Ministério da Cultura chega ao fim e muitas dúvidas inquietam o setor
RIO — Criado em 1985, o Ministério da Cultura (MinC) foi extinto na manhã desta quinta-feira, com anúncio oficial do presidente em exercício Michel Temer. De acordo com a nova composição do governo, que terá 23 ministérios — nove a menos que o governo anterior —, a Cultura ficará vinculada ao Ministério da Educação (MEC). A decisão, porém, gera uma série de dúvidas, entre elas o peso que a área passará a ter. Deputado federal pelo DEM-PE, José Mendonça Bezerra Filho tomou posse à tarde como ministro da Educação e Cultura. Horas antes, não sabia ainda se estaria assumindo um duplo ministério ou se a Cultura teria status de secretaria.
Antes de Temer decidir acabar com o MinC, o deputado Roberto Freire (PPS-SP) chegou a ser convidado para a pasta — e desconvidado em seguida. Cogitou-se, então, que ele assumisse uma Secretaria de Cultura, que seria criada dentro da estrutura do MEC. Nesta quinta-feira, no início da tarde, Freire chegou a conversar com O GLOBO para detalhar planos da secretaria. No fim da tarde, negou seu envolvimento.
Vice-governador de Pernambuco entre 1999 e 2006, quando assumiu o governo, Mendonça Filho nunca ocupou um cargo nos campos da Educação e da Cultura, embora afirme ter estado “diretamente ligado a projetos e programas dedicados a esses setores” durante seu governo. Até fevereiro, era líder do Democratas na Câmara, e um dos mais fortes opositores ao governo Dilma.
O fim do MinC e a integração da Cultura à Educação geraram repercussão negativa no setor cultural e entre representantes da classe artística de todo o país. Ainda que a atuação do ministério tenha variado ao longo dos anos, para muitos profissionais da área a mudança enfraquece o setor dentro do governo, e evidencia o desprestígio e a desvalorização da Cultura pelo presidente em exercício.
Entre os temores estão a perda de capacidade de gestão, o desmonte de equipe, a interrupção de projetos e programas, alterações nas leis de incentivo e nos fundos de Cultura, assim como a redução de verbas — em 2016, o orçamento do MinC foi o menor dos últimos nove anos, com R$ 604 milhões disponíveis para os “gastos discricionários” (despesas não fixas).
Ao longo da semana, o ex-ministro Juca Ferreira, exonerado ontem, deu declarações citando a fusão como uma “irresponsabilidade” e “um retrocesso de mais de 20 anos”. Ferreira qualificou a fusão como um erro “porque há uma especificidade” e “uma soma de legados e acumulações” na pasta.
Secretário-executivo do MinC entre 2008 e 2010 e atual diretor-presidente da SP Cine, Alfredo Manevy diz que o fim do MinC representa um retrocesso “de mais de três décadas”. Para ele, “a fusão é um eufemismo para a extinção do ministério”.
— A partir de uma canetada, todo um acúmulo de ações, conhecimentos e projetos corre o risco de desaparecer — diz Manevy. — Estamos no túnel do tempo rumo a um passado obscuro, para uma mentalidade anterior aos anos 1970.
Ele lembra que o MinC foi criado em 1985 como símbolo da redemocratização:
— Seguimos assim as grandes democracias internacionais que passavam a valorizar e a reconhecer a cultura como um direito humano fundamental. Isso começa na Europa nos anos 1970 e 80, quando os países passam a garantir a representatividade da cultura com ministérios. O Brasil segue esse caminho e, como signatário da Convenção da ONU de 2005, tem o dever de garantir isso. A existência de um ministério é condição para se realizar políticas culturais.
Ex-ministro da Cultura do governo Fernando Henrique Cardoso (entre 1995 e 2002), Francisco Weffort diz que a reincorporação da Cultura ao MEC é “deixar de avançar”.
— A fusão não beneficia nenhum dos dois lados — afirma. — O estado brasileiro tem muita dificuldade em reconhecer a importância da Cultura, e em consolidar uma política cultural. É preciso tomar cuidado para evitar mudanças nas leis de incentivo, mudanças que tenham impacto nas deduções fiscais. Mas não acho que a integração vai afetar essa questão do financiamento; as leis de incentivo e os fundos de cultura não devem ser alterados.
Secretário da Cultura (entre 1991 e 92, quando o MinC perdeu o status de ministério), o diplomata Sérgio Paulo Rouanet, cujo nome batizou a lei de incentivo em vigor, “quer crer que a junção não seja um desastre”.
— Cultura é fundamental em qualquer país, sobretudo nesta fase surreal da política brasileira. A melhor maneira de realçar a cultura não seria através da criação de uma nova burocracia — diz ele.