Casarão do século 19 é demolido em Santa Cecília
Alvará na fachada só autorizava instalação de tapumes, imóvel não era tombado
Casarão de 1891, localizada na Rua de Adolfo Gordo, Santa Cecília, região central de São Paulo - Douglas Nascimento, São Paulo Antiga
Por Douglas Nascimento
São Paulo (SP)
O Brasil dava seus primeiros passos como república quando este casarão elegante da rua Adolfo Gordo 280, Santa Cecília, região central de São Paulo foi construído. Com 224m° de área construída o imóvel que inicialmente pertenceu à família Ciambelli e posteriormente aos Friguglietti atravessou o século 20 inteiro e entrou no 21 em ótimo estado de conservação e parecia ter seu futuro protegido. Infelizmente, só parecia.
Daqueles absurdos que parecem só acontecer por aqui, o velho casarão amanheceu em um dia de julho sob intensas marretadas num doloroso processo de demolição que incomodou toda a vizinhança, acostumada com o elegante imóvel que marcava o cenário da rua.
Vizinhos incrédulos com o que acontecia foram até a calçada do imóvel para perguntar aos operários da demolição o porquê daquilo estar acontecendo, já que o casarão nem mesmo placa de "vende-se" chegou a ostentar. Os trabalhadores disseram que cumpriam ordens e apontaram para uma placa no tapume, com um número de alvará inscrito.
Um dos vizinhos, que pediu para não ser identificado, foi pesquisar o alvará no site da prefeitura e constatou que a licença era apenas para a instalação de tapumes, e não para demolição. Foi o início de um tortuoso périplo na tentativa de salvar o casarão antes que fosse tarde demais, ligando e entrando em contato para todos os mecanismos possíveis da prefeitura como Defesa Civil, telefone 156 e o próprio portal 156. Tudo em vão.
Acumula-se números de protocolos e respostas que nada ajudam, como "uma equipe irá ao local em até 72h conferir o que acontece", equipe esse que nunca apareceu a tempo de parar a demolição deste casarão do século 19.
TÁTICA COMUM
Mas como a demolição deste imóvel começou, se na placa o alvará era só de instalação de tapume? Esta é uma tática bastante corriqueira em São Paulo muito usada para enganar moradores vizinhos de demolições irregulares. Ao instalar a placa, que basicamente apresenta um número sem maiores explicações, proprietários de imóveis que serão demolidos passam a falsa sensação de que estão agindo dentro da lei e que, portanto, não há o que ser feito.
São raros os casos em que pessoas incomodadas com alguma demolição com placas de alvarás vão checar no que de fato aquela autorização significa. Soma-se isso a fiscais corrompidos, ineficiência total de subprefeituras e a falta de agilidade do serviço 156 para se ter a fórmula mágica da impunidade.
Tal método de instalar placa de alvará para uma coisa e se fazer outra é bastante comum em bairros como o Brás, onde dezenas de casas antigas foram abaixo nos últimos anos de maneira irregular, usando-se um outro alvará, de reforma, para se demolir um imóvel completo e erguer outro, este geralmente, bem maior em seu lugar. Para driblar a fiscalização, se é que ela existe, a fachada do imóvel antigo fica no lugar até quase o final da obra, para se passar a falsa impressão de reforma.
MULTA IRRISORIA
Consultei a prefeitura sobre esse imóvel em questão e em resposta a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) informou que o imóvel não poderia ter sido demolido, pois embora tenha sido feito um pedido de demolição e execução de edificação nova para o endereço o processo, protocolado em 15/7/2023, ainda estava em análise.
A certeza de impunidade ou de punição leve é tão grande que a demolição iniciou antes mesmo do processo ter sido protocolado junto ao poder público. Questionada sobre isso a mesma SMUL informou que o proprietário foi multado em, pasmem, R$ 1737,76.
INCOMPETENCIA DOS ÓRGÃOS DE PRESERVAÇÃO
O caso deixalclaro a necessidade de um maior investimento em funcionários para a Secretaria Municipal de Cultura (SMC) para atuarem no Departamento do Patrimônio Histórico (DPH). Como é possível que desde sua criação, em 1975, o DPH não foi capaz de identificar e tombar este imóvel de valor tão relevante para a história da cidade, sendo que ao seu redor existem vários outros já tombados?
No final só existe de fato um único prejudicado: a memória arquitetônica de São Paulo.