Radicalismo domina a Saúde e a Cultura
Bolsonaro interfere no combate à Covid-19, e núcleo ideológico deve ganhar bunker na ‘guerra cultural’
Afastar dois médicos do cargo de ministro da Saúde na mais grave epidemia mundial em cem anos, deixando no posto um general do Exército, levado a liberar um protocolo que permite o uso de um medicamento sem eficácia comprovada contra a Covid-19, e ainda capaz de causar sérios efeitos colaterais, confirma que a radicalização do presidente Bolsonaro não tem limites. Nada o sensibiliza, nem o Brasil ter atingido ontem a marca de 291.579 infectados e 18.859 mortos, números trágicos, mais ainda se considerarmos a existência de grande subnotificação.
O escárnio de Bolsonaro diante da tragédia em marcha ficou registrado no vídeo em que o presidente brinca com a palavra “cloroquina”, nome do medicamento que ele insiste em incluir nas prescrições contra a Covid-19, mesmo sem qualquer respaldo médico-científico. Importa é apressar o fim da epidemia, para que os danos causados pelo Sars-CoV-2 na economia sejam abreviados e não prejudiquem seus projetos eleitorais para 2022.
Pode ser coincidência o aprofundamento da intervenção na Saúde, com as demissões de Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, ter na sequência a esperada saída de Regina Duarte da Secretaria de Cultura, depois que a atriz não se entendeu com o núcleo mais ideológico do bolsonarismo, nem conseguiu representar no governo o meio artístico, muito atingido pela crise econômica, sem que recebesse da secretária qualquer ajuda. Coincidência ou não, os fatos comprovam que o movimento de radicalização de Bolsonaro atinge o Ministério da Saúde e a Cultura.
O presidente quer o ministério alinhado à sua campanha contra o isolamento social, postura que dificilmente será apoiada por especialistas que tenham carreira a zelar. Tampouco estarão de acordo com a disseminação de um medicamento que vem sendo reprovado no uso contra a Covid-19 em testes amplos, feitos com rigor dentro e fora do país. Entrevistado ontem pela GloboNews, o infectologista Jean Gorinchteyn, do hospital Emílio Ribas, de São Paulo, citou uma pesquisa do British College, em que também se detectaram efeitos colaterais perigosos em rins, fígado e coração. Mas o entorno de Bolsonaro foi contaminado, tudo indica, em contatos com a extrema direita republicana ligada a Trump, pela expectativa de que a cloroquina resolverá as dificuldades políticas do presidente. Trump tenta a reeleição em novembro.
Bolsonaro, na prática, assumiu o Ministério da Saúde. Mantendo o general Eduardo Pazuello, para assinar novos protocolos, ou um médico que aceite esta tutela. Na Cultura, é evidente que a Secretaria na visão bolsonarista tem de ser um bunker na “guerra cultural” e também para esmagar a esquerda onde ela esteja, no meio artístico e cultural. Regina Duarte até fez alguma coreografia, como na patética entrevista à CNN Brasil, mas o chamado núcleo ideológico quer mais. Deseja ações incisivas. Bolsonaro pode ampliar seus esquadrões de radicais.
Fonte: https://oglobo.globo.com/opiniao/radicalismo-domina-saude-a-cultura-1-24437466