Discurso de Roberto Alvim, que ecoa o nazismo, precisa ser debatido com urgência
No delirante discurso que levou à sua imediata queda, o ex-secretário especial da Cultura do governo Bolsonaro, Roberto Alvim, não se limitou a citar, parafrasear, plagiar Joseph Goebbels, o gênio do mal da propaganda nazista. Além do trecho que viralizou, lado a lado com palavras do ideólogo alemão, Alvim, num tom triunfalista calculado e medonho, trouxe à tona vários outros elementos que, há 90 anos, constituíram, no que toca à cultura, a gestação do fascismo europeu e de sua forma germânica.
A ideia de que o povo precisa ser salvo de uma “cultura doente” ecoa claramente a noção hitlerista de uma “arte degenerada” a ser expurgada. Parecido com o afã purificador que, em Berlim, incluiu até uma exposição de pinturas de grandes mestres modernos para fomentar, no grande público, o horror a tudo que respirasse liberdade, crítica, transgressão, pluralidade.
A noção dos “mitos fundantes” nacionais, evocada por Alvim ao som nada nacional de Wagner, faz parecer que nossos mitos não foram jamais visitados por essas plagas, no país de Carlos Gomes, Villa-Lobos, Oswald, Mário, dos tropicalistas, dos sambas de enredo. E em muito lembram os ideais do führer, de uma Alemanha calcada em raízes profundas de diversas filiações, carreadas por uma linhagem que remontaria à Antiguidade Clássica.
Na versão brasileira, contudo, Alvim acrescentou ingredientes do teofascismo, tendência política emergente tanto no Islã radical quanto na onda neopentecostal, que se irmanam no fundamentalismo. Ele o faz ao vincular sua “arte da nova década” à fé do povo brasileiro: Alvim crê numa pretensa revolução do já proverbial homem de bem (o típico “novo homem” totalitário) contra o mal, esse alvo móvel representado pelo que foge à bitola equestre dos que relançam o Brasil na Idade Média.
Um escritor, nas redes, comenta, fazendo trocadilho com a fala de Alvim, que a cultura brasileira “não será nada” do que preconiza “este palhaço”. Acontece que a ascensão dos fascismos é sempre precedida da impressão de tratar-se de um bando de pândegos. No caso, um louco, como quer Olavo de Carvalho, longe de ter condições de fazer juízos de sanidade. É dessa incredulidade que o monstro se vale para fixar suas garras na jugular do cidadão incauto.
Por isso o discurso de Alvim, que em outra conjuntura mereceria o lixo da História, é uma peça que, mesmo após sua exoneração, deve ser ouvida, transcrita e estudada, como parte vinculada a um evento maior que precisa ser debatido. Alvim não é a causa do problema. É apenas um sintoma de algo maior, “imperativo” e “vinculante” ao poder vigente. Toda atenção é pouca.