O Masp em novo tempo
JORNAL DA USP
28 de agosto a 3 de setembro de 2006
ano XXII no. 775
Fonte: CAPOMACCIO, S. O Masp em novo tempo. Jornal da USP, RÁDIO USP FM. Disponível em http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2006/jusp775/pag14.htm#topo. Acesso em 06/09/2006.
O Masp em novo tempo
SANDRA CAPOMACCIO
DA RÁDIO USP FM
A partir de setembro, o Museu de Arte de São Paulo inicia uma nova fase. Sob a coordenadoria e curadoria de José Teixeira Coelho Netto, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, pretende dividir o espaço dos mestres do século 19 com os grandes artistas da arte contemporânea do Brasil e da América Latina
Crítico de arte, diretor do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP entre 1998 e 2002, coordenador do Observatório de Políticas Culturais da USP, autor de vários livros sobre crítica e teoria da comunicação, professor titular da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Com essa trajetória, José Teixeira Coelho Netto passa a ocupar a partir de 1o de setembro o cargo de curador-coordenador do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Ele enfrenta o desafio de implantar propostas inovadoras como a de dividir o espaço reservado às grandes obras do século 19 com a arte contemporânea do Brasil e da América Latina.
Na entrevista a seguir, concedida à repórter Sandra Capomaccio, da Rádio USP FM (93,7 MHz), Teixeira Coelho explica que o Masp está tecnicamente bem preparado e passa por uma reorganização administrativa. Lembra que é muito importante o poder público e a sociedade civil se empenharem mais em prol da arte e, especialmente, do Masp e dos museus em geral. Acentua que a arte e a cultura são elementos de convivência, estimulam as inovações e são imprescindíveis para o desenvolvimento do País.
Jornal da USP – Como é assumir um museu tão importante como o Masp?
José Teixeira Coelho Netto – Como várias pessoas estão colocando, é um desafio. Talvez não tão grande quanto as pessoas pensam efetivamente. Nos dias que antecederam a minha decisão tive uma série de conversas com a diretoria do museu. Eles me levaram para conhecer uma série de iniciativas desenvolvidas nestes últimos anos, que a maior parte das pessoas não conhece. São locais a que poucos têm acesso, como a reserva técnica do museu, as salas técnicas de controle de ar condicionado, o cofre do museu, por exemplo. O museu está tecnicamente bem preparado e agora conta também com uma empresa para reorganização administrativa e redefinição das ações de captação de recursos. O que é um ânimo, um alento especial. Então, por sorte, não será um desafio como muitos estão dizendo.
JUSP – A classe artística deve ter voz ativa na sua gestão?
Teixeira Coelho – Esse é justamente o ponto que discuti com a diretoria antes mesmo de aceitar o cargo. O Masp nunca teve ou não tinha há muito tempo um comitê técnico-consultivo, que nos bons museus geralmente é formado por representantes da classe artística, diretores de outros museus, representantes de universidades, críticos e historiadores. Esse é o canal mais direto que a comunidade pode ter com o museu. Além disso, a diretoria também concordou com o ponto de vista segundo o qual o museu precisa se abrir mais para a arte contemporânea brasileira. O Masp tem um acervo magnífico, mas é um acervo que tem enormes dificuldades para continuar comprando obras na sua linha. Hoje em dia não se compra mais um Rafael, um Monet. Não há mais condições de um museu brasileiro fazer isso. Então, ele precisa reorientar a sua coleção e sobretudo sua ação artística na direção da arte que se faz aqui e agora.
JUSP – O senhor já tem noção do tamanho da crise que o Masp atravessa?
Teixeira Coelho – O tamanho da crise do museu não é maior que o tamanho da crise de qualquer brasileiro hoje ou da crise da universidade pública ou da crise da saúde ou da educação. Há um problema de fato, que é uma certa indiferença manifestada tanto pelo poder público quanto pela sociedade em geral em relação às coisas da cultura e da arte. Não são prioritárias no Brasil, e isso é um equívoco enorme. Na Europa, dezenas e dezenas de crianças visitam diariamente o museu. Não é que elas estão sendo educadas para a arte, mas elas vão para conviver com a arte. No Brasil a educação é feita de forma completamente desculturalizada. Não há a presença da cultura e da arte. Isso faz com que o aspecto econômico da arte no Brasil seja delicado, mas não é insolúvel. Tive, agora, a oportunidade de ver o que o museu foi capaz de captar nos últimos anos para a realização dos trabalhos técnicos de reanimação estrutural do prédio. Ele precisava ser totalmente refeito nas suas estruturas e a diretoria foi capaz de conseguir recursos importantes. Nesse sentido, tenho um certo otimismo – contido, mas um certo otimismo.
JUSP – O senhor acha que o governo precisa ajudar a manter o museu ou esse é um papel da sociedade?
Teixeira Coelho – Venho insistindo na tese de que, num país como o Brasil, essa responsabilidade cabe em partes relativamente iguais ao poder público e à sociedade civil. Em nenhuma parte do mundo museu vive de recursos próprios. Bilheteria não sustenta museu. Nem o Louvre, em Paris, que tem 5 milhões, 6 milhões de visitantes por ano. O Louvre vive de um apoio governamental enorme e os museus americanos vivem do apoio da sociedade civil. Temos que encontrar uma maneira de sensibilizar ambos os lados para que alguma coisa seja feita, ou então, que se diga claramente que a cultura e a arte não interessam ao País, o que, me parece, não seria o caso.
JUSP – Como é falar sobre arte num país como o nosso, com tantos problemas sociais?
Teixeira Coelho – No Brasil, a primeira coisa é combater esse preconceito de que, pelo fato de que as necessidades são tantas, não há espaço para a cultura e a arte. Isso é um equívoco monumental. A cultura e a arte são elementos de convivência e estimulam as inovações. Não se trata de estabelecer prioridades. Há uma série de esferas da ação pública e da ação privada que precisam ser enfrentadas ao mesmo tempo. E a cultura e a arte estão entre elas. É mais difícil no Brasil? Não tenho a menor dúvida. Mas, por exemplo, as leis de incentivo fiscal tiveram como mérito maior despertar a iniciativa privada para o fato de que ela podia e devia investir parte de seus recursos em arte. Isso é um começo. É mais fácil conseguir apoio econômico para a realização de uma exposição. Mas o museu não vive de exposições. Uma exposição fica em cartaz dois ou três meses e o museu tem 12 meses para se manter. Assim, a sociedade, a iniciativa privada e o poder público têm que entender que o museu deve sobreviver ao longo do ano. Sei que as empresas têm maior retorno de imagem patrocinando uma exposição do que colaborando com os salários das pessoas, a manutenção e a conta de luz. Mas essa é uma ação que deve ser trabalhada.
JUSP – Sobre sua proposta de trabalhar a arte contemporânea, que tipo de intercâmbio é importante para o Masp?
Teixeira Coelho – Um museu do porte do Masp precisa estar constantemente integrado ao circuito internacional das exposições, seja para receber, seja para mandar. É muito difícil mandar exposições do Brasil para fora. Entre as poucas de destaque num passado recente, enviamos para o Guggenheim, de Nova York, a mostra dos 500 Anos do Brasil, mas foi paga pelo Brasil. Ou seja, o Brasil paga para enviar exposições e paga para receber. O museu, no entanto, tem que estar integrado nesse circuito e tem de tentar fazer essa integração através de intercâmbios. Ou seja, o Masp manda uma exposição para o exterior e o museu do exterior manda uma para cá, porém cada museu arca com os seus custos e o seguro.
JUSP – O senhor teve uma gestão elogiada na direção no MAC. Dá para fazer uma comparação entre o MAC e o Masp?
Teixeira Coelho – Alguns problemas são comuns, mas há diferenças notáveis. Um dos problemas que vejo no MAC é a descontinuidade administrativa. A USP adota esse sistema de mandato de direção de quatro anos, sem reeleição, mas acho que a Universidade deveria adotar a reeleição em todos os seus cargos, a começar pelo de reitor, passando por todos os outros. Na universidade americana, nos postos mais importantes, não há mandato estabelecido. Num museu, quatro anos é muito pouco. Para se ter uma idéia, uma boa exposição internacional que se queira apresentar demora dois anos para ser viabilizada. Por outro lado, o MAC e o Masp padecem de males relativamente semelhantes porque não dispõem de recursos para aumentar a sua coleção. Até meados dos anos 80, o MAC tinha uma verba de aquisição da Universidade, mas depois foi extinta e nunca mais foi reposta. A única forma que o MAC tem de aumentar a sua coleção é através de doações. Só que os colecionadores já não dão mais obras. O último que fez esse grande gesto de doação para o MAC e para todos os museus de São Paulo foi Ciccillo Matarazzo.
Fonte: CAPOMACCIO, S. O Masp em novo tempo. Jornal da USP, RÁDIO USP FM. Disponível em http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2006/jusp775/pag14.htm#topo. Acesso em 06/09/2006.