Governo do Estado de São Paulo corta incentivo fiscal e fragiliza atividade cultural
Dezenas de instituições culturais, que ao longo dos anos construíram parcerias com empresas privadas por meio do ProAC ICMS, não poderão mais contar com esse financiamento
No dia 15 de janeiro, enquanto o Brasil acompanhava a aprovação das vacinas contra a covid-19, a secretaria da Cultura do estado de São Paulo fez publicar em edição extra do Diário Oficial a notícia da suspensão por três anos de seu programa de incentivo fiscal conhecido como ProAC Expresso ICMS. Por meio dele, empresas podiam patrocinar projetos culturais aprovados pela secretaria, destinando parte do ICMS devido. Desde 2015, o governo reservava R$ 100 milhões anuais para atender o programa. Ainda há um mês, em 18 de dezembro passado, o secretário de Cultura e Economia Criativa Sérgio Sá Leitão comemorava: "Nós acabamos de atingir a meta de R$ 100 milhões de reais em projetos culturais de todas as regiões de São Paulo por meio do ProAC ICMS, um dos programas de fomento à cultura que temos no âmbito do Estado. Isso significa mais renda, mais emprego, mais inclusão, mais felicidade e mais desenvolvimento no nosso Estado".
Agora, cortou. O governo afirma que não haverá perdas com a suspensão do ProAC ICMS, uma vez que substituirá o mecanismo por um “programa de fomento direto a projetos culturais com recursos orçamentários, o ProAC Expresso Direto, mantendo o mesmo valor (R$ 100 milhões) e adotando normas e procedimentos semelhantes”.
O ProAC Expresso Direto, contudo, já sempre existiu. Diferentemente do ProAC ICMS, este é um programa que seleciona projetos por meio de editais, que então recebem os recursos diretamente da secretaria (ou seja, os produtores não necessitam captar os recursos de empresas por meio do incentivo fiscal). Ao cancelar o ProAC via incentivo fiscal do ICMS, o governo retira uma linha de financiamento empobrecendo todo o sistema, e acaba por centralizar na secretaria, em uma Comissão de Análise de Projeto (CAP), a decisão sobre os projetos que serão patrocinados.
Dezenas de instituições culturais, que ao longo dos anos construíram parcerias com empresas privadas por meio do ProAC ICMS, não poderão mais contar com esse financiamento e terão de submeter os seus projetos à CAP da Secretaria, acirrando a concorrência com projetos de menor apelo para patrocinadores e que normalmente já se utilizavam do ProAC editais.
Além disso, a suspensão do ProAC ICMS afasta os patrocinadores privados e enfraquece o esforço de difundir uma cultura de responsabilidade social no país.
Há o receio também, de que os recursos que a secretaria agora promete para o ProAC Expresso Direto, por serem do Estado, passem a concorrer com os recursos ordinários da própria secretaria, ameaçando os orçamentos de outros programas e das Organizações Sociais da Cultura. Como se sabe, desde o início da década passada o orçamento da pasta da cultura sofreu cortes dramáticos.
Em artigo publicado no site Cultura e Mercado, o produtor Antoine Kolokathis lamenta: “O fato do ProAC ICMS estar estabelecido de modo regular há anos, tem feito dele uma fonte de recursos fundamentais para uma série de projetos de continuidade, que ofertam aulas gratuitas a crianças e adolescentes que vivem em regiões de vulnerabilidade social em grandes centros, ou que atuam como verdadeiros catalisadores culturais em cidades de pequeno e médio porte”. E segue: “Num país em que a cultura da doação ainda é incipiente e a burocracia tributária é um impeditivo enorme para contribuições da iniciativa privada para o terceiro setor, o ProAC-ICMS se mostra uma ferramenta confiável, transparente e prática para essa finalidade”.
Já o Icom Brasil (International Council of Museums Brazil) publicou um post no Instagram com sérias ressalvas à medida: “A mudança da modalidade de patrocínios incentivados para distribuição por editais, feita sem o diálogo prévio com o setor, afeta planos anuais em andamento e paralisa o processo de captação de recursos de museus de diversos perfis em várias regiões do Estado, justamente no meio da pandemia. [...] A decisão desestrutura a política de financiamento público para a cultura em São Paulo, que estava assentada no tripé recursos do tesouro, editais e incentivos fiscais”.