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Carta aberta sobre esclarecimentos à respeito da prisão de Caroline

diversas assinaturas (texto distribuído durante o debate da revista Número com Ivo Mesquita em 12 de dezembro de 2008 e circulando por email)


À Fundação Bienal
Aos Srs. Diretores, Conselheiros,

A nota de esclarecimento emitida pela Fundação Bienal nos informou que não é de responsabilidade da Fundação o destino da jovem. E que a Bienal agiu em defesa do patrimônio público, o que é sua obrigação. Mas não esclarece se a Bienal, eximindo-se dessa responsabilidade ao cumprir com a sua, concorda ou não com o destino da jovem. Destino que agora se entrelaça com o da Fundação e marca para sempre com um drama humano o percurso de uma instituição bastante importante na cena cultural.

Muitos de nós sonham com uma arte que brote da vida e para a vida, para a liberdade, para a emancipação e o crescimento humano. Isso não inclui danos ou violência de qualquer tipo, e bem sabemos que a arte, para a qual se pensou inicialmente a Bienal, é em sua origem questionadora. Talvez ainda pensemos possível uma arte que não seja apenas para ornar paredes, livros e conversas. Qual o papel da Fundação hoje, talvez ainda herdeira, como fazem crer seus catálogos, de uma tradição crítica e artística que bebeu nessas fontes, quando não eram ainda vistas como arte, mas como insubordinação e até incapacidade.

Não é nossa intenção discutir neste momento a validade artística, ou não, da ação de Caroline. Muito menos do enorme vazio que ficou. Mas parece necessário pensar se tão longa permanência numa penitenciária é troca humana justa para o delito que a jovem teria cometido, pensando talvez apenas participar e tornar pública a existência de outras realidades. Se não há rigor desigual e desmedido, e nada construtivo. Se em resposta a uma situação potencial de risco institucional, não se estabeleceu de fato uma situação que coloca em risco desnecessariamente o destino de uma pessoa. Se a uma situação de possível ameaça, não se estabeleceu uma situação arbitrária porque injusta e efetiva de violência ainda maior.

Preferiu-se interpretar o ato de Caroline não como expressão consoante com um espaço que poderia ser de livre manifestação, mas como dano. Ao ser assim classificado, gerou-se a atual situação. Trata-se sim, e inequivocamente, de decisões. Situação que nos parece muito injusta, absurda. Além disso, o "dano" causado pela jovem poderia ter sido corrigido, inclusive com a participação dela. E corrigido facilmente, como de fato foi, demonstrando não ser ato permanente. A correção, ao que sabemos, resumiu-se a uma atividade que deve ser até rotineira, antecedendo e sucedendo exposições, expressando o zelo da Fundação pelo espaço arquitetônico que a abriga. A esta altura não temos simpatia alguma pela ação da Bienal, nem tampouco pela polarização discursiva de segmentos do chamado "meio cultural" em torno da ação da Fundação. O que está em jogo é a liberdade de uma pessoa e os valores que de fato praticamos ao representar as instituições das quais participamos.

Assim, já que a Fundação Bienal entende que a prisão da jovem não atende a uma intenção ou razão sua, convido-a a colaborar a uma ação restaurativa, não só dos edifícios, mas da liberdade, e manifestar-se e contribuir publicamente pela libertação de Caroline. Convidamos a Fundação a somar-se, de modo que faça algum sentido, no esclarecimento e na restauração de um patrimônio maior, que é o significado possível da arte e, acima disso, do sentido humanitário da nossa vivência comum. A abrir-se a um debate mais amplo da instituição e da produção cultural, que já é inevitável. Do sentido humano que deve animar a arte e as instituições, porque se estas adquirirem identidade e ânimo autônomos, se deixarem de ser ferramentas e instrumentos de nossa criação, os processos de decisão facilmente se tornarão cativos de um anonimato que de fato não existe, e nossos monumentos, de patrimônio público, passarão a uma carcaça daquilo que sonhamos possível construir ao instituí-los.

Procuramos ainda, em meio à necessária decepção e indignação com a situação que se criou, convidar a um tom de razão, a retomar a valorização da liberdade, da expressão e da vida humana, sem o que as discussões sobre arte e cultura, e nossas belas criações, como os salões elegantes e alvos que as abrigam, são apenas o verniz da barbárie que construímos com nossa indiferença.

Esta é uma carta aberta. Se concordar com seus termos fique livre para assiná-la e distribuí-la.
Se quiser entrar nesta lista de assinaturas envie um email para  [email protected] .
Se quiser uma versão digital solicite pelo mesmo email.


Subscrevem:

Cristiane Arenas - Artista
Euler Sandeville (FAUUSP/ PROCAM.USP, Aion, Espiral)
Jaime Lauriano (estudante e pesquisador em Cinema FEBASP)
Izabel Franco – Arquiteta
Clevane Pessoa da Araujó Lopes – Artista Plástica/Poetisa/Psicologa/
André Luiz Mesquita – Jornalista
Gisella Hiche – Artista
Milena Durante – Artista
Vanessa Jesus – Estudante
Julia Cseko- Escultora
Joana Cseko – Artista
Fernanda Cobra – Artista
Rodrigo Lourenço – Gravador
Giana Paris – Artista
Marina Ronco – Produtora
Rodrigo Z. Lopez – Relações Públicas
Thiago Rolands – Editor
Lucas Barboza Villar – Monitor Cultural
Floriana Breyer – Artista
George Sander – Artista
Gavin Adans- Artista
Lorenzo Mammì  - Professor
Cecilia Cotrim - Pesquisadora e professora da PUC-RJ, coletivo rés-do-chão.
Rubens Pileggi – Artista
Edson Barrus - Artista Pesquisador
Christine Mello - Professora, Pesquisadora e Critica de Arte
Flavia Vivacqua - Artista, Educadora e Desenho Cultural
Fabiolla Duarte - Arte-Educadora
Livia Flores - artista
Cristina Thorstenberg Ribas - artista
Alexandre Lambert
Eládio Garcia Sá Teles
Graziela Kunsch - artista