Cultura precisa de dados e incentivos para ampliar impacto na economia
SÃO PAULO
A arte no Brasil tem um forte peso econômico e poderia ter muito mais se houvesse política pública efetiva para o setor. Esse foi o consenso entre os participantes de um dos debates do seminário Economia da Arte, realizado pela Folha e pelo Itaú Cultural na manhã da segunda-feira (20), em São Paulo.
A indústria criativa foi responsável por injetar R$ 171 bilhões na economia brasileira em 2017, segundo os dados mais recentes do Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, levantamento realizado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). O montante foi equivalente a 2,6% do PIB do país naquele ano.
A geração de empregos é significativa: somadas, as áreas de audiovisual, patrimônio e artes, música, artes cênicas e expressões culturais empregaram 106 mil pessoas em 2017.
Entretanto, não existem dados oficiais reunidos pelo governo sobre o tamanho desse mercado e seus impactos em outras áreas. A falta dessas informações, dizem os especialistas, atrapalha a criação de políticas públicas para o setor e faz sobrar preconceitos nas discussões sobre incentivos da parte do governo.
“Os dados que existem sobre a economia criativa são frágeis e desencontrados. O país nunca teve uma estratégia para desenvolver a cultura. Precisamos que a sociedade entenda a importância da arte para a economia”, afirmou Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, no evento.
Para Cláudio Lins de Vasconcelos, advogado especializado em economia criativa, o país precisa estabelecer uma política estável para o tema. “Esse setor só se desenvolve com continuidade. Sem isso, vai ser um eterno soluço”, afirmou.
“O desafio maior é parar de tratar a cultura como política de governo e transformá-la em política de Estado”, concordou o ator e diretor de teatro Odilon Wagner.
Hoje, estamos atrasados mesmo em relação a países vizinhos como a Colômbia, disse Vasconcelos.
“A indústria criativa mudou a Colômbia, país que tem uma economia mais simples que a nossa, mas é parecido com o Brasil em termos de produção cultural. A diferença é que eles abraçaram o setor como um vetor para o desenvolvimento”, afirmou o advogado.
A área cultural corresponde a 2,4% do PIB colombiano, segundo dados oficiais, e o atual governo tem a meta de ampliá-la para 7% até 2022.
No mundo todo, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) estima que o setor da cultura seja o responsável por gerar cerca de 30 milhões de empregos e movimentar US$ 4,3 bilhões ao ano (R$ 17,4 bilhões), equivalente a aproximadamente 6% da economia global.
De acordo com Vasconcelos, se o mercado gerado pelo setor da cultura e da arte mundialmente fosse um país, ele seria a 7ª maior economia do planeta.
As oportunidades são imensas e, para o advogado, as vantagens comparativas que o Brasil tem na área da cultura o tornam um dos atores mais competitivos internacionalmente nesse setor. “Tirando Reino Unido e Estados Unidos, o Brasil foi o principal produtor de música popular no século 20. Devemos investir em arte e cultura porque somos bons nisso e temos essa vocação”, afirmou Vasconcelos.
“Para sermos uma potência tecnológica precisamos investir muito e esperar. Em cultura, já somos relevantes hoje”, completou o advogado.
Os debates do seminário tiveram a mediação de Eduardo Saron, do Itaú Cultural, e de Marcos Augusto Gonçalves, editor da Ilustríssima. Cerca de 260 pessoas lotaram o auditório do Itaú Cultural, na avenida Paulista.
A parceria entre Folha e Itaú Cultural realizará ainda mais dois seminários, gratuitos, para discutir a Economia da Arte: no dia 19 de agosto, os debates serão sobre o arcabouço legal de financiamento das artes, e no dia 25 de setembro, sobre a influência da pauta de costume.
INVESTIMENTOS EM CULTURA TÊM IMPACTO SOBRE OUTROS SETORES
A falta de dados oficiais da indústria da arte esconde benefícios que o setor pode trazer para outras áreas, segundo Leandro Valiati, economista da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e professor visitante na Universidade Queen Mary, em Londres.
Um estudo realizado pela consultoria Tendências em 2016, por exemplo, indicou que para cada emprego criado na área de audiovisual outros dois empregos surgem em outros setores devido à demanda induzida.
Valiati, que não participou dos debates, mas estuda o impacto da cultura e trabalha com a criação de indicadores que possam demonstrar esses efeitos, disse que há uma cadeia de benefícios socioeconômicos que podem transformar a sociedade.
“Todos os países relevantes no mundo têm a cultura hoje como algo estratégico pelos retornos amplos que ela oferece”, diz.
“Economia é questão de fazer escolhas, e a cultura é uma boa escolha no escopo da economia mundial”, conclui Valiati.
Colaborou Laura Castanho