Após anunciar saída de Regina Duarte, governo regulariza transferência da Cultura para Ministério do Turismo
Atriz Regina Duarte negociou uma saída honrosa do Governo com a deputada Carla Zambelli e assumirá Cinemateca de SP Foto: Agência O Globo
Decreto publicado nesta quinta-feira tira pasta de limbo burocrático
RIO — Um dia após anunciar a saída de Regina Duarte da secretaria especial da Cultura, o governo federal publicou um decreto tirando a pasta do limbo burocrático em que ela se encontrava. A medida era aguardada pelo setor desde novembro de 2019, quando a Cultura foi transferida do Ministério da Cidadania para o Turismo e ficou com sua estrutura dividida entre os dois órgãos.
Essa indefinição era vista como um dos grandes obstáculos para a atuação de Regina e dificultava a tramitação das propostas do setor. Com a regulamentação do funcionamento administrativo da Cultura, o ator Mario Frias, que aceitou convite para suceder Regina, deve encontrar a "casa arrumada" para trabalhar, ao contrário do cenário encontrado pela atriz.
A medida publicada no Diário Oficial da União desta quinta-feira formaliza o funcionamento da estrutura da secretaria especial da Cultura dentro do Turismo. As mudanças possuem um prazo para que a reorganização administrativa dos órgãos seja concluída e entrará em vigor a partir do dia 8 de junho. Em outro decreto, o governo aprovou a nova estrutura do Ministério da Cidadania, onde não consta mais nenhuma atribuição relativa à secretaria especial da Cultura.
Apesar de a portaria de novembro do ano passado ter transferido a Cultura com suas secretarias e entidades vinculadas para o Turismo, alguns departamentos seguiam despachando do Ministério da Cidadania, como a secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura (Sefic), responsável pela aplicação da Lei Rouanet. Além disso, as propostas formuladas pela equipe de Regina Duarte tinham que passar por todas as instâncias de análise dos dois ministérios, o que gerava lentidão na tramitação.
Segundo revelou O GLOBO, a atriz já tinha tido acesso ao decreto que sacramentava a transferência antes de aceitar o cargo. O documento havia sido consolidado por seu antecessor, Roberto Alvim, demitido por parafrasear um discurso nazista. Ela chegou a propor mudanças na proposta, porém, em seus dois meses e meio de trabalho nada saiu do papel.
A confusão burocrática da Cultura entre dois ministérios era uma das razões apontadas pela a ex-secretária para a dificuldade em promover ações emergenciais para o setor. Algumas delas eram constantemente pleiteadas pela a classe, como a liberação do Fundo Nacional de Cultura (FNC) e do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que segue com a pendência de uma reunião do Comitê Gestor do Fundo Setorial, cujos integrantes levaram dez meses para ser definidos no ano passado. A enorme demanda de produçoes represada deve ter que esperar ainda mais tempo, já que a reorganização da Cultura pode levar a mais uma mudança na composição do comitê.
Ancine, Palmares e Funarte deixam Cultura
O decreto formaliza também a retirada da pasta da Cultura de algumas das entidades mais importantes da área no país, que eram historicamente vinculadas ao órgão. São elas a Agência Nacional do Cinema (Ancine); o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan); o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram); a Fundação Biblioteca Nacional (FBN); Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB); a Fundação Cultural Palmares; e a Fundação Nacional de Artes (Funarte).
Todos estes órgãos passam a se reportar diretamente ao ministro Marcelo Álvaro Antônio. Na prática, isso já estava ocorrendo desde o decreto da transferência editado no ano passado. Agora, com a nova portaria, eles passam a integrar formalmente a estrutura do Ministério do Turismo. A nomeação de Larissa Peixoto, ex-servidora da pasta para a presidência do Iphan, em 11 de maio, gerou críticas de ex-presidentes da autarquia e especialistas, pelo risco de o foco no turismo se sobrepor à preservação.
As nomeações para esses órgãos foram motivos de disputas de Regina Duarte dentro do governo. Ao assumir, ela conseguiu negociar a demissão do maestro Dante Mantovani da Funarte, porém não emplacou um substituto. A atriz tentou ainda tirar o presidente Sérgio Camargo da Palmares, mas não teve sucesso. Na prática, quem já estava decidindo sobre essas nomeações e seguirá com o poder da caneta com o novo decreto é o ministro Marcelo Álvaro Antônio. As novas mudanças podem reduzir ainda mais o número de servidores diretamente ligados à Cultura, que já vinha enfrentando um enxugamento desde o início de 2019, quando perdeu o status de Ministério.
Na avaliação do presidente da Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR), Eduardo Barata, o decreto formaliza a grande influência que o Turismo passa a ter sobre as políticas de Cultura no Brasil. Ele teme que a Cultura poderá ser tratada menos por sua importância artística e histórica, e mais como um ativo econômico turístico. Porém, defende que o mais importante no momento é tirar o setor da paralisia que se encontra.
— É fundamental que o governo deixe esse olhar ideológico sobre a Cultura e enxergue a importância econômica do nosso segmento que gera 3% do PIB brasileiro e emprega 5 milhões de pessoas. Espero que o ministro Marcelo Álvaro Antônio, recebendo a estrutura da Cultura que é maior que a do Turismo, saiba coordenar isso.
Frias deve assumir papel de Regina
Convidado para assumir a secretaria após se oferecer numa entrevista e fazer seguidos elogios ao presidente nas redes sociais, Mario Frias aceitou a convocação, segundo fontes do Planalto ouvidas pelo GLOBO na quarta-feira. O ator de 48 anos, um dos poucos artistas a comparecer à posse de Regina, já era cotado desde o começo do mês, quando a fragilidade da atriz no cargo se acentuou.
Ele almoçou com o presidente nos últimos dias e, depois do encontro de ontem, escreveu numa rede social: “Pra quem ainda não entendeu, vou deixar aqui o mais claro possível: aqui é Jair Bolsonaro.” Procurado, Frias não respondeu aos pedidos de entrevista. Ele será o quinto nome a comandar a Cultura em menos de um ano e meio de governo Bolsonaro. Antes de Regina, já tinham passado ppela pasta Roberto Alvim, Ricardo Braga e Henrique Pires.
Ontem, Regina pôs um ponto final em sua atuação no governo do presidente Jair Bolsonaro. Ao longo dos dois meses e meio em que foi secretária especial da Cultura, ela oscilou entre a coadjuvante apagada e a mocinha perseguida. Isso até assumir o papel de vilã ao relativizar os crimes da ditadura militar em recente entrevista.
Encerrando semanas de fritura no governo, tentou um “final feliz”. Surgiu sorridente ao lado do presidente Jair Bolsonaro, comemorando sua saída de Brasília para assumir uma Cinemateca Brasileira em estado de penúria, como O GLOBO revelou na semana passada. Acabou sendo um melancólico final para uma conturbada novela.