Análise: Bolsonaro mantém 'conveniente' esvaziamento da Cultura ao trocar seu comando a cada dois meses
Regina Duarte e Jair Bolsonaro em vídeo publicado nas redes da ex-secretária de cultura Foto: Reprodução
Demissão de Regina Duarte mostra como presidente valoriza guerra cultural semeada na pasta por Roberto Alvim
Roberto Alvim ficou 72 dias à frente da Secretaria Especial da Cultura. Caiu por plagiar um discurso nazista, mas suas ideias a favor de uma arte nacionalista e pura, feita essencialmente por nomes não esquerdistas, teriam vida longa não fosse essa "escorregada". Regina Duarte assumiu o cargo e se manteve nele, como um barco em uma tormenta, por 77 dias.
De suas intenções pouco se soube, além do discurso de posse que citava do pum de palhaço à caipirinha de maracujá. E de duas entrevistas: uma ao "Fantástico", quando reclamou estar sendo perseguida por uma "facção" olavista, e outra à CNN Brasil, em que relativizou os crimes da ditadura, recusou-se a ouvir críticas de uma colega atriz e disse que não pretendia transformar a pasta em um obituário dos artistas perdidos para a Covid 19.
Para não dizer que passou em branco, houve também algumas poucas instruções normativas para postergar prestação de contas e prazos de projetos das leis de incentivo por conta da pandemia. Sobre os fundos (Nacional de Cultura e do Audiovisual), há tanto tempo travados, nenhuma palavra.
Alvim pouco fez em sua gestão, mas deixou uma marca simbólica. Um discurso de guerra cultural muito mais sólido do que o governo vinha tentando implementar antes com ações esparsas, como a tentativa de censura a um edital e intervenção na programação de espaços culturais federais. O dramaturgo tinha a postura "perfeita" aos anseios da militância bolsonarista e alinhada aos ideias de escritor Olavo de Carvalho, que tanto influencia o governo. Foi implodido pela própria língua solta.
Aí veio Regina, com seu misto de conservadorismo, ingenuidade e simpatia. Sem o perfil de guerra tão caro a Alvim, ao menos parecia tão fiel e encantada pela novidade do poder que poderia ser maleável de acordo com os interesses de Bolsonaro. Faltou combinar com a namoradinha. Foi um período confuso, para usar uma palavra leve.
Mas a semente da guerra cultural já estava plantada, sobretudo para uma barulhenta militância olavista. Cada tentativa de ação de Regina Duarte levou uma eficaz pernada virtual. No conveniente limbo entre os ministerios da Cidadania e do Turismo — que mais do que burocracia, parece método — a secretaria parece ter encontrado sua razão para (não) existir.
Aí vem Mario Frias. Mais um ator sem experiência de gestão que leva o cargo pelo simples alinhamento com as ideias do presidente. Pode ser mais enfático na guerra cultural, a fim de manter satisfeita a ala ideológica.
Mas a verdade é que não importa muito quem assuma. Hoje o que se vê é uma pasta sem vida, condizente com a maneira com que Bolsonaro vê a Cultura. Ao trocar seu comando de dois em dois meses, o presidente a torna ainda mais inexpressiva.