Bienal foge de nomes de peso e orquestra reação às manifestações
SILAS MARTÍ
Desde que o britânico Charles Esche e sua equipe de curadores vieram ao Brasil para trabalhar na Bienal de São Paulo, muito mistério ronda a 31ª edição da mostra, que começa em setembro.
Mas o cartaz da exposição, pendurado numa sala do pavilhão do parque Ibirapuera, já dá uma ideia do que vem por aí —são pessoas carregando uma cabana, mas só suas pernas aparecem, e eles não enxergam aonde vão.
"É uma torre aberta, uma forma icônica", diz a espanhola Nuria Enguita Mayo, uma das curadoras, sobre o desenho do indiano Prabhakar Pachpute, que ilustra o cartaz. "Eles não podem ver, então não sabem aonde vão, nem como ou quando. Só sabem que estão indo juntos."
Esche vê aí uma metáfora para seu método "orgânico" de trabalhar. Fugindo da "obsessão por nomes" e dos "artistas quentes do momento", ele adianta que a Bienal terá cerca de 80 projetos, sendo que cada um reúne uma série de artistas que trabalham em grupo em vez de sozinhos.
"Isso é arriscado. É menos pautado pelo mercado e passa bem longe das feiras de arte", diz Esche. "Mas é dessa forma que vamos poder falar das coisas que não existem."
Esse, aliás, é o nome da 31ª Bienal. "Como Falar de Coisas que Não Existem", na opinião dos curadores, será uma reação à crise de representatividade nas sociedades e governos contemporâneos, ou o motor da indignação que detonou as ondas de protestos de Istambul a São Paulo.
Na contramão da última Documenta, em Kassel, na Alemanha, e da Bienal de Veneza do ano passado, que questionaram o que pode ser visto como arte, exibindo desde meteoritos a trabalhos de doentes mentais, a mostra paulistana vai tentar mostrar "o que a arte pode fazer".
CRISE E RAIVA
"Uma das coisas que a arte pode fazer é lidar com o desconhecido, territórios de incerteza. Também ajuda a ver as coisas que não existem e como não ser controlado só por visões da economia", diz Esche. "Há uma rigidez do pensamento na nossa época que gera uma crise existencial. É essa raiva que vimos nos protestos pelo mundo."
Dessa forma, a Bienal quer fugir do modelo enciclopédico que vem orientando as grandes mostras, de Kassel a Veneza, para se transformar numa câmara de ressonância —talvez— da "voz das ruas".
Mas é cedo para especular. "Não estamos tentando ser diferentes só por ser diferentes. Não é uma tentativa quixotesca de fugir do que é a Bienal", diz Esche. "A diferença está no modo de reagir à situação contemporânea."
Nesse ponto, Esche já avisa que esta não será uma Bienal de nomes que já entraram para o cânone das artes visuais no Brasil e no resto do mundo -ou seja, nada de medalhões como Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape deve aparecer no pavilhão.
"Esses artistas já foram digeridos, já temos no corpo um conhecimento dessa obra", diz a israelense Galit Eilat, do time de Esche. "Já não vemos nada disso como exótico."
Exótico ou não, os curadores mantêm segredo sobre os nomes da mostra, adiantando que os brasileiros terão presença maior do que artistas de qualquer outro país.
Mas, além de Prabhakar Pachpute, que fará uma residência artística em Minas Gerais e deve criar um mural no pavilhão inspirado pela extração de minério, a Bienal só confirmou até agora a escalação do libanês Walid Raad.
Um dos nomes mais respeitados no circuito global e voz mais poderosa da arte do Oriente Médio, Raad também vai desenvolver um novo projeto em São Paulo, investigando as relações entre a comunidade árabe e toda a produção artística da metrópole.
Também já havia vazado o nome do israelense Dor Guez, que trabalha na mesma linha de Raad, investigando a história da diáspora palestina.
É tão grande o segredo em relação aos outros que a arquitetura da mostra está sendo pensada sem as obras. Esche só diz que nesta primeira Bienal depois da morte de Oscar Niemeyer, há dois anos, a ideia é "devolver a energia" ao lugar, "um modernismo que virou história".
Link para a matéria original: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/01/1401547-bienal-foge-de-nomes-de-peso-e-orquestra-reacao-as-manifestacoes.shtml