'Não dá para fechar um museu com uma coleção de R$ 150 milhões', diz Carlos Gradim, diretor do MAR
RIO — Criada por Marcos Chaves, a bandeira “Vai passar” tremula desde abril no mastro do Palacete D. João VI, um dos prédios que compõem o Museu de Arte do Rio (MAR). Confeccionado em verde e rosa, o estandarte tem a inscrição-título em um dos lados e, do outro, um intrigante ponto de interrogação. A dúvida proposta pela obra de Chaves sintetiza também a situação do museu, mergulhado numa crise financeira que parece nunca passar.
Ainda que siga com sua programação normal e tenha duas exposições previstas para novembro — uma individual de Maxwell Alexandre e a instalação “Aranha”, de Louise Bourgeois — desde anteontem o que mais se escuta, dentro e fora do museu, são os rumores de seu fechamento no fim do mês. Os temores se tornaram mais fortes após a decisão do Instituto Odeon, organização social (OS) que administra o equipamento municipal desde sua abertura, em 2013, de pôr a equipe de 62 funcionários e 18 estagiários, além de outros 46 terceirizados, em aviso prévio, após atraso nos repasses de R$ 398 mil devidos pela prefeitura desde setembro . Segundo a OS, até o final do contrato, no fim do ano, a Secretaria Municipal de Cultura (SMC) ainda precisaria fazer um repasse de R$ 600 mil até o próximo dia 20 e outros dois, de R$ 300 mil e R$ 243 mil, até 20 de dezembro.
A decisão drástica veio após a saída da diretora executiva, Eleonora Santa Rosa, e do diretor cultural, Evandro Salles, além de outros oito funcionários, no início do mês . Em uma rede social, no dia 2 de novembro, Salles citou “uma profunda crise financeira e política vivida pela instituição”, o que levantou o alerta de que o MAR estaria em risco. De acordo com Carlos Gradim — fundador do Instituto Odeon e atualmente acumulando as funções de diretor presidente e diretor executivo do museu — a decisão de dar aviso prévio aos funcionários é para garantir seus direitos caso prefeitura e OS não cheguem a uma solução.
— Nossa intenção é manter o museu em funcionamento. Continuamos trabalhando na programação planejada para 2020. Mas, ao mesmo tempo, temos que preservar os direitos dos trabalhadores — diz Gradim. — Conseguimos garantir o fundo rescisório até o momento, mas a partir de agora entraríamos em uma fragilidade jurídica.
Procurado, o secretário de Cultura, Adolpho Konder, não deu entrevista. Em nota, a SMC citou a crise econômica do país, que obriga a prefeitura a trabalhar com a “realidade do que popularmente é chamado de ‘cobertor curto’”, segundo a qual para manter “as escolas funcionando, investindo na saúde, às vezes é necessário postergar outros compromissos”. A secretaria reafirmou a intenção de encontrar, junto à Fazenda, “a melhor solução financeira para que o MAR possa continuar funcionando plenamente”, e prometeu uma solução ainda esta semana.
Campanha no STF
Enquanto a prefeitura não aponta uma solução para o equipamento, o risco de seu fechamento repercute entre o meio artístico e a sociedade civil. À frente do movimento #342artes, Paula Lavigne vem conversando com outros artistas sobre a possibilidade de lançar uma campanha em defesa do museu.
— Mas defendo que o MAR entre com uma liminar e que a nossa campanha seja junto ao STF para evitar o seu fechamento — diz Paula. — Não adianta uma campanha para sensibilizar o prefeito, ele não gosta de cultura
Gradim diz acreditar no empenho de Konder junto à secretaria de Fazenda e ao prefeito sobre a importância de se manter o MAR em funcionamento, mas entende não haver mais viabilidade para a OS seguir trabalhando sem os repasses devidos, sobretudo após as reduções na casa de 25% feitas em contratos aditivos recentes. Segundo ele, o museu precisaria de uma receita de cerca de R$ 1 milhão por mês, mas atualmente vem funcionando com R$ 700 mil mensais, dos quais R$ 380 mil são destinados a custos fixos, como energia, água e manutenção. Além dos aportes da prefeitura, o museu contou em 2019 com uma receita de R$ 7,3 milhões captados junto à iniciativa privada em leis de incentivo e patrocínio — que não podem ser usados para folha de pagamento — e uma renda própria de R$ 856 mil, incluindo bilheteria e locações para eventos (números de janeiro a outubro).
— Além da preocupação dos funcionários, precisamos zelar pelo acervo criado nestes sete anos, de cerca de nove mil obras, 100% delas doadas. Não dá para simplesmente fechar um museu com uma coleção avaliada em R$ 150 milhões, nem acabar com uma equipe que tem uma memória do local, sabe como operar o museu — ressalta Gradim.
Inaugurado em 2013, o MAR segue um programa que aborda a história da cidade, levando em conta sua diversidade, simbologias e contradições. Em 60 exposições, a vida cultural carioca (e brasileira) foi explorada em diversos ângulos, em mostras de sucesso como “O Rio do samba” (2018-2019), recordista de público, com 200 mil visitantes. A vocação popular do museu também se espelha na relação com a Zona Portuária: o programa de gratuidade para moradores da região, o Vizinhos do MAR, conta com mais de 4 mil visitantes.
O MAR em números
398 mil reais de repasse devidos pela prefeitura desde setembro
9 mil obras no acervo doadas à instituição
2,8 milhões de visitantes desde a abertura, em 2013
60 exposições desde 2013
557 mil visitantes em 2019 (até 10 de novembro)