'No mínimo, ele se identifica com o nazismo', diz Professora da USP sobre ex-secretário de Cultura
Elizabeth Harkot-de-La-Taille, que leciona semiótica, afirma que conjunto de elementos revela identificação do ex-secretário com ideologia de Hitler
A posição do braço, o quadro do presidente da República no alto da parede, a cruz patriarcal na mesa, a música preferida de Adolf Hitler ao fundo. Por si só, talvez apenas detalhes. Mas o conjunto dos elementos, na visão da especialista em semiótica e comunicação, Elizabeth Harkot-de-La-Taille, não deixa dúvidas. "Ele diz que não compactua com o nazismo, mas não é o que parece", diz ela.
Harkot-de-La-Taille se refere a Roberto Alvim, secretário da Cultura do governo Bolsonaro exonerado nesta sexta-feira (17) após veicular um vídeo, nas redes da secretaria, com diversas referências a Joseph Goebbels, ministro de propaganda da Alemanha de Adolf Hitler. O vídeo foi divulgado para anunciar o Prêmio Nacional das Artes, projeto no valor total de mais de R$ 20 milhões.
Professora do Departamento de Letras Modernas da universidade, ela identifica alguns detalhes que se assemelham à estética utilizada pelo ministro nazista. A professora diz que as semelhanças começam pelo cenário. No vídeo, Alvim está sentado bem abaixo de um quadro do presidente Jair Bolsonaro, pendurado na parede. Goebbels tem uma foto semelhante, com o retrato de Adolf Hitler na mesma posição.
"Tem uma foto do Goebbels em que ele está num certo ângulo semelhante, quase frontal. A câmera está um pouco mais à direita, assim como no vídeo do Roberto Alvim. Até o modo dele mexer os braços na mesa remete ao movimento de braços do Goebbels", declara ela. "Se pegar um item isolado no visual, não dá para falar que há semelhança. Porém, no conjunto todo, são vários os itens coincidentes ali".
Ela diz que são elementos trabalhados no ideário nazista e são presentes nos discursos de Hitler, segundo os quais existiria uma arte que elevaria a Alemanha e o povo alemão. "Trata-se muito de uma ideia de elevação, de superioridade, do orgulho de um novo país, grande e importante", afirma.
Além do discurso com muitos trechos semelhantes a declarações de Goebbels sobre a arte da Alemanha nazista, a trilha sonora do vídeo de Alvim amarra todas as referências. A música tocada ao fundo é á ópera Lohengrin, de Richard Wagner, composição alemão celebrado por Hitler.
"Se a gente admite que foi um acaso, que não era intencional, no mínimo ele se identifica profundamente com itens ligados ao nazismo. Inclusive o conteúdo da fala dele", diz Elizabeth Harkot-de-La-Taille.
Autoridades políticas do Brasil todo repudiaram o discurso de Alvim. A embaixada alemã no Brasil emitiu uma nota condenando o vídeo, dizendo que o nazismo é "o capítulo mais sombrio da história alemã e trouxe sofrimento infinito à humanidade".
Horas depois, Bolsonaro afirmou em seu Twitter que havia demitido o secretário. "Comunico o desligamento de Roberto Alvim da Secretaria de Cultura do Governo. Um pronunciamento infeliz, ainda que tenha se desculpado, tornou insustentável a sua permanência", tuitou. Um dia antes, Bolsonaro afirmou em vídeo que o Brasil agora tinha "um secretário da Cultura de verdade".
POSTURA FECHADA
Roberto Alvim é conhecido por evocar uma "guerra cultural". Professor da USP e especialista em antropologia visual e hipermídia, Sérgio Bairon explica que, da mesma forma, o clima de guerra está explícito na estética do vídeo.
"É irônico, já que o pronunciamento é para dar uma boa notícia", diz o professor. "Ele faz uma declaração pública com a postura autoritária que parece a de um Grande Irmão do '1984', de George Orwell. Mesma coisa em seu aspecto vocal, que passa uma nítida inflexibilidade em tudo que ele fala."
Bairon destaca a postura quase sempre fechada do ex-secretário. "É impressionante. Ele passa 70% do vídeo numa postura rígida, com as sobrancelhas contraídas, falando com certa autoridade ligado a um sentimentro de ódio. Ele só relaxa no final, quando declara que o Estado vai tomar conta dessas questões culturais e 'salvar a juventude'. A própria noção de que o Estado vai salvar as pessoas pela cultura já é bastante grave.", analisa o professor.
Colaborou Bolívar Torres.