Guggenheim-Rio, texto de Henry Chu
Matéria publicada originalmente em inglês no jornal Los Angeles Times, em 29 de novembro de 2004, na página A3.
Prioridades questionadas em razão do suntuoso plano de construção de museu no Rio de Janeiro
Henry Chu
Essa cidade consciente de seu status gaba-se de lojas com design italiano, um hotel que está sendo construído pelo designer Philippe Starck e seus corpos desenhados que circulam pelas praias, cortesia do apreço brasileiro pelas cirurgias plásticas.
Agora o Prefeito do Rio de Janeiro procura desesperadamente planejar um museu com design arrojado e está preparado para desembolsar uma fortuna.
Após sua eleição no mês passado para um segundo mandato de quatro anos, sua primeira ação foi enviar um acólito para Nova Iorque para reativar os planos de erguer na cidade a maior de todas as marcas do circuito internacional de museus: Guggenheim.
Parece irrelevante o fato de um tribunal local ter suspendido o contrato assinado por Maia com a Fundação Solomon R. Guggenheim no ano passado, ou ainda que uma crescente oposição despreze sua proposta, interpretada como demonstração de seu orgulho arrogante e de sua loucura qual o homônimo romano. Sem contar que o preço da fatura facilmente ultrapassará 200 milhões de dólares numa cidade aonde milhares são ainda muito pobres para ter acesso à água encanada e eletricidade.
Maia, político conhecido por sua ambição e que alguns chamam de tirano, está determinado em persistir no seu plano de construir um complexo artístico de desenho francês, meio submergido na suja Baía de Guanabara. Ancorado por uma filial do Guggenheim, mostrará trabalhos brasileiros clássicos (sic) e contemporâneos, o complexo pretende revitalizar a abandonada zona portuária do centro da cidade e atrair turistas e cruzeiros de todo o mundo, declara o prefeito.
Contando com um acervo baseado na coleção Guggenheim e no trabalho de alguns artistas contemporâneos brasileiros, o complexo seria o ponto de partida para um projeto de revitalização da área portuária, ponto estratégico para atrair turistas e navios passantes em cruzeiros.
"Se eu não acreditasse que seria vitorioso na construção do museu, não estaria reativando o projeto novamente", ele disse ao Jornal do Brasil logo depois de sua reeleição.
Mas determinação também persiste entre aqueles que querem barrar o projeto; uma coalizão de políticos, artistas, arquitetos e habitantes que acreditam que as prioridades do Prefeito estão equivocadas para uma cidade atormentada com altas taxas de homicídio, desemprego e escolas arruinadas.
Até aqui, os opositores têm a lei a seu favor. A Justiça decidiu que Maia não tinha o direito de assinar um acordo comprometendo a cidade financeiramente por uma década inteira e que o contrato assinado com a Fundação Guggenheim estava equivocadamente baseado nas leis americanas e não nas brasileiras.
"O projeto não é apenas muito caro, mas repleto de irregularidades e ilegalidades", diz Eliomar Coelho, vereador da cidade que encabeça a oposição ao plano do prefeito.
A administração de Maia apelou do embargo e seu emissário voou para Nove Iorque no mês passado para persuadir a fundação a não desistir da filial no Rio.
Os representantes do Guggenheim recusaram-se a discutir as negociações. "Todas essas questões são incrivelmente delicadas", diz o porta-voz Anthony Calnek.
Convencer os cariocas dos méritos desse projeto é um desafio ainda maior do que convencer a fundação. Depois da Prefeitura ter gasto $ 2 milhões num estudo de viabilidades e trabalhado para fechar o acordo, a proposta passou por um tribunal popular, que incluiu protestos na praia - sempre um sinal do quanto os cariocas são sérios - e cartazes mostrando uma menina de rua bebendo água numa poça na calçada com os dizeres: "O Rio precisa desse museu?"
Alguns arquitetos locais ficaram irritados com a notícia que um francês, Jean Nouvel, fora o escolhido em detrimento dos talentos brasileiros.
Também os artistas, acharam um absurdo, despejar tanto dinheiro na construção de um gigantesco museu que competiria com as outras instituições da cidade, muitas delas estranguladas pelas microscópicas receitas e estruturas deterioradas.
O Museu Nacional no Rio, que já foi um palácio e é o museu mais antigo do Brasil, teve um orçamento de menos de $ 9 mil no ano passado para cuidar de uma enorme coleção de obras de ciência natural. O plano de César Maia para o Guggenheim pagaria mais de mil vezes esse valor - excessivos $ 10 milhões - apenas para os serviços de arquitetura de Nouvel.
"Um investimento como esse não faz sentido quando o governo não consegue cuidar do que já tem", diz Ruy Alves, diretor do Museu Nacional, que é mantida por verbas federais. "Nós temos vazamentos, riscos de furto e todo tipo de problemas; outros importantes museus enfrentam a mesma situação... Para o nosso país, construir um Guggenheim, é, no mínimo, politicamente incorreto."
O único vitorioso dessa história, dizem os opositores, seria a Fundação Guggenheim, que persegue agressivamente o licenciamento do seu nome como um meio de aliviar os seus problemas de caixa.
Confiante, Maia argumenta que o museu teria o chamado "efeito Bilbao", como o Guggenheim de Frank Gehry em Bibao na Espanha, que transformou uma pequena cidade desconhecida num pólo turístico internacional.
As previsões do Prefeito de que a versão carioca do museu atrairia 1 milhão de visitantes por ano são vistas com escárnio. O Museu Nacional recebe anualmente apenas 60 mil visitantes.
E por que traçar um paralelo com a cidade de Bilbao, dizem os críticos, se o Rio já é um dos pontos consagrados pelo turismo?
"Os turistas não virão ao Rio trazidos pelo Guggenheim", diz Eliomar Coelho. "O que atrai o turista ao Rio de Janeiro são suas belezas naturais, a cidade erguida entre o oceano e a floresta".
Fonte: http://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/000352.html