Ibram reconhece pontos ‘obscuros’ de decreto, mas não garante mudanças
Documento que prevê intervenção do governo em coleções particulares de arte foi tema de debate em reunião em São Paulo; agora, galeristas devem encaminhar pedido de alterações ao órgão
Audrey Furlanet
Em reunião na casa da galerista Luisa Strina, em São Paulo, nesta quinta-feira, o presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), Ângelo Oswaldo, ouviu as queixas de galeristas e colecionadores sobre o decreto que, desde quando foi assinado pela presidente Dilma Rousseff, em outubro, vem causando polêmica.
Pelo documento, o órgão poderá declarar “bens de interesse público” obras em museus e também em coleções particulares, passando, então, a inspecionar tais peças, com controle desde o restauro até a venda dos trabalhos. Na reunião, galeristas como Alessandra D’Aloia, da paulistana Fortes Vilaça, colecionadores como João Figueiredo Ferraz e diretores de instituições como Eduardo Saron, do Itaú Cultural, reforçaram a preocupação com o decreto, temendo que a intervenção do governo burocratize a comercialização de obras de arte e leve à retração dos negócios no setor.
O presidente do Ibram reconheceu que o documento tem, de fato, pontos “obscuros”, como “todas as matérias de legislação”.
— Não há um modo de compreensão automática quando se trata de matérias legislativas. Fomos vítimas de uma espécie de tiroteio de informações alarmistas, e esta reunião foi a primeira chance de apresentar esclarecimentos — disse em entrevista ao GLOBO.
Embora admita que o decreto não deixa claros alguns aspectos, Ângelo Oswaldo, porém, disse que não pode garantir mudanças no documento.
— Vamos acolher um documento com demandas (que será organizado, segundo ele, pelo diretor do Itaú Cultural e enviado ao Ibram). Isso não significa que vamos alterar o decreto. Precisamos da análise técnica para ver quais são os pontos preocupantes e, apenas se for o caso, a ministra Marta Suplicy poderá fazer uma portaria para alterá-lo — afirmou. — Vou acolher a manifestação e analisá-la, é apenas isso o que quero dizer. O que senti é que houve um grande mal-estar, as pessoas se sentiram prejudicadas, mas elas não sabem exatamente o motivo. Tenho que acolher os pontos controversos e analisar.
Oswaldo informou que, em dezembro, o Ministério da Cultura e o Ibram devem fazer uma “convocação pela internet para receber manifestações sobre o decreto”. O espaço, segundo ele, ficará aberto durante dez dias e, em seguida, os pedidos serão organizados e analisados pelo conselho do Ibram — este, porém, será reconstituído no final do ano e, assim, as manifestações online serão analisadas a partir de janeiro.
No próximo dia 13, o órgão deve se reunir com galeristas e colecionadores do Rio, no Museu da República. A pauta segue sendo o polêmico decreto.
Da polêmica aos impostos
Como revelou o GLOBO, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), de São Paulo, vai discutir o documento em sua comissão de direito constitucional. O advogado Roberto Dias, membro da comissão e professor da disciplina na PUC-SP, afirmou que, “numa análise inicial, pode-se dizer que há, sim, partes importantes do decreto que ferem a Constituição Brasileira”. Ângelo Oswaldo rebateu:
— Nosso decreto é constitucionalíssimo! As galerias deviam ter lido o decreto com mais calma. Os representantes do mercado não deviam ter feito esse alarmismo, fizeram o alarde. Disseram até que é inconstitucional. As pessoas esqueceram que nossa Constituição é uma das raras no mundo que tratam exclusivamente da preservação de patrimônio. Ou seja, isso já está na Constituição!
Ao fim da reunião, ainda segundo o presidente do órgão, galeristas e colecionadores pediram a ele que encaminhe o pedido de redução dos impostos de importação de obras de arte no Brasil. Atualmente, o custo para se trazer uma peça de forma definitiva ao país pode chegar a 50% de seu valor.
— Como as pessoas estavam mais serenadas com a ideia de intervencionismo que se atribuiu ao decreto, chegou-se ao tema da tributação da obra de arte brasileira quando ela entra no Brasil. Hoje, com a globalização, artistas brasileiros moram no exterior e produzem fora e, às vezes, nem trazem a obra ao país para não serem taxados. O patrimônio brasileiro está perdendo, é importante que essa obra venha. Esse é um assunto que o Ibram já vinha estudando para levar ao MinC e, agora, vamos nos aprofundar para levar uma proposta à ministra. Ela, então, poderá encaminhar o caso ao Ministério da Fazenda — explicou Oswaldo.