Bienal em Casa #16
Mmakgabo Helen Sebidi durante a montagem da 32ª Bienal de São Paulo – Incerteza viva (2016). Foto: Leo Eloy/Estúdio Garagem/Fundação Bienal de São Paulo
Ministério do Turismo, Fundação Bienal de São Paulo e Itaú apresentam
bienal em casa
No último dia do mês de novembro, fechamos a série de newsletters especiais da Bienal em Casa que destacou o trabalho de artistas negras e negros que fazem parte da história das Bienais de São Paulo, como uma forma de revelar e ressaltar outras narrativas sobre a maior exposição internacional de arte contemporânea do país, que completa 70 anos em 2021.Lembre-se! Você pode acessar o banco de dados on-line do Arquivo Bienal e descobrir mais sobre esses artistas e muitos outros que já passaram pelas Bienais. Acesse aqui.Fique com a gente nessa troca. :)
Mmakgabo Helen Sebidi
A cena da artista sul-africana Mmakgabo Helen Sebidi terminando de pintar seu quadro Tears of Africa [Lágrimas da África] (2016) durante a montagem, aos 73 anos de idade, marcou a história da 32ª Bienal de São Paulo . Com curadoria geral de Jochen Volz e cocuradoria de Gabi Ngcobo, Júlia Rebouças, Lars Bang Larsen e Sofía Olascoaga, essa edição, intitulada de Incerteza viva, propôs refletir sobre as condições da vida contemporânea e as estratégias oferecidas pela arte para habitá-la. Em matéria para o Estado de S.Paulo, a artista comenta a escolha do título da mostra: “Nunca coloque os dois pés juntos; todo dia, uma perna está para frente e a outra, para trás, e isso é mover com incerteza, isso é criação”.
Para a 32ª edição, Sebidi participou do programa de residência no Goethe Institut Salvador, na Bahia, onde criou a nova pintura para a exposição brasileira. A obra foi considerada uma espécie de “Lágrimas da África, parte 2”. A “primeira parte” da obra de mesmo nome foi pintada por Sebidi entre 1987 e 1988. A grande colagem em branco e preto saiu pela primeira vez da casa da artista, em Johannesburgo, em 2016, para ser exibida em uma sala especial dedicada a ela naquela edição da Bienal de São Paulo. Em Lágrimas da África (1987-1988) – um díptico, obra composta por duas telas –, homens, mulheres, crianças e animais, criados com fortes traços a carvão, pastel e tinta sobre papel, estão contorcidos; lamentam e se espremem em uma cena que fala de dores que vão além do apartheid, regime de segregação racial imposto de 1948 a 1994 na África do Sul.
Sobre sua experiência de residência artística e participação na 32ª Bienal, a artista comenta em conversa com Goethe-Institut Brasilien, em outubro de 2016: “Em Salvador, onde estive por mais tempo, pude estabelecer vários pontos de comparação entre África e Brasil. É nítido: Salvador sente saudades da África. Como no meu continente, ali é um lugar de amor, em vez de ódio. As trocas e conversas que tive por ali, e que são a base do meu trabalho artístico, ainda estão comigo e acredito que foi só um início de uma descoberta. Em São Paulo, estive por menos tempo, mas a cidade e a Bienal me proporcionaram a oportunidade de mostrar meu trabalho, que é o mesmo que mostrar minha cultura. Todo o meu trabalho é baseado na ideia de comunicar-me através da minha história e de meus ancestrais”, afirma a artista.
Rubem Valentim
Obras de Rubem Valentim na 10ª Bienal de São Paulo (1969). Foto: autor não identificado
O artista baiano Rubem Valentim (1922‐1991) tem uma longa história com a Bienal de São Paulo e participou de nove edições: 3ª (1955); 5ª (1959); 6ª (1961); 7ª (1963); 9ª (1967); 10ª (1969); 12ª (1973); além das exposições Bienal Nacional (1976); 14ª (1977); 23ª (1996); Tradição e Ruptura: Síntese de Arte e Cultura Brasileiras (1984); Bienal Brasil Século XX (1994) e 30 × Bienal - Transformações na arte brasileira da 1ª à 30ª edição (2013). O pintor, escultor e gravador foi uma figura fundamental na consolidação da arte afro-brasileira.
Em seus trabalhos, Valentim se apropria da linguagem da abstração geométrica para construir complexas composições, recortes e justaposições, usando cores fortes e vibrantes. O artista também incorpora em suas esculturas e pinturas emblemas e signos do candomblé e da umbanda, entre eles a flecha de Oxóssi, o machado duplo de Xangô e as hastes de Ossain (ou Ossanha).
“Minha linguagem plástico-visual-signográfica está ligada aos valores místicos profundos de uma cultura afro-brasileira (mestiça-animista-fetichista). Com o peso da Bahia sobre mim – a cultura vivenciada; com o sangue do negro nas veias – atavismo; com os olhos abertos para o que se faz no mundo – a contemporaneidade; criando os meus signos-símbolos, procuro transformar em linguagem visual o mundo encantado, mágico, provavelmente místico que flui continuamente dentro de mim […]”, afirma o artista em seu Manifesto ainda que tardio, publicado em 1976, em que reflete sobre sua prática e suas inspirações artísticas.
Na 23ª Bienal de São Paulo, o artista teve uma sala especial dedicada à sua obra. O curador da edição, Paulo Herkenhoff, escreve sobre a importância do trabalho do artista em texto do catálogo: “Com Valentim, a cultura negra no Brasil chega integralmente com seu sentido espiritual à arte. Chega sem intermediações estilísticas e negociações políticas que renunciassem à identidade”.
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Otobong Nkanga
Público visita o projeto Landversation [Terra-conversa], de Otobong Nkanga na 31ª Bienal São Paulo - Como (...) coisas que não existem (2014). Leo Eloy / Fundação Bienal de São Paulo.
Em 2012, a artista nigeriana Otobong Nkanga realizou na Tate Modern, em Londres, a obra Contained Measures of Shifting States [Medidas contidas de estados mutantes], uma instalação composta de mesas circulares que era, ao mesmo tempo, uma plataforma de interação entre a artista e os visitantes do museu. O objetivo da artista era criar um diálogo com o público sobre a coleção da Tate e suas diferentes origens culturais, evidenciando, dessa forma, as questões de identidade, memória e percepção subjacentes às narrativas e arranjos específicos em que as obras são apresentadas.
Em suas produções artísticas, Nkanga coloca-se como protagonista da ação, buscando criar uma espécie de mediação entre sua obra e o espaço. A artista nigeriana explora a noção de terra como um lugar de não pertencimento, ao mesmo tempo em que evoca as memórias e os impactos históricos do colonialismo.
Para a 31ª Bienal de São Paulo – Como (…) coisas que não existem (2014), Nkanga deu continuidade ao trabalho realizado na Tate Modern, em 2012, apresentando a obra Landversation [Terra-conversa]. No contexto brasileiro, ela queria abordar as relações que o Brasil e os brasileiros estabelecem com a terra. Uma série de mesas circulares foram dispostas no pavilhão, servindo de base para uma troca entre a artista e os visitantes. Neste diálogo, Nkanga evidenciava que todos possuem uma relação intrínseca com a terra, sendo esta a base, inclusive, das trocas, transmissões e das criações de redes interpessoais.
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