão política muito forte, e também é um de seus trabalhos raros, pois é uma obra permanente num espaço público. Seu trabalho se dá como um sistema, uma efemeridade, um caráter mais de software do que de permanência. Mas ele é fortemente político para quem conhece a História de Porto Rico, do significado desse trem. E ai, depois, virá minha pergunta para você sobre suas estratégias. O trem que vai de Puncia a San Juan cruza a ilha, e traz de volta a história da ilha, anterior à forte ocupação cultural dos americanos, que não foi em 98, mas na 2ª Guerra, em que o trem existente foi eliminado, e fazia circular toda a Economia da ilha, que era a agricultura.


Eu conheço bem a história de Porto Rico porque também vivi lá, e foi substituído por estradas e por essa quantidade de mercados de automóveis velhos, que fez a ilha de San Juan virar um depósito por alguns anos. Quais suas estratégias, porque você falou nas suas estratégias, nos seus grupos de trabalho nos lugares, para o dedo tão certo assim no significado desse trem, e descobrir o fotógrafo e trazer desse fotógrafo justamente também a visão crítica dessa transformação de Porto Rico, e ai está minha primeira pergunta a você, como se constitui esse grupo, como você encontra esses seus cúmplices lá, para buscar isto, e, outra, como esse trabalho, que é tão político, que lutas você teve que enfrentar numa situação de arte pública, para que ele estivesse lá. É incrível que para quem compreende toda a densidade política desse trabalho, que essas imagens estejam lá na estação de trem de Porto Rico. Então, como é essa negociação? Foi fácil? Foi tranqüila? É essa minha pergunta para você.

 

- Bem, te agradeço a pergunta, porque como eu disse antes, uma pergunta me dá a possibilidade de contestar e dizer coisas que normalmente não digo. Preparei uma apresentação, e vou mostrar as imagens, pois essa é uma pergunta muito concreta, e eu acredito que há diversas partes aí. Uma, é que deve haver uma certa correção naquilo que você havia dito. Não é uma obra pública permanente. Consegui, porque sempre tive obra temporal, planejei muitos trabalhos de arte pública em Barcelona, nos Estados Unidos, e apesar de se dizer permanente, nunca foi possível realizar, porque dificilmente se aceita um contrato por tempo limitado. Neste caso, a estratégia foi planejar como trabalho temporal de dez anos, e no contrato consta dez anos, e com o qual há um bom precedente de outras pessoas que fazem trabalhos públicos. Havia um bom precedente para que ele fosse aceito, porque, claro, um trabalho cujos custos não podem ser feitos apenas para três meses. Há engenharia, os trabalhos fotográficos, são custos que no mínimo têm que ter uma inversão que se possa... E eu calculei a inversão em dez anos de uso, e ao cabo dos dez anos, esse trabalho desaparece. 

Exceto se a comunidade me pedir o contrário, e aí, então, veremos. Porque pode ser que tenha agradado muito, pode ser que a história tenha afetado o lugar, etc. Essa é parte da forma que tenho de entender a arte pública, e que creio que ela sempre tem que ser temporal. Então, a forma como detectei a situação é que uma primeira visita ao lugar de uma arte pública é uma organização para um arquiteto e uma equipe mínima de suporte. Muitos projetos de arte pública em Porto Rico (creio que eu seria um pouco crítico aqui, são coisas do passado, mas, bem, isso seria uma outra história). Mas a situação deve ser vista com uma certa preocupação, e quase sem saber se vai intervir ou não. Não acertei totalmente desde o princípio ao fazer o trabalho. Deixei em uma situação de stand-by, para ver onde iria me levar, e só na segunda visita, ou seja, na primeira visita deixei claro que não estava certo, e na segunda visita, não por parte da organização, mas sim por minha curiosidade ao buscar em um lugar que me disseram “não, aquele local não é interessante”, fui descobrir as fotos de Delano. E me pareceu que aquelas fotos de Delano, e é logo o que o supre como personagem, como disse antes, ele chegou a Porto Rico e lá ficou, e se envolveu, que é algo que eu não faço. De certa maneira, Delano é um tradutor, é um intérprete desse trabalho. Ou seja, eu creio que esse é um comentário para essas intervenções de arte pública, em que chegamos, conhecemos um local... Eu não conhecia Porto Rico, conheço o Brasil. Ou seja, eu não tinha elementos suficientes; me pareceu muito mais interessante dar a vez a alguém que havia se invertido, que era, de certa maneira, anônimo, e que estava dizendo tudo o que eu queria dizer, e mais. Porque esse “mais” que ele estava dizendo era o empenho e o envolvimento com um território que, bem, quem sabe eu chegaria através do resultado do reflexo do trabalho, e porque, de certa maneira, as imagens são dele, não? Então, nesse processo, eu investiguei, e descobri que aquelas imagens são de domínio público, estão na biblioteca do Congresso, e eu as poderia usar. Porém, me interessei em saber quem obtinha os direitos, e havia uma família por trás delas. Pablo Delano foi em busca do autor, e o fotógrafo vivia em Connecticut.

Entrei em contato com ele, e a princípio eu tinha minhas preocupações, porque ainda que eu as pudesse ter utilizado, não tinha sequer que pagar direitos, me pareceu que era interessante ver como elas poderiam ser entendidas por alguém que conhecia bem a situação. E havia uns vínculos, e Delano tinha um artigo que também me interessava ver, para conhecer melhor o trabalho, e fiz uma fita em Hartford, Connecticut, onde ele trabalha dando aulas na universidade, e quando eu cheguei ao seu estúdio vi uma tradução de meu catálogo do MACBA. Bem, eu pensei, isto pode ser um sinal bom ou mau. Porque, não sei se vocês entendem, mas às vezes, os direitos da família, das viúvas, dos viúvos, dos filhos, estabelecem algumas apropriações de materiais muito complexas. Resumindo, ele compreendeu o projeto como fotógrafo e ele disse que havia uma doação da Fundação Delano para a restauração de negativos. Isso foi uma coisa que me interessou pela minha própria parte no projeto. Me parecia que em outra situação, se haveria de pagar os direitos, mas neste caso, seria o Congresso que não teria que pagar o preço. O projeto era bastante generoso com a produção, que não era muito cara, pois parte do dinheiro estava dentro dessa situação. Então, naquele momento, por não possuir um artigo sobre as fotografias, tudo isso em função do reposicionamento, e parte dessa forma de fazer planos para projetos foi que de uma conversa na universidade onde apresentei o projeto, e à qual compareceram todas as faculdades de arquitetura e fotografia, foi um pouco como dar a cara ao explicar o projeto, posicioná-lo e explicar por que, e o jornal também faz parte disso. Mas fica evidente que essas estratégias de apropriação, handy-made, etc. existem, mas eu creio que são coisas mais complexas do que apropriar-se disso, que me tomou muito tempo. E havia uma apropriação que eu não queria que fosse violenta, mas sim que fosse uma apropriação em que se pudesse entender as intenções, a ambição e o porque desse uso. De certa maneira, é uma homenagem a Delano, mas que estava dentro de uma situação totalmente, bem, suas imagens falavam, não?


E como você dizia, há uma razão forte entre as fotos do trem dos anos 40 em que ele estava viajando naquele trem e o significado do trem nisso, e era no momento em que as pessoas tomavam aquele trem público, pois não se deixa de ter que pensar nisso, não?

 

- Sou Ana Amélia Genioli, artista plástica, e também dou aula de História da Arte aqui. Pegando um pouco onde a Regina entrou, a dimensão política de seu trabalho é uma coisa muito interessante. Parece que você tenta driblar as questões de tempo e espaço com relação aos lugares, para que esses espaços da memória retornem e se façam presentes. Quer dizer, na verdade, eles já estão presentes; eles não estão no passado. Mas eles fazem parte de uma visão e dessa sua leitura. Eu queria comentar essa dimensão política que você dá ao trabalho, e que talvez acabe sendo uma estratégia, que coloca o dedo em alguns pontos bastante nevrálgicos e complexos desses determinados lugares. Eu acho que quando você, mesmo no caso dessa instalação em Porto Rico, aquela da Alemanha falando sobre os bunkers, falando sobre um período nazista, e comparando isso à situação presente, trazendo isso como História, trazendo isso como construção do espaço e do tempo presente, e mais precisamente, eu queria até agradecer, porque acho que seu trabalho aqui no Brasil tem esse viés de dimensão política, para nós é uma coisa bastante importante, bastante inspiradora. Mesmo como esses desastres urbanos, que você nos traz e faz com que percebam, reflitam qual é o seu presente, qual é a história da sua cidade, como também foi uma instalação na Luisa Strina há alguns anos atrás, que eu cheguei até a comentar com meus alunos, que tinha imagens de jornais pregadas sobre o impeachment, Collor, como também aquela outra sua exposição que aconteceu em Brasília, e eram buracos nas paredes, pelos quais via-se a cidade enquanto espetáculo.


Então, eu não sei se é exatamente uma pergunta, mas sim o pedido de um comentário, como é sua inserção em outros lugares que não seu país, como até o Martin falou, como cidadão do mundo, como é essa sua inserção, vindo através dessa sua estratégia quebrar essas barreiras de tempo e espaço e colocar esse seu dedo nesses pontos que contrariam um pouco aquela idéia que temos de que nós temos pouca memória, que esquecemos tudo. Só fazer um comentário.

 

Muntadas:

- Sim, creio que há, sim, uma pergunta ai, e eu detecto dois pontos que me parecem também integrantes à pergunta, porque me dá a possibilidade de dizer coisas que de outra forma eu não diria. Creio que falamos de uma coisa que é o tempo, e aqui falamos muito de espaço, e outra coisa que a Regina também havia falado, que eu havia contestado, que é a idéia de equipe, que de certa maneira contesta a maneira que eu pude identificar como um contexto. Ultimamente estava escrevendo um texto que se chama “Time-Specificity”: especificar o tempo. Eu creio que se fala muito de especificidade de espaço, o site-specific, fazer obras para um local, em que na arquitetura se cria uma certa prótese, uma certa ortopedia do espaço, e em tudo isso há uma série de artistas, eu mesmo tenho trabalhado, muitos artistas brasileiros têm trabalhado sobre isso, Ana Tavares, e estou começando a considerar um tipo de trabalho que fala das especificidades do tempo, o Time Specific, que é qual a pertinência de determinadas coisas em função desse tempo. Para mim, por exemplo, foi muito importante fazer esse trabalho de Gratz depois das manifestações das capitais da Europa, e transcorrer esse tempo. Me parece que o filme de Michael Moore que falava sobre Bush, o momento de passá-lo antes da eleição, ainda que não tenha servido para nada, teve uma especificidade de tempo que eu não sei se o filme vai durar. Eu creio que Guernica é um trabalho de especificidade de tempo.


Ou seja, são obras para um certo momento e uma certa situação, que têm um potencial de não só demonstrar, mas também de possuir essa carga política de querer intervir, e eu creio que isso sirva para algo. Então, para a questão do tempo, a questão de como eu posso me relacionar com os espaços, eu não sei quanto aos lugares; eu viajo bastante. Quer dizer, viajar, nós consideramos uma questão de prazer. É um prazer, mas é muita energia que se usa, que se perde no deslocamento. Para mim é importante, porque é a forma de conhecer as coisas, e eu diria que no Brasil eu já estive no mínimo quinze ou vinte vezes. Quer dizer que através dos anos, fui conhecendo o país, fui vendo como ele era formado, as mudanças políticas, as coisas que são consistentes, etc. Outros países, menos. A Alemanha eu conheço menos, mas tem havido também vontade de entender. Mas a resposta que é clara e que tem a ver com a retina, é que ao trabalhar em equipe, e ao estar trabalhando com pessoas do lugar, eu recebo uma informação que eu filtro, e que se converte em diálogo, e que é muito, muito importante. Claro que no trabalho Comemorações Urbanas a colaboração com a Paula Santoro foi super-importante. Ou seja, quer dizer que na dinâmica do projeto em que há algumas colaborações visíveis ou contribuições invisíveis fazem com que o tempo em que estou em um lugar discutindo projetos é uma forma de compartilhar. E agora, vou primeiro a Montevidéu conversar com um arquiteto com quem iremos trabalhar, Juan Herreros, num projeto com arquitetos e artistas, me parece que é uma intervenção de artistas e arquitetos em espaços públicos muito importantes, o diálogo, e em seguida vou a Buenos Aires para tratar do início de um possível projeto.

A primeira coisa que pedi foi ter uma conversa onde eu possa transmitir e também possa receber informação e criar uma equipe para poder começar a trabalhar lá. Não sei se isso explica, porque trabalhar com pessoas do lugar é uma situação inestimável para que eu entenda melhor a situação. Bem, não sei se havia alguma outra coisa, mas eu creio que essas duas coisas trataram um pouco o que você queria marcar.

 

Martin:

- Nós temos ainda quatro perguntas, e acho que ai então terminaremos, porque eu acho que temos que entregar esse...

 

Muntadas:

- Você está convertendo em um Fórum de verdade?

 

Martin:

- Ainda bem, não é? Essa é a intenção! Então, eu queria que as próximas perguntas fossem breves, porque nós temos mais vinte minutos no máximo para liberar a sala.

 

Muntadas:

- Faz parte como Motel Cultural, pois vêm outros em seguida.

 

(Risos)

 

Graziela Kunsch:

 - Eu só gostaria de saber se você trabalha sempre a partir de um convite de uma instituição, ou se são outras coisas que motivam seus processos, que são todos a longo prazo.

 

- Eu diria que cada projeto tem um início diferente. Há propostas, encargos, mas há outros que são encargos que partem de mim. Parte de mim o desenvolvimento, e logo após um momento, se vê como é possível que ele seja produzido. Chega um momento que numa parte desse projeto, do processo de trabalho, há que se ver como ele se situa. Por exemplo, no caso de Porto Rico, era essa organização, Arte Público, de projetos como ArteCidade, claro que era uma proposta que se definiu.


Há trabalhos como o File Room, que é um trabalho sobre a censura cultural, que se iniciou por uma necessidade minha de criar um exorcismo no contexto da situação da censura, e logo, com o tempo, houve em Chicago alguém que quis desenvolvê-lo através da Universidade, etc. Ou seja, é sempre diferente. Veneza era claramente uma proposta para o Pavilhão Espanhol da Bienal; são situações diferentes, mas evidentemente tem que haver alguém que produza o trabalho. Evidentemente também há projetos que não chegam a ser realizados, porque não existe a... Mas eu sou bastante persistente, e com o tempo, eles chegam a ser realizados. Sou um pouco... sim, persistente é a palavra.

 

- Agora o Jorge, depois, por último, a Mônica Nador.

 

Jorge Menna Barreto:

- Minha pergunta é sobre o lugar do discurso do artista no momento em que você falou hoje não só sobre os trabalhos, mas parece que sua fala é também constitutiva do trabalho, quando você apresenta as imagens que apresentou e apresenta uma informação que nos ajuda a revisitar os trabalhos de uma forma diferente. Minha pergunta é se esse discurso do artista sobre a obra você também considera como uma das possíveis ramificações do trabalho, ou se ele é de fato só um discurso sobre a obra, ou se ele é obra. É um pouco por ai.

 

- Bem, eu diria que há duas partes: uma é a obra em si, que não necessita explicações ao se confrontar o trabalho, porque as pessoas que vão ao Pavilhão e vêem o trabalho de (?) em Giardini, o que era trabalho, era trabalho. O que não estava lá, não estava. Ou seja, o que as pessoas não viam...

Enfim, o que eu puder vir a dizer são situações em que se o trabalho não existe, e que trato de explicar, narrar o trabalho e onde eu necessito dar um contexto. Mas evidentemente, por isso era um pouco necessário explicar a ArteCidade, porque, finalmente, as pessoas entendem perfeitamente o contexto. Esse parece ser o uso das palavras.

A coisa que parece importante para mim como complemento ao trabalho artístico ou cultural é a parte que tenho de ensino. É me parece que é uma parte importante porque, às vezes, as propostas chegam até certo ponto. Então, este ano, por exemplo, eu estou fazendo o primeiro semestre na Escola de Arquitetura de Veneza e o segundo no M.I.T. São projetos planejados pelos estudantes de Veneza; no ano passado o projeto era estrangeiro. Uma cidade em que somente estrangeiros, turistas, imigrantes, pessoas sem documentos, trabalhos com todo tipo, e se dividiu por equipes, para trabalhar sob (?) estrangeiro. Este ano foi lançada a idéia na Bienal de planejar um museu imaginário, o Museu de Maulraux. E vendo que todos os museus são genéricos, tratar de propor que, se for necessário fazer um museu, do que ele é feito? O que será guardado? Que pinturas, livros e músicas serão guardados? Qual a cosmologia pessoal de um museu que você pode definir através de seu conteúdo, e que se pode criar incluído no programa, e que pode ser a difusão, as atividades, a arquitetura, etc.? Eu digo isso porque para mim, esse é um trabalho que tem muita relação com o meu trabalho, e é uma parte invisível; não o pressinto como meu trabalho, mas, que de uma certa maneira, responde um pouco o que você dizia, de que trata de se desenvolver um discurso não à obra, mas sim à ambição da obra, de situá-la em seu próprio... E inclusive de expandir, porque não? E de discutir, numa classe se pode discutir coisas que talvez não se discuta numa galeria, em um museu, ou num espaço público.

 

- Meu nome é José, sou educador, e me chamou especial atenção você comentar um pouco sobre a escultura social. E dentro disso, queria que você falasse um pouco sobre a interação do espectador com suas obras e a importância da escultura social dentro disso.

 


- Veja, eu poderia contestar isso, mas vou te dar este pequeno artigo, chamado “A Nova Escultura Social”, e foi escrito por Eleanor Heartney. Ele não fala do meu trabalho; ele fala de outros trabalhos, mas me pareceu interessante que ele não falasse aqui precisamente do meu trabalho, para falar de qual é seu modo de entender essa situação. Eu creio que depois de Beuys tomar uma situação em que as mudanças de materiais e de disciplinas criou uma outra forma de tentar criar um tecido social com o trabalho. Eu digo isso porque eu creio que uma resposta que teria que ser muito grande, e aqui, eu creio que está totalmente com exemplos, etc., está tudo explicado. Inclusive eu deixo o artigo à Inês, para que ela possa fazer fotocópias, pois eu só tenho um.

 

- Muntadas, esse texto é autoral? Será que o autor dá permissão para publicar na Internet? Porque ai nós poderíamos colocar no site.

 

- Não sei se foi pago a Eleanor Heartney para publicá-lo aqui. Eu o dou Inês, e acredito que a autora ficará muito contente. Todos os artigos que estão aqui, há outro artigo de Cathy Byrd que é seguro, porque está publicado num jornal de grande tiragem de Porto Rico, e eu creio que essas pessoas tenham vontade de divulgar, não está visando aqui os direitos de cópia, não?

 

- Ótimo. Então, é muito bem vindo ao Fórum. Temos ainda a pergunta da Mônica Nador, e ainda temos um pouco mais de tempo, nos foi dado mais vinte minutos. Se quiser passar o DVD...

 

Muntadas:

- Creio que seja melhor passar outro dia. Vamos vê-lo na televisão!

 

(Alguém não identificado fala na platéia – inaudível na gravação)

 

Muntadas:

- A interação do público com a obra? É que eu não faço sociologia com meu trabalho. No sentido que me preocupa, mas não sei. Eu creio que no sistema de arte há esse sistema protegido que são as galerias, os museus e tudo isso tem um dispositivo através da revista, para que os críticos tenham a palavra. Mas nos espaços públicos é muito complicado, porque não se sabe. É um paradoxo, que às vezes digo que no espaço público mais pessoas vêm o trabalho, mas há menos debate. Porque nada te dizem. Se você vê um filme na televisão, não há nada que se escreva sobre ele. Não há nada que se escreva sobre um projeto na Web. Nada há que se fale de um projeto que está numa praça. Ou seja, há um sistema organizado de feedback no espaço protegido do sistema de arte. Mas no sistema de espaço público não existe. Ou seja, ai está o paradoxo que mais pessoas o vêm, mas há menos retro-alimentação sobre ele. Então, de vez em quando há um feedback do público.  E na verdade, eu diria que como eu disse antes, eu não creio que a sociologia dos meus trabalhos seja a minha missão. Deixo isso aos críticos, aos comentaristas, às pessoas que possam ver isto num contexto mais...

 

- Meu nome é Mônica [Nador], minha pergunta está relacionada com essa sua última resposta. Eu quero saber até que ponto você se preocupa com a leitura que as pessoas vão fazer do seu trabalho, com toda aquela densidade que seu trabalho tem, quer dizer, até que ponto você se preocupa, se é uma preocupação de que todas as pessoas entendam ou não.

 

- Mais do que preocupação, é a consciência de uma audiência. Mas eu não usaria a palavra preocupação, porque preocupação pareceria uma parte messiânica de querer convencer ou missionária, que não é trabalho meu. Ou seja, eu faço e planejo os dispositivos para que o trabalho possa chegar. E o faço da melhor maneira que sei, que é com suas estruturas e materiais que nos dá o sistema (fim da fita) ... ou seja, essa é uma consciência do público, mas não uma preocupação, porque então ai eu vou crer que estou muito perto do evangelismo.

 

- Mas você acha que as pessoas de Porto Rico que estão passando nas estações realmente olham e estão entendendo tudo?

 

- Bem, há uma uniformidade de imagens que cria uma cosmologia que é muito diferente da publicidade. Todas as outras estações têm publicidade. Então, eu creio que essa seja uma intenção importante de haver eliminado a publicidade, e de ter conseguido que o trem urbano as tenha propiciado, porque creia que as únicas imagens lá são essas. Não há uma confrontação com; essa é uma arquitetura muito simples, e, evidentemente, como eu dizia antes, é possível que as pessoas, a velocidade, os compromissos das pessoas naquele espaço fazem com que a arte pública muitas vezes seja vista, mas não seja percebida. Esse é um pensamento quase automático. Então, mais que em outros trabalhos, eu acredito que é bastante percebível. Há outros trabalhos que fiz em Times Square em que o trabalho em si funciona mais como documentação, e neste caso, eu creio que há uma missão indireta. Além disso, como algumas imagens são desconhecidas, algumas retomam idéias de imagens vistas, etc.

 

- Eu sou a Adriana, e queria completar uma coisa que a Mônica falou. Eu entendi melhor quando a Regina falou que morou lá, que ela sentiu um pouco da história e sentiu melhor a obra. Mas, por exemplo, se essa obra de Porto Rico fosse aqui para o Sumaré, para o nosso metrô, será que não precisaria dessa explicação para outras pessoas ignorantes que desconhecesse a história, ou você acredita que a absorveria a obra do mesmo jeito?

 

Muntadas:

- Eu acredito que a obra de Porto Rico é...

 

Adriana:

- É uma obra para aquele espaço, não viria...

 

Muntadas:

- Não, pode ser transportada. Ela tem um local e contexto específico. Eu acredito que esse trabalho é intraduzível em outro lugar. Ele é o que representa de Delano ali. Veja, a maior parte desses trabalhos não é transladável. Seria necessário originar um trabalho novo. Talvez pudesse haver uma re-contextualização. Por exemplo, Sevilha está pedindo levar o Pavilhão Espanhol de Veneza para lá, porque estão criando um possível novo centro, onde planejam um centro de discussões, e isso seria utilizado como um ponto de debate, para considerar o que foi feito na Expo-Sevilha 92, uma série de coisas que foram feitas em Sevilha, e tomar como um caso de estudo. Eu estou planejando, porque acredito que é necessário re-contextualizá-la. É necessário fazer uma apresentação em que se entenda, e eu proponho fazer isso em duas partes: uma primeira parte em que se irá planejar o Pavilhão da Bienal, e uma segunda parte que originará o trabalho em Sevilha, que fale de toda a questão da formação da Ilha da Cartuxa, a Expo-92, etc. Mas eu não pude fazer o trabalho de Sevilha imediatamente, pois ele irá requerer dois ou três anos de trabalho. Não sei se respondi , mas há coisas em que não é possível acertar variáveis, e há outras que são possíveis ser re-contextualizadas através de um trabalho de re-contextualização, mas não puramente fazê-las viajar como a maioria de obras que passa de galeria em galeria.

 

Mônica Nador:

- Você não acha que nós, artistas, somos muito cool e chiques e deveríamos aprender mais com os evangélicos?

 

- Mas eu não disse evangélicos: eu disse tele-evangélicos. Porque os tele-evangélicos...

 

- Mas é a mesma coisa!

 

- Não, há um elemento midiático. Eu acho que quanto às religiões, cada um necessita da sua. Existe um trabalho chamado Ballroom de 1988, que era um trabalho que falava sobre a produção do tele-evangelismo e os meios de comunicação, e as mídias nas religiões, no sentido de que a religião usa a mídia. E ai estava Kohmeini, o Papa, Falwell, Reverendo Knight, toda a cosmologia das religiões. Mas meu comentário é quando a mídia está de certa maneira manipulando, sobretudo com relação ao dinheiro, para ser mais claro.

 

- Então, a última pergunta do Paulo Portela.

 

- Meu nome é Paulo Portela, sou artista plástico e educador em museu de arte. Eu queria saber, complementando essas últimas perguntas a você, se você tem integrado às suas equipes esses staffs de educação em museu, que colaboram na interpretação dos trabalhos junto ao público, e se você tem notícia de alguma atividade junto ao seu trabalho.

 

- Bem, não sei. Eu posso falar a você um pouco em relação ao que eu dizia ao responder à Mônica com o trabalho Ballroom. Eu sempre trato de canalizá-lo para algo que eu já tenha pensado e criar algo em torno. Entre os anos de 83 e 92, dez anos, fiz um trabalho chamado Between the Frames, que era a análise do sistema de arte, das pessoas que ficam entre a arte e o artista e a audiência. Eram oito capítulos: as galerias, os marchands, os museus, os docentes, que nos Estados Unidos são uma espécie de guias, educadores, os críticos, a mídia e um epílogo. São os oito papéis existentes, e o capítulo dos docentes e guias era interessante, porque em cada país há uma maneira diferente de planejá-lo. No fundo, são tradutores, intérpretes, e para mim, esse projeto começou precisamente escutando os guias falando do meu próprio trabalho num museu de Long Beach, que apresentava um trabalho meu. Me fez pensar no que estava escutando dos guias, de como essa difusão é muito importante, e por outro lado, é muito subjetiva. E foi o primeiro capítulo que originou todo o trabalho.

Evidentemente, entraríamos ai em situações muito complexas de educação. Por exemplo, a parte docente nos Estado Unidos é muitas vezes não-paga, são voluntários, e em outros países isso não existe. Então, nos voluntários do museu de Long Beach a subjetividade chega ao máximo.

 

- Bem, encerrando, quero saber se o Nelson tem alguma pergunta. Mais algum comentário? Eu ia fazer uma pergunta, mas vou evitá-la.

 

- Rogo que a faças.

 

- Eu queria só ler a última frase do Bartolomeu Mari no folheto da Bienal de Veneza sobre o Muntadas. Ele diz o seguinte: “O projeto On Translation e de Giardini reúne uma série de paradoxos produzidos particularmente no contexto do Giardini, e também no próprio formato da Bienal, considerada aqui como uma espécie de lugar metafórico.”

Então, aproveitando que temos um curador e um artista, o que você procura quando você escolhe o lugar da sua ação? Porque eu vejo você como um empresário, no sentido de você ser muito preciso na escolha do contexto, na escolha dos interlocutores, na escolha da estratégia com as mídias.

 

- Eu acredito que não há como confundir palavras. A palavra empresário pode ser traduzida como artista; ou seja, quer dizer que o artista tem um papel que está mudando e se expandindo, e que parte disso é possibilitar seus projetos.

Então, você tem que tomar dimensões que saem de seu papel, isso por um lado. Por outro lado, eu diria que sim, que há uma maneira de criar uma equipe que, eu quase diria que envolveria uma questão muito básica, que é muito animal, uma questão intuitiva, e talvez seja a única parte em que eu faço tudo, que é a parte em que se entende o artista do ponto intuitivo, que não é a parte intuitiva da realização da obra, mas sim a parte intuitiva da relação humana que há entre as pessoas.

Então, ai é onde eu, como animal, cuido do meu território. Ou seja, intermediando a área estou cuidando de meu território de uma maneira animal.

 

- Acho melhor, então, terminarmos assim. (risos) Quero agradecer muitíssimo ao Muntadas sua presença, eu sei como você mudou seu trajeto aqui, pudou seu trajeto aqui, resença,  intuitivo.çlotemto que nica ara estar em São Paulo, quero agradecer a flexibilidade da Ana Thomé em aceitar essa possibilidade de realizarmos este evento, à Inês Raphaelian por ser tão aberta ao caráter imediato e à idéia deste projeto, é muito bom estar aqui, é a primeira vez que o Fórum Permanente trabalha com o Centro Cultural, espero que sejam muitas as vezes, e eu só queria lembrar e agradecer muito ao Nelson, porque ao Muntadas trazer a idéia da ArteCidade, eu acho que nós estamos com saudade da ArteCidade. Talvez o eixo Minas-vitória seja muito longe para nós, ainda mais para nós, que não nos deslocamos muito! O paulista é preguiçoso por natureza. Mas eu espero que você crie uma caravana para que nós possamos ter contato com esse projeto num lugar que eu considero muito curioso, porque não tem tanta relação com a cidade, não é? Agora, eu queria só lembrar vocês que o Fórum Permanente é esse organismo flutuante, ele tem um site, que é o www.forumpermanente.org, tem várias pessoas aqui que eu acho que não conheço, mas gostaria que vocês se inscrevessem, tivessem conhecimento do Fórum, para que nós possamos mandar anúncios e material que o Fórum tem produzido, e o Fórum Permanente existe graças a uma conjunção de parceiros. Antes de mais nada, a uma equipe muito eficiente, que trabalhou muito duro para que nós fizéssemos este evento, eu quero agradecer ao Durval, à Viviane e à Nancy, à Paula Braga pelo esforço, e à toda a equipe aqui dos bastidores, à Embratel, que está fazendo a cobertura on-line, e lembrar que o Fórum tem como base, além da Agência Espanhola de Cooperação Internacional, tem o apoio principal do British Council, antes de mais nada, do Goethe Institut, que foi o primeiro a receber essa idéia, o Consulado Francês e o Consulado dos Países Baixos, além da Secretaria do Estado da Cultura, da Vitae e da Fatesp, que nos forneceu toda tecnologia do site.

E obviamente à Escola de Comunicações e Arte, onde eu estou locado. Muito obriga, e lembrando que o próximo evento, ainda não está noticiado no site, mas vamos estar noticiando, será um workshop com o Martin Bertold (?), que é um curador do Stedelijk Museum da Holanda, que vai ser um evento não muito parecido com este, que foi aberto, mas vai ser por inscrição, para um pequeno grupo de no máximo vinte pessoas, e vai tratar da questão da curadoria hoje. É um curso que Martin e eu vamos dar juntos. Isso vai ser na Estação Pinacoteca. E logo depois, nos dias 21 e 22 estamos tentando fazer a negociação de pelo menos transmitir on-line o CIMAM – Comitê Internacional de Museus de Arte Moderna, que faz parte do ICOM – International Council Museums, e será o grande encontro dos “papas”, do alto clero da arte moderna e contemporânea, que estará reunida na Pinacoteca do Estado. Então, muitos diretores e curadores estarão reunidos ali e o Fórum está negociando, tentando fazer a cobertura desse evento que será a portas fechadas, e estamos tentando transmitir on-line. E para fechar o ano, ainda terá uma coisa que estamos negociando, mas uma certeza já está publicada no site, que é uma semana inteira de atividades em torno do Toby Jackson, que é o diretor do Depto. de Educação e Interpretação da Tate Modern, que é um dos maiores museus do mundo hoje, e sem dúvida, eu não tenho restrições em dizer que talvez a mente mais brilhante nessa área, lembrando a intervenção do Paulo Portela para fechar o dia de hoje, mas fiquem atentos.

Esse evento com o Toby Jackson vai ser realizado no Museu Lasar Segall e na Pinacoteca, e uma palestra aberta. Esse vento na Pinacoteca e no Lasar Segall é um workshop de quatro dias, que também será feito por inscrições, e depois, a palestra maior do Toby será aberta ao público. Eu agradeço a presença de todos, eu acho uma maravilha estarmos aqui há três horas, e quase ninguém saiu. Obrigado, boa-tarde e até a próxima.

 

 

registrado em: