Masp: um conselho aos conselheiros
VALOR ONLINE
02 de junho de 2006
Cultura
Fonte: MENGOZZI. F. Masp: um conselho aos conselheiros. Valor Online. Cultura. 02/06/2006. Disponível em http://www.valoronline.com.br/valoreconomico/285/euefimdesemana/cultura/Masp+um+conselho+aos+conselheiros,,,47,3718691.html. Acesso em 05/06/2006.
Masp: um conselho aos conselheiros
por FEDERICO MENGOZZI
Quando tinha 82 anos, ao ver as paredes do museu que constituiu e dirigiu por décadas emporcalhadas com propaganda eleitoral, o professor Pietro Maria Bardi, para demonstrar sua indignação, pediu que escrevessem em palavras garrafais uma palavra de cinco letras. Foi chamado a depor e soube que, pela idade, era inimputável. Ganhou os aplausos da cidade. Hoje, estivesse vivo, diante da situação em que se encontra o museu, o "seu" Masp, faria coisa semelhante. Mais: com o beneplácito do fundador do museu, Assis Chateaubriand, que sempre avalizou suas atitudes.
Após sucessivos desastres, que o levaram a perder a importância que tinha, a perder público, a temer pelo futuro, chegou-se ao corte do fornecimento de energia elétrica ao Museu de Arte de São Paulo. Vale lembrar que ele guarda o mais importante acervo artístico brasileiro. E vale lembrar que a AES Eletropaulo, como qualquer empresa moderna, deve ficar mais atenta à expressão "compromisso social". Um museu como o Masp, com peças do século XIII, que precisam de ambiente climatizado, deveria gozar do status de um hospital. A Eletropaulo, por mais que alegue ter avisado o museu, não pode sair cortando a energia sem medir as conseqüências. Todas as instâncias de um acordo, e mais uma, deveriam ter sido tentadas.
Ao acusar a atitude, no mínimo truculenta, pelo acervo primoroso que o Masp abriga, não se defende a gestão do arquiteto Júlio Neves, que já provou por a + b que está levando o museu ao descrédito, mesmo porque, no campo econômico-ideológico, as partes se entendem. Diante da inépcia administrativa, os senhores conselheiros do museu poderiam pensar em uma de duas atitudes: a primeira é destituir o senhor Neves da presidência do museu (estivessem vivos, tanto Chateaubriand quando Bardi já o teriam feito). Não se resolveria o problema, pois a instituição, uma sociedade privada sem fins lucrativos, não possui dotações para sua manutenção, e os conselheiros, afora o título que carregam, pouco fazem.
A segunda atitude é mais radical e patriótica (no melhor sentido da palavra): declarar a autodissolução do museu, que, assim, segundo rezam os estatutos, passaria ao âmbito da Pinacoteca do Estado de São Paulo, o melhor museu da cidade. Portanto, sob a proteção do governo do Estado e a vigilância dos cidadãos, ao contrário do que ocorre hoje com o Masp. Seria uma mera mudança de status, já que a coleção continuaria na sede da avenida Paulista, no prédio concebido pela arquiteta Lina Bo Bardi e construído pela Prefeitura.
Um museu que possui um patrimônio avaliado, por baixo, em US$ 1,2 bilhão, não pode ser tratado como um clube privê, como ocorre na administração Neves, um tropeço de enormes proporções na história do Masp. O governo federal tem a obrigação de proteger um patrimônio que é tombado e que, como já se disse, nem brasileiro é mais, mas universal. O museu, apesar do estatuto ambíguo, não é propriedade do senhor Neves, que se reelege por inércia, pelo desinteresse de um conselho que pouco significa (ou pouco tem significado). O dono do acervo é, por mais que pareça demagógico, o Brasil.
O preço do Museu de Arte de São Paulo é a eterna vigilância.
Fonte: MENGOZZI. F. Masp: um conselho aos conselheiros. Valor Online. Cultura. 02/06/2006. Disponível em http://www.valoronline.com.br/valoreconomico/285/euefimdesemana/cultura/Masp+um+conselho+aos+conselheiros,,,47,3718691.html. Acesso em 05/06/2006.