Colecionadores de arte evitam expor obras por receio de intervenção do Estado
FLÁVIA FOREQUE
VALDO CRUZ
Alvo de crítica de galeristas e colecionadores, decreto assinado em outubro pela presidente Dilma Rousseff sobre o setor das artes começa a causar efeitos práticos.
O texto estabelece regras para que o Estado aponte uma determinada obra de interesse público. Uma vez assim classificada, ela pode ser monitorada e até mesmo impedida de deixar o território nacional sem prévia autorização.
Preocupados com as novas regras, classificadas pelo setor como uma medida intervencionista, colecionadores de telas, esculturas e demais obras evitam expor os trabalhos para não serem alvo de eventual intervenção do poder público.
Neste mês, uma obra do concretista Waldemar Cordeiro (1925-1973) não foi cedida pelo proprietário para uma exposição na galeria Luisa Strina, em São Paulo, em razão dos termos do decreto.
"Por que vou exibir e colocar holofotes se o Estado não tem um banco de dados preciso sobre onde estão essas obras?", questiona um colecionador, que não quis se identificar.
Presidente da Abact (Associação Brasileira de Arte Contemporânea), Eliana Finkelstein afirma que o texto gerou surpresa no setor.
"É um decreto de uma tal abrangência que fica difícil entender o que se quer dali. E é óbvio que a dúvida gera o desespero."
Esse receio pode acabar motivando um efeito cascata. "Se os colecionadores ficam acuados –e de fato ficaram– deixam de comprar. E isso afeta as galerias", afirma Finkelstein.
A Folha apurou que, dentro do governo, auxiliares presidenciais defendem mudanças no decreto para evitar tensões com a área artística. A avaliação é que o erro foi adotar a medida sem consultar o setor.
A polêmica atingiu não apenas a comunidade artística como também a jurídica: advogados se debruçaram sobre o tema e apontaram trechos que ferem a Constituição Federal.
A seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil chegou a elaborar um parecer sobre o decreto, com críticas a diversos pontos.
Diante das reações contrárias, o presidente do Ibram (Instituto Brasileiro de Museus), Angelo Oswaldo, promoveu encontros com personalidades do setor para debater o assunto. Para ele, essa é uma "polêmica equivocada".
"Não há razões para qualquer retração ou restrição. O mercado e os colecionadores já perceberam que houve muito barulho por nada", disse ele, por meio de assessoria de imprensa.
Oswaldo ainda refuta a tese de que o decreto seja inconstitucional. "A nossa Constituição desce a detalhes conclusivos em termos de proteção do patrimônio cultural. Refere-se a tombamento, registro, inventário. E diz, com clareza, que a tarefa é de todos, do Estado, da sociedade e dos cidadãos. Estamos, na verdade, cumprindo estritamente a norma constitucional."
A presidente da Abact afirma que o governo já sinalizou com eventuais ajustes ao texto. "Estou particularmente otimista com essa possibilidade", disse.
A controvérsia acabou jogando luz sobre outra preocupação do setor: a incidência de impostos sobre obras de arte repatriadas. Segundo agentes do setor, o montante cobrado chega a 50% do valor da obra.
"A ministra Marta Suplicy recomendou plena atenção [ao tema]. Espero que possamos rapidamente chegar a bons resultados", disse o presidente do Ibram.
Link para a matéria original: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/12/1389362-colecionadores-de-arte-evitam-expor-obras-por-receio-de-intervencao-do-estado.shtml