Você está aqui: Página Inicial / Dossiês / Dossiê Inhotim / Inhotim entra em nova fase com doação definitiva de acervo de Bernardo Paz

Inhotim entra em nova fase com doação definitiva de acervo de Bernardo Paz

Museu também vai adotar nova gestão com conselho formado por nomes como Roberto Setúbal e Keyna Eleison

 

Imagem 4 doação Bernardo Paz

Imagem Inhotim

 

Por Folha de S. Paulo https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2022/06/inhotim-entra-em-nova-fase-com-doacao-definitiva-de-acervo-de-bernardo-paz.shtml

O Instituto Inhotim, um dos museus mais importantes do país, entra numa nova etapa de independência de seu fundador, Bernardo Paz. O empresário fez a doação definitiva das coleções do museu, que eram de sua propriedade, à instituição e também criou um novo conselho que será a instância máxima de gestão.

 

O museu a céu aberto em Brumadinho, nos arredores de Belo Horizonte, começou como uma coleção privada de Paz nos anos 1980 e abriu para a visitação pública em 2006, o que ele considera o marco desse projeto de tornar a instituição mais independente.

 

"A doação é parte de um processo natural que nasce de um projeto de vida que foi se ampliando ao longo dos anos e agora é o momento de consolidar essa vocação pública e preparar isso para o futuro", diz o empresário, em entrevista por email.

 

Mais de 400 obras de arte contemporânea, as galerias que estão no Inhotim e as áreas com o jardim desenhado por Burle Marx fazem parte dessa doação. Entre as peças, há trabalhos de nomes como Anri Sala, Nelson Leirner, David Lamas —alguns não estão no instituto agora e serão incorporados a exibições futuras.

 

Além desse gesto de reforçar uma vocação pública que Paz quer imprimir no museu, na prática essa doação também faz com que a direção artística, comandada pela venezuelana Julieta González, participe dos processos de aquisição e tenha uma leitura mais ativa do acervo atual.

 

"Existe um desejo da instituição e da curadoria de tornar Inhotim um espaço mais vivo e com uma programação mais atuante", afirma o diretor Lucas Pessôa, que assumiu o cargo no começo deste ano, assim como González. A própria contratação da nova equipe, afirma ele, é reflexo desse propósito de Paz.

 

Já é resultado disso na curadoria trazer o Museu de Arte Negra, projeto idealizado pelo intelectual Abdias Nascimento, em mostras divididas entre atos durante todo o ano e outras exposições coletivas inauguradas com uma frequência maior do que acontecia em anos anteriores.

 

A nova equipe já havia sinalizado a intenção de criar uma programação que também travasse diálogos mais firmes entre natureza e arte e dar atenção a temas como ecologia e sustentabilidade.

 

Julieta Gonzáles enxerga como uma virada importante na coleção do museu mineiro uma aquisição maior de obras de artistas e temas afro-diaspóricos.

 

"Essas obras abrem muitas avenidas de pensamento e de pesquisa. E isso não só para pensar as próprias culturas afro-diaspóricas, mas também para se pensar a relação com a terra e em culturas e saberes não cartesianos num momento em que queremos deter essa máquina que acaba com o mundo natural", diz ela.

 

Pêssoa afirma que, nesse processo, a instituição também entendeu que era necessário uma nova governança para o Inhotim. Por isso, foi criado um conselho deliberativo e fiscal, com mandatos alternados, que será a instância máxima do espaço.

 

O grupo, formado por 20 pessoas e que pode chegar a 30 integrantes, terá Paz como presidente, o empresário Eugênio Mattar, da Localiza, como vice e nomes como Roberto Setúbal e Keyna Eleison. O diretor também diz que o norte dessa formação foi chamar pessoas de origens e regiões distintas.

 

Dono da Itaminas, conglomerado formado por 29 empresas, Paz foi absolvido de uma acusação de lavagem de dinheiro em 2020. Imbróglios do grupo já chegaram a pôr em risco a doação de obras do museu ao governo para quitar dívidas.

 

"Fiquei realmente muito abalado com a acusação, ao longo de todo o processo. Depois de inocentado por unanimidade, meu ânimo voltou, principalmente porque voltei a focar minha energia aqui, a pensar no futuro, na expansão e na perenidade do Inhotim. Hoje consigo enxergar a existência do Inhotim para além da minha, o que me causa alívio e alegria", afirma ele.

 

Paz diz, no entanto, que a doação das obras para a instituição nada tem a ver com esses problemas. "Esse é o desdobramento de um processo natural que se iniciou em 2006, com a abertura da minha coleção privada à visitação pública, e agora se consolida com a doação e a presença da sociedade civil de forma mais ampla na governança", ele afirma.

 

Com um custo anual de R$ 60 milhões, hoje dois terços desse valor vem de aportes do próprio empresário —e, segundo Pêssoa, o diretor, toda essa movimentação também visa criar uma independência financeira de Paz ao longo dos anos.

 

A bilheteria e outras fontes correlatas representam 10% da receita do Instituto Inhotim, que ainda tem de 25% a 30% de recursos chegando via Lei de Incentivo à Cultura.

 

Isso acontece num momento que o museu e todas as instituições culturais também tentam se reerguer depois do fechamento em função da pandemia. Em 2020, por exemplo, o espaço só recebeu 48 mil visitantes, número que já saltou para quase 103 mil no ano passado.

 

O diretor da instituição afirma que é preciso algum distanciamento histórico para entender o peso dessa decisão de Paz, mas que já a considera uma "quebra de paradigmas" do que o setor privado pode fazer com instituições culturais que caminham para serem públicas.

 

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2022/06/inhotim-entra-em-nova-fase-com-doacao-definitiva-de-acervo-de-bernardo-paz.shtml