Crítica: Bienal de São Paulo aborda barbárie com obras sutis
"Incerteza Viva", a 32ª edição da Bienal de São Paulo, com curadoria de Jochen Volz, Gabi Ngcobo, Júlia Rebouças, Lars Bang Larsen e Sofia Olascoaga, é uma exposição delicada em um momento de conflito. Essa condição é vista logo na entrada, onde está disposta a obra de Frans Krajcberg: troncos, raízes e pedaços de madeira calcinadas são transformados pelo artista em totens que lembram a destruição, mas são também estruturas de uma nova ordem possível.
Mesmo ao abordar questões dramáticas como racismo, catástrofes ambientais ou genocídio indígena, esta é uma Bienal silenciosa, que se percebe em atitudes discretas. Ao lado da obra de Krajcberg, Bené Fonteles constrói uma oca, um lugar de encontros e de diálogo, que contrasta com a escala fria e agigantada do pavilhão.
Lá, onde pequenos altares homenageiam outros artistas, como Rubem Valentim, e militantes sociais, como Davi Kopenawa, entre outros, uma programação semanal produzirá debates em pequena escala.
Logo à frente, o filme "O Peixe", de Jonathas de Andrade, apresenta pescadores que abraçam suas presas após capturá-las, construindo um ritual de ternura e solidariedade frente à morte.
Quando pessoas celebram publicamente que uma jovem que perde um olho por violência policial mereceria perder o outro, obras como "O Peixe" ganham poder de manifesto: não há vítima que não mereça solidariedade.
A necessidade do respeito se amplia na obra "Espelho de Som", de Eduardo Navarro, composta por um instrumento que sai do pavilhão para chegar até a copa de uma palmeira, apontando para a necessidade de escuta da natureza.
Assim, "Incerteza Viva" constitui-se como uma mostra que evita o espetáculo ao tratar da barbárie. A única obra agigantada é "Dois Pesos, Duas Medidas", de Lais Myrrha, composta por duas torres no vão central do pavilhão: uma de materiais orgânicos, outra de elementos de construção civil.
Novamente, contudo, uma obra da Bienal apresenta um encontro entre dois universos opostos, mas sem confronto.
Não se trata, no entanto, de uma Bienal pacificadora, mas de uma espécie de lente de aumento que busca revelar processos, como a projeção de luz branca sobre a rampa "White Museum", obra de Rosa Barba. Nela, percebe-se que produzir imagens pode ser hoje um ato desnecessário: é preciso apenas iluminar por onde se caminha.
Essa sutileza em se aproximar de questões cotidianas se repete ao longo da mostra. Há a apologia ao lazer quando o trabalho domina todas as relações no poético filme "Gozolândia", de Priscila Fernandes, que retrata os frequentadores do parque Ibirapuera.
Há também a ironia do hilário "Uma História do Humor", de Gabriel Abrantes, filme que trata do amor de uma índia com um robô sem corpo.
Mesmo ao abordar a violência de Estado, Ebony G. Patterson cria tapetes multicoloridos e brilhantes, que apenas quando observados atentamente revelam cenas de opressão social.
Discretas também são as obras de Pierre Huyghe e Francis Alÿs. O primeiro exibe um filme com imagens microscópicas de insetos presos há milhões de anos em um pedaço de âmbar e uma sala contigua com centenas de moscas, contrapondo passado e futuro.
Já Alÿs apresenta pequenas pinturas expostas em paredes envidraçadas, já que há imagens em ambos os lados das telas, e uma animação desses jogos recorrentes no centro da cidade, com três copos e uma bola.
Aí, novamente surge a imagem de pequenos gestos, tão recorrentes ao longo da mostra. Mesmo que na abertura da Bienal artistas tenham se manifestado contra o golpe, suas obras se apresentam menos militantes, mas não por isso menos sensíveis a processos de desmonte social.
Contudo, para uma mostra tão sensível, soa desmedido e de mau gosto o logo de um dos patrocinadores estampados em todo o mobiliário espalhado pelo pavilhão. Patrocínio é essencial, mas uma marca não pode ser a imagem mais recorrente de uma exposição.