Para rabino Bonder, fala de Alvim ameaça país de respeito e diversidade
O pronunciamento nazista do ex-secretário nacional de Cultura, Roberto Alvim, teve duplo impacto sobre Nilton Bonder. Rabino da Congregação Judaica do Brasil, ele abomina qualquer exaltação ao regime que matou milhões de judeus. Além disso, Bonder é autor do livro best-seller A Alma Imoral, que chegou aos 450 mil exemplares vendidos e se transformou em peça que está há 13 anos em cartaz, vista por 600 mil espectadores de todo país. Também tem atuação destacada na cultura, portanto.
"É preciso pensar na leniência com que acolhemos hoje discursos odiosos", comentou ele, que coordena o Midrash Centro Cultural, no Rio. "Uma coisa que vínhamos construindo há décadas, um país de respeito à diversidade, a liberdade de expressão, tudo isso fica ameaçado por essa permissividade".
Nessa entrevista à coluna, Bonder vê como saldo positivo a clareza com que a sociedade brasileira repudiou a fala de Alvim:
UOL - Como recebeu o pronunciamento de Roberto Alvim?
Nilton Bonder - Foi uma sucessão de declarações deploráveis. Ele acabou demonstrando de forma cabal a visão que tem, a linguagem que tem, o quão despreparado estava para ocupar aquela posição. Fico realmente chocado, tanto como judeu, como minoria, quanto por essa dimensão cultural, de ver uma fala que mimifica momentos históricos gravíssimos, os piores que a gente já vivenciou. Tenho um apreço muito grande pela cultura, pela liberdade da cultura. O que ele falou tem um conteúdo massificador, que vai na contramão de qualquer sensibilidade cultural. Não posso imaginar nada mais aberrador do que essa declaração e a maneira como foi feita.
Como avalia a reação contrária à declaração de Alvim?
Esse evento sai realmente de qualquer dimensão de normalidade, tanto que a reação foi imediata de todas as áreas da sociedade e resultou na exoneração. Ele reflete toda uma condição que temos no país e pelo mundo afora que possibilita coisas que antes seriam inimagináveis. Há poucos anos, qualquer pessoa teria o freio necessário para entender o quanto inadequado, o quanto violento, o quanto equivocada é uma declaração desse tipo.
Mas ela nasce num ambiente que o mundo tem experimentado, com falas mais permissivas com relação ao ódio, à violência e ao controle da liberdade de expressão. A gente vê isso no Brasil. Por um lado, fico aliviado que uma pessoa com essa incapacidade de ocupar o cargo tenha sido exonerada, mas é preciso maior cuidado por parte das autoridades, do governo, para voltarmos a um senso de respeito e sensibilidade.
Acha que o presidente Bolsonaro agiu adequadamente?
Acho que foi célere, sim. Foi correto, É um bom exemplo essa exoneração, mas não fica tudo resolvido, porque estamos num contexto, que também é mundial, que trouxe de volta certas visões de mundo excludentes, racistas, a ponto de o antisemitismo e outras coisas que a gente não via se manifestando de forma aberta ganharem plataformas ideológicas para se apresentar. Esse foi um acontecimento importante, mas há uma questão mais ampla.
Na nota em que comunica a exoneração, Bolsonaro se dirige à comunidade judaica, mas a questão do nazismo é ainda mais abrangente, não acha?
Não tenho a menor dúvida. Foi um atentado não só à comunidade judaica, mas também contra qualquer senso de humanismo. Uma fala completamente normatizadora da cultura, com tonalidades de autoritarismo. O elemento que trouxe a comunidade judaica de maneira mais concreta para o foco e que fez com que a Confederação Israelita se manifestasse pedindo a exoneração é a maneira como foi feita, com música de Wagner ao fundo, o posicionamento, o requinte de trazer elementos na fala que eram copiados da propaganda nazista. Um conteúdo nefasto à diversidade da cultura.
Há um chamamento para a gravidade, é preciso pensar na leniência com que acolhemos hoje discursos odiosos. Isso vai resultar sempre em acontecimentos como tivemos agora. Está havendo uma permissividade que vai dar espaço a todo tipo de patologia e doença social. Uma coisa que vínhamos construindo há décadas, um país de respeito à diversidade, à liberdade de expressão, tudo isso fica ameaçado por essa permissividade.
Qual a expectativa em relação ao sucessor ou sucessora de Alvim na Secretaria de Cultura?
A mesma expectativa que tenho para todos os ministérios. Espero pessoas qualificadas, que são do meio, que têm sensibilidade, que estão aptas a ocupar esse tipo de posto tão importante. Só pessoas que tenham trajetória nesse mundo podem conduzir uma pasta tão importante para o país.
Que saldo o sr. tira desse episódio?
A clareza com que a sociedade brasileira identificou o inaceitável nesse pronunciamento e como governo agiu com celeridade é um aspecto positivo. A sociedade reagiu, o governo compreendeu a seriedade e como a sociedade demandava uma ação. A esperança é que isso sirva de alerta para que haja muita responsabilidade na colocação de pessoas à frente de áreas tão vitais.