Projeto de Trump quer abolir arquitetura moderna em prédios públicos
O Museu Nacional da História Afro-Americana, em Washington, é um dos edifícios públicos da nova leva Foto: Lexey Swall/The New York Times
Outro dia, estava passando pelo Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana do Smithsonian, em Washington, quando o sol de inverno fez brilhar sua fachada de alumínio acobreado. O prédio parecia aquecer parte daquela paisagem toda congelada do National Mall, diante da falange fria de gigantes de pedra cinza, quase todos de desenho clássico.
Em termos de estilo, não sei como denominar a arquitetura do museu. O arquiteto ganês-britânico David Adjaye liderou a equipe responsável pelo projeto. A construção tem algo de clássico, com base e capitel; ao mesmo tempo, os padrões da fachada se inspiram nos trabalhos em ferro dos escravos do sul e a estrutura de três camadas inclinadas deriva das tradições esculturais da África Ocidental.
O projeto é uma espécie de meditação sobre os significados simbólicos do classicismo americano e sobre a maneira como o estilo funciona enquanto símbolo de orgulho, ou enquanto ferramenta da opressão e do colonialismo – dos quais o modernismo, com seu vidro transparente e inovação técnica, prometia escapar e se libertar. Em termos arquitetônicos, o museu é muitas coisas, isto para não mencionar o fato de que está sempre cercado de gente – sem dúvida o edifício público mais popular e bem-sucedido de Washington neste século.
O governo Trump está planejando uma ordem executiva, o “Make Federal Buildings Beautiful Again” [algo como “Deixar os Prédios Federais Bonitos de Novo”, inspirado no Make America Great Again], que estabeleceria o uso de estilos arquitetônicos tradicionais ou clássicos para quase todas as reformas e construções de novos prédios federais. (O Smithsonian, por acaso, ficaria livre desse direcionamento, mas eu o mencionei para ilustrar o tipo de ideias que a ordem executiva subverteria.) Qualquer projeto que queira isenção do ordenamento terá de obter a aprovação de um comitê presidencial de “re-embelezamento”. A ordem executiva visaria a várias formas de modernismo e tentará desfazer o admirado Programa de Excelência em Design da Administração de Serviços Gerais, um sistema de revisão por pares que seleciona arquitetos qualificados para projetos federais. O diretor do programa, David Insinga, renunciou na semana passada, de acordo com a revista Architectural Record, que deu a notícia sobre o ordenamento.
As notícias provocaram fortes protestos entre os arquitetos, mas também entre preservacionistas históricos e defensores da arquitetura tradicional. Isso porque a ordem executiva parece concebida para provocar tanto apoiadores da arquitetura moderna e quanto da diversidade arquitetônica. É um objeto hipnotizante, isca de Twitter. Os populistas versus as elites. A indignação arrebata a base de Donald Trump. É uma vitória para ele.
Provavelmente não será uma vitória para os proponentes da ordem executiva, como a National Civic Art Society [Sociedade Nacional de Arte Cívica], que liderou a iniciativa. Conversei com organizações que apoiam a arquitetura clássica, mas querem distância da proposta, das políticas envolvidas e da Sociedade de Arte Cívica. O National Trust for Historic Preservation [Fundo Nacional para Preservação do Patrimônio Histórico] emitiu uma nota em apoio aos atuais padrões federais: “O ordenamento colocaria em risco edifícios federais de todo o país, os quais representam toda a nossa história”. E acrescentando: “Nós nos opomos frontalmente a qualquer esforço para impor um conjunto restrito de estilos para futuros projetos federais, com base no gosto arquitetônico de alguns indivíduos”.
Ninguém sabe o que o classicismo significa, em última análise. Mas o projeto de ordem executiva faz com que pareça terrivelmente arrogante e mesquinho. Não importa que seus partidários digam que a aplicação não seria dogmática: o ordenamento suscita inevitáveis alusões a regimes autoritários que no passado impuseram suas próprias ordens arquitetônicas e desenterra imagens do Estados Unidos pré-guerra, quando a arquitetura clássica federal estava na moda. Associações como estas podem parecer exageradas. Mas a ordem executiva também é.
O simples fato de estarmos discutindo esse tema já é degradante, assim como muitas outras coisas do debate público dos Estados Unidos dos dias de hoje. Precisamos dizer que os Estados Unidos há muito tempo exercem seu soft power construindo embaixadas e outros edifícios cuja inconformidade arquitetônica transmite uma conveniente mensagem de otimismo, inovação e liberdade?
“Nossa capacidade de competir efetivamente nos mercados internacionais depende, em grande medida, de um elemento muitas vezes esquecido, mas fundamental: a qualidade do nosso design”. Foi isto que o presidente Ronald Reagan disse em 1987, quando anunciou uma segunda rodada de prêmios federais por excelência em design, iniciativa precursora do Programa de Excelência em Design que o ordenamento proposto quer extinguir.
E seria necessário apontar por que alguém defende o direito estatal de atacar a arquitetura específica dos diversos locais, estilisticamente concebida para se adequar às diversas culturas americanas, e apoia a obediência a uma ordem de Washington? Ou explicar por que as divergências sobre o estilo arquitetônico têm a ver com uma sociedade saudável e democrática em ação? Afinal, não existe um estilo único de arquitetura que represente a nação – ou que não provoque, nem deva provocar, debate.
A ordem executiva toma de empréstimo a linguagem dos “Princípios Orientadores para a Arquitetura Federal”, que Daniel Patrick Moynihan escreveu em 1962, quando o futuro senador ainda estava no Departamento de Trabalho de Kennedy. Moynihan acreditava que a arquitetura federal deveria “dar testemunho visual da dignidade, engenhosidade, vigor e estabilidade do governo americano”. A nova proposta também fala de dignidade, engenhosidade, vigor e estabilidade.
Mas desfaz os princípios-chave dos quais, como Moynihan deixou claro, dependem esses objetivos: o design deve “fluir da profissão de arquiteto para o governo, e não vice-versa”, porque a especialização é importante e “deve-se evitar um estilo oficial”.
No clima político atual, pode parecer inútil abordar a questão da hipocrisia, então vamos deixar de lado as modernas torres de vidro de Trump. O projeto de ordem executiva elogia o prédio de Washington agora conhecido como Eisenhower Executive Office, dizendo que é “belo e amado”. Harry Truman o chamou de “a maior monstruosidade da América”. Basta dizer que mudanças de gosto e estilo são, por definição, o critério mais superficial para avaliar a arquitetura.
Os edifícios, assim como as pessoas, merecem ser considerados e julgados individualmente. O contexto é importante. Às vezes vem um fracasso, como acontece com qualquer coisa significativa na vida. O acréscimo de colunas coríntias ou janelas palladianas a um tribunal federal ou embaixada não garante nada acerca da funcionalidade do edifício para as pessoas que o usam, nem dá testemunho de dignidade, engenhosidade, e vigor do governo dos Estados Unidos. Não vou começar a listar todos os edifícios tradicionais do país que considero lindos e inspiradores. Mas, para mim, colunas gregas e janelas italianas não fazem um edifício parecer mais americano.
A armadilha é cair em um debate sobre gosto ou estilo. Seria o tipo de polêmica cultural que o presidente adora cultivar e explorar. Assim como a maioria das pessoas, posso fazer uma lista de edifícios modernos de que não gosto. Mas, se eu dissesse que admiro o Chicago Federal Center de Mies van der Rohe, ou o Palácio de Justiça de Thomas Phifer, em Salt Lake City, ou o Oklahoma City Federal Building de Ross Barney, estaria apenas dando munição para os inimigos do Twitter e para os defensores do “Deixar os Prédios Federais Bonitos de Novo”, que basicamente estão argumentando que a arquitetura federal, como o Colégio Eleitoral, na verdade não precisa representar todas as pessoas, mas apenas algumas pessoas.
No final, somos o que construímos. Caso ninguém tenha notado, a infraestrutura do país está em ruínas, há uma ampla escassez de moradias acessíveis e o governo federal continua desperdiçando anos sem fazer nada.
Isso parece um indicador tão preciso do estado da união quanto o número de colunas na fachada de um tribunal. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU