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Casarão do século 19 é demolido em Santa Cecília

Alvará na fachada só autorizava instalação de tapumes, imóvel não era tombado
Casarão do século 19 é demolido em Santa Cecília

Casarão de 1891, localizada na Rua de Adolfo Gordo, Santa Cecília, região central de São Paulo - Douglas Nascimento, São Paulo Antiga

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/blogs/sao-paulo-antiga/2023/07/casarao-do-seculo-19-e-demolido-em-santa-cecilia.shtml pwgt=kfxazbrxba0iqdl18k1fx71axszrud9y8hr57ft5jjxhwwle&utm_source=mail&utm_medium=social&utm_campaign=compmailgift

Por Douglas Nascimento

São Paulo (SP)

O Brasil dava seus primeiros passos como república quando este casarão elegante da rua Adolfo Gordo 280, Santa Cecília, região central de São Paulo foi construído. Com 224m° de área construída o imóvel que inicialmente pertenceu à família Ciambelli e posteriormente aos Friguglietti atravessou o século 20 inteiro e entrou no 21 em ótimo estado de conservação e parecia ter seu futuro protegido. Infelizmente, só parecia.

Daqueles absurdos que parecem só acontecer por aqui, o velho casarão amanheceu em um dia de julho sob intensas marretadas num doloroso processo de demolição que incomodou toda a vizinhança, acostumada com o elegante imóvel que marcava o cenário da rua.
Vizinhos incrédulos com o que acontecia foram até a calçada do imóvel para perguntar aos operários da demolição o porquê daquilo estar acontecendo, já que o casarão nem mesmo placa de "vende-se" chegou a ostentar. Os trabalhadores disseram que cumpriam ordens e apontaram para uma placa no tapume, com um número de alvará inscrito.
Um dos vizinhos, que pediu para não ser identificado, foi pesquisar o alvará no site da prefeitura e constatou que a licença era apenas para a instalação de tapumes, e não para demolição. Foi o início de um tortuoso périplo na tentativa de salvar o casarão antes que fosse tarde demais, ligando e entrando em contato para todos os mecanismos possíveis da prefeitura como Defesa Civil, telefone 156 e o próprio portal 156. Tudo em vão.
Acumula-se números de protocolos e respostas que nada ajudam, como "uma equipe irá ao local em até 72h conferir o que acontece", equipe esse que nunca apareceu a tempo de parar a demolição deste casarão do século 19.
TÁTICA COMUM
Mas como a demolição deste imóvel começou, se na placa o alvará era só de instalação de tapume? Esta é uma tática bastante corriqueira em São Paulo muito usada para enganar moradores vizinhos de demolições irregulares. Ao instalar a placa, que basicamente apresenta um número sem maiores explicações, proprietários de imóveis que serão demolidos passam a falsa sensação de que estão agindo dentro da lei e que, portanto, não há o que ser feito.
São raros os casos em que pessoas incomodadas com alguma demolição com placas de alvarás vão checar no que de fato aquela autorização significa. Soma-se isso a fiscais corrompidos, ineficiência total de subprefeituras e a falta de agilidade do serviço 156 para se ter a fórmula mágica da impunidade.
Tal método de instalar placa de alvará para uma coisa e se fazer outra é bastante comum em bairros como o Brás, onde dezenas de casas antigas foram abaixo nos últimos anos de maneira irregular, usando-se um outro alvará, de reforma, para se demolir um imóvel completo e erguer outro, este geralmente, bem maior em seu lugar. Para driblar a fiscalização, se é que ela existe, a fachada do imóvel antigo fica no lugar até quase o final da obra, para se passar a falsa impressão de reforma.
MULTA IRRISORIA
Consultei a prefeitura sobre esse imóvel em questão e em resposta a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) informou que o imóvel não poderia ter sido demolido, pois embora tenha sido feito um pedido de demolição e execução de edificação nova para o endereço o processo, protocolado em 15/7/2023, ainda estava em análise.
A certeza de impunidade ou de punição leve é tão grande que a demolição iniciou antes mesmo do processo ter sido protocolado junto ao poder público. Questionada sobre isso a mesma SMUL informou que o proprietário foi multado em, pasmem, R$ 1737,76.
INCOMPETENCIA DOS ÓRGÃOS DE PRESERVAÇÃO
O caso deixalclaro a necessidade de um maior investimento em funcionários para a Secretaria Municipal de Cultura (SMC) para atuarem no Departamento do Patrimônio Histórico (DPH). Como é possível que desde sua criação, em 1975, o DPH não foi capaz de identificar e tombar este imóvel de valor tão relevante para a história da cidade, sendo que ao seu redor existem vários outros já tombados?
No final só existe de fato um único prejudicado: a memória arquitetônica de São Paulo.