Transformações e confluências: tópicos sobre a formação do vocabulário da arte brasileira local (Minicurso GRATUITO)
Minicurso gratuito, promovido pelo Museu Oscar Niemeyer de Curitiba, aborda a formação do vocabulário da arte brasileira a partir da década de 1960.
Os episódios contumazes em que a crítica de arte Adalice Araújo saiu em defesa de artistas e de sua visão sobre a arte paranaense entraram para a história. A “menina do Sion que chutou o balde”, numa alusão irreverente às suas origens abastadas feita pelo jornalista José Carlos Fernandes, “tornou-se a guerrilheira mais bem penteada e ilustrada da República, com várias chamadas para depor no SNI. Não pegou em armas - mas teria sido mais fácil do que sacudir o academicismo da Curitiba daqueles tempos”. Aqueles tempos a que se refere o jornalista são os idos de 1968, quando Adalice inicia a trajetória que iria lhe render 25 anos de críticas semanais nos jornais Diário do Paraná e Gazeta do Povo (1969-1994), sem contar os anos em sala de aula, outros estruturando um arquivo monumental que serviu de base para o seu Dicionário das Artes Plásticas no Paraná e mais alguns promovendo eventos, como os Encontros de Arte Moderna, iniciados em 1969 e que coordenou até 1974, com os quais estabeleceu intercâmbios com alguns dos nomes mais relevantes do cenário nacional, como Frederico Morais, Arthur Barrio e Anna Bella Geiger. Em sua tese de livre-docência defendeu a importância de um pensamento local, mas não regionalista ou ufanista, como foi o movimento paranista. “Estamos em pleno ato de deglutir as nossas inúmeras realidades.” Exatos 40 anos depois, o artista e pesquisador Newton Goto viria corroborar com a sua visão ao compilar um panorama da produção artística realizada na terra dos pinheirais: “Curitiba, assim como o Paraná, possuem uma geografia singular, clima singular, processo de ocupação territorial singular, ciclos econômicos singulares, formação étnica singular. Conseqüentemente, um histórico com produção artística diferenciada”.
A trajetória traçada pela arte nesse contexto sofria forte influência das decisões políticas locais. Ao final dos anos de 1970 e início de 1980, o setor público era o principal incentivador para a promoção de um cenário paranaense das artes, com predileção de políticos e gestores para duas linguagens em específico: o desenho e a gravura. A Mostra de Desenho Brasileiro (1979-1994) era patrocinada pelo Governo do Estado enquanto que a Fundação Cultural de Curitiba (FCC), através da prefeitura do município, estimulava a perspectiva da produção gráfica, com as Mostras da Gravura Cidade de Curitiba (1978-2000).
Contrapondo-se a esse direcionamento e restrição de linguagem da produção artística surge a Mostra Arte Bicicleta (1982), figurando em seu cartaz uma Ceia do Grupo (em referência à Santa Ceia) e uma frase sugerida pelo livro Assim Falava Zaratrusta, que Adalice Araújo destacaria como um mantra dessa nova geração: “Cada geração é única e tem a liberdade de encontrar o seu caminho”. A iniciativa do Grupo Bicicleta é considerada como ponto de virada do processo de iniciativa de jovens artistas na ocupação de espaços tradicionais de exibição, pois conseguiram reivindicar com o Governo do Estado a Sala de Exposição do Teatro Guaíra para a sua realização, um dos mais importantes espaços de exibição de Curitiba na época.
Essa contínua homologação da arte produzida no Paraná começa a ganhar outros contornos com a conexão desses jovens artistas com nomes relevantes do cenário nacional, como Frederico Morais e Paulo Herkenhoff, que assumiu a curadoria das Mostras da Gravura entre 1992 e 2000. Com uma visão ampliada, o Moto Contínuo, evento que ocorreu em 1983 na esteira desse agitação coletiva, ampliou por definitivo os incentivos concentrados nas linguagens do desenho e da gravura pelas políticas públicas do Estado do Paraná e do Município de Curitiba.
O pesquisador Ivair Reinaldim coloca em questão o conceito de Geração 80, apontando a sua insuficiência para abarcar situações que foram marginalizadas por terem ficado de fora da emblemática mostra no Parque Lage. Como vai você, Geração 80? (Parque Lage, 1984) colaborou para o processo de redução desse período como um retorno do prazer de pintar, algo enfatizado tanto pelo mercado quanto pela crítica de arte do período. Moto Contínuo estaria assim ao lado de eventos como os da Dupla especializada, Seis mãos e A moreninha, todos cariocas. Por outro lado, havia também nesse período uma forte institucionalização da crítica e da curadoria de arte e mesmo de artistas-gestores-professores, que estavam em busca de uma visão muito mais ampliada sobre as linguagens, como foi o caso de Rubens Gerchman à frente da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, entre 1975 e 1979.
O minicurso Transformações e confluências: tópicos sobre a formação do vocabulário da arte brasileira local procura abordar alguns tópicos da construção dessa história e os seus impactos, heranças e repetições na contemporaneidade. O objetivo central é nos perguntarmos quais são as contribuições que um vocabulário em relação a essas narrativas pode ter na atualidade e como isso se relaciona com contextos mais amplos, nacional e internacionalmente.
Participantes:
Paulo Herkenhoff
Programa de Minicurso
COORDENAÇÃO:
Local
Local e data de realização:
Mesas 01 a 04 Mini-auditório/MON 03 a 06 de abril de 2023 das 19h às 21h
Mesa com os artistas Mini-auditório/MON 12 de abril de 2023 das 19h às 21h
Mesa de encerramento Auditório Poty Lazzarotto/MON 15 de abril de 2023 às 16h
Público alvo:
Estudantes de graduação e de pós-graduação das áreas de humanas em geral, professores de classes regulares e especiais das redes de ensino público e privado, profissionais que atuam na manutenção e gestão de equipamentos culturais e outros/as profissionais ligados/as à produção da arte e sua difusão.
Número de vagas: 30 vagas (Curso Gratuito/Presencial)
Inscrições: até 02 de Abril através do link https://forms.gle/EBGtpVVpBBNx2y4A8
V. REIS, Paulo (Org.). Visita guiada: a crítica de Adalice Araújo. Curitiba: Medusa: 2020. FREITAS, Artur. Memória e esquecimento: Adalice Araújo e a invenção da arte paranaense. In: COSTA, Hilton; PEGORARO, Jonas; STANCZYK, Milton. (Org.). O Paraná pelo caminho: histórias, trajetórias e perspectivas. Curitiba: Máquina de Escrever, 2017.
FERNANDES. José Carlos. Adalice Araújo, a guerrilheira Dadá. Gazeta do Povo. Curitiba, 11/09/2010. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/especiais/perfil/adalice-araujo-a-guerrilheira-dada-27yr94ovwixr3zcep7x97mfke/
ARAÚJO, Adalice. Arte moderna paranaense e contemporânea: em questão 3.000 anos de arte paranaense. [Tese de Livre-Docência]. Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes - UFPR. Curitiba, 1974, p.20.
GOTO, Newton. Visionário invisível: o circuito curitibano de artes visuais. Texto em Blog. Curitiba, 14/07/2014. Disponível em: https://newtongoto.files.wordpress.com/2015/01/visionc3a1rio-invisc3advel_texto-goto_14-07-20141.pdf
Mostra Arte Bicicleta. Rossana Guimarães, Leila Pugnaloni, Luiz Hermano, Eliane Prolik, Mohamed, Raul Cruz, Geraldo Leão, Denise Roman e Denise Bandeira. Sala de Exposição do Teatro Guaíra. Curitiba/Maio, 1982.
“Desde a década de 1970, as exposições mais importantes da cidade ocorriam nesse espaço, sobretudo o Salão Paranaense e a Mostra do Desenho Brasileiro.” REINALDIN, Ivair. Moto Contínuo: estudo de caso – arte no Brasil – início da década de 80. Rio de Janeiro, UFRJ, EBA, 2007, p.97.
Frederico Morais foi convidado em 1971 para participar do III Encontro de Arte Moderna, dando origem ao evento que ficou conhecido como Sábado da Criação.
Ivo Mesquita, que despontava no cenário paulista e internacional também manteve presença constante nas mostras, participando como parte do júri da Sala Espontânea da Mostra da Gravura de Curitiba em 1990 e das curadorias em 1992 (curadoria geral Uiara Bartira e comissão curatorial Paulo Herkenhoff, Ivo Mesquita e Nilza Procopiack), em 1995 (curadoria geral de Paulo Herkenhoff, assistência de curadoria de Ivo Mesquita, curadoria argentina Alina Tortosa, curadoria chilena Justo Pastor Mellado e coordenação geral de Bernadette Panek). PANEK, Bernadette. A contemporaneidade da Gravura em Discussão. Monografia de Especialização. EMBAP, 1998, p.36; 38 e 42.
Moto Contínuo. Galeria de Arte da Fundação Cultural de Curitiba (FCC) Denise Bandeira, Eliane Prolik, Geraldo Leão, Mohamed Ali el Assal, Raul Cruz e Rossana Guimarães. 15 de setembro e 9 de outubro de 1983. Curitiba/PR
JORDÃO, Fabrícia. As atuações e contribuições institucionais de artistas e intelectuais no campo das artes visuais durante o período da redemocratização brasileira (1974-1989). PPGAV-ECA/USP [Tese de Doutorado], 2018, p.185.