Mostra 'Queermuseu' só é transgressora para conservadores
De uma exposição intitulada “Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira” espera-se sair com alguma ideia, ainda que provisória, do que vem a ser arte queer. Mas não é o que acontece na mostra, que deixará o público confuso sobre o que é o queer em suas articulações artísticas.
O espaço ocupado pela exposição a faz parecer um gabinete de curiosidades; há um pouco de tudo, mas bem pouco do que se podia esperar de uma curadoria preocupada em enfatizar o queer naquilo que tem de singular e desviante.
Não é novidade que as exposições se transformaram em eventos com maior ou menor grau de influência sobre o imaginário da sociedade. A expressão “arte contemporânea” não define apenas uma relação com o presente, mas também um modo de se mostrar aos contemporâneos.
A exposição, organizada por Gaudêncio Fidelis, ganhou repercussão por ter sido diretamente atravessada pela fobia das imagens que caracteriza a crise contemporânea dos modos de ver e de se relacionar com o artístico. A atmosfera emocional desencadeada pela censura da mostra em Porto Alegre tornou-se parte da experiência de visitá-la agora no Rio de Janeiro.
Decerto a interdição já não pode ser descolada das expectativas que a “Queermuseu” cria, nem pode ser negligenciada em meio ao conservadorismo que visa impedir a discussão sobre gênero e sexualidade. Por isso, é importante aplaudir o esforço coletivo de realizar a mostra no Rio.
Apesar da promessa de choque pelo contato com imagens escandalosas, as figuras de sexualidade ambígua e desviante são a parte mais tímida do “Queermuseu”, que reúne 264 obras de 82 artistas brasileiros, incluindo Volpi, Portinari, Lygia Clark, Leonilson, Pedro Américo e Adriana Varejão.
A curadoria desperdiça uma grande oportunidade de propor, a um público amplo, uma cartografia do queer mais coerente, generosa e engajada.
No texto de apresentação, Fidelis propõe o uso do queer como metáfora e denuncia a primazia do olhar sobre os demais sentidos na arte ocidental. Mas o recorte do “Queermuseu” —incluindo trabalhos geométricos e experiências cromáticas que serviriam de metáfora ou analogia do queer, mas cuja referência a ele é difícil de compreender— não se alinha a essa crítica.
O rastreamento histórico do queer no contexto brasileiro, realizado de maneira pouco clara e cuidadosa, acaba por produzir uma exposição incompreensível inclusive do ponto de vista histórico.
O “Queermuseu” é sintomático de um problema atual. Ele só é transgressor para conservadores que não se interessam pela arte contemporânea, mas não o é segundo os critérios artísticos vigentes.
A censura fez o público ter a crença ilusória de que tudo o que é censurado é transgressor. Não é o caso da exposição. Quase nada do que é mostrado é capaz de desestabilizar o olhar e as convicções do espectador acostumado a bienais e galerias de arte.
É interessante que a curadoria explore a “queerness” em obras ou artistas anteriores à invenção do conceito, mas, se Jesus Cristo for um queer avant la lettre, isso está muito mais visível em Leonardo da Vinci do que nas imagens de Cristo expostas.
A exposição resulta, por um lado, na diluição da própria noção de queer sob aquela mais vaga de “diferença”; por outro lado, na normalização e canonização via inclusão forçada de grandes nomes da arte brasileira que pouco ou nada acrescentam ao conceito. O resultado é infelizmente o de uma exposição ilustrativa e não muito generosa com o espectador desavisado, e pouco enriquecedora para o iniciado.