"Estamos reagindo aos anos 80 e 90", diz Rirkrit Tiravanija em SP
FOLHA DE S. PAULO
28 de janeiro de 2006
FOLHA Ilustrada
"Estamos reagindo aos anos 80 e 90",
diz Rirkrit Tiravanija em SP
por FÁBIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando estava para ser inaugurada a primeira retrospectiva de Rirkrit Tiravanija, há pouco mais de um ano, no Museu de Arte Moderna de Paris, o circuito local se perguntava como poderia ser a mostra de um artista que costuma cozinhar para o público, remonta seu apartamento em espaço expositivo e realiza ações em locais diversos, muitas em parceria.
Não se estranha, portanto, o fato de que, ao entrar no museu, os visitantes se deram conta de que a própria retrospectiva era uma performance: não havia nada para ver! Monitores convidavam os visitantes a caminhar pelo espaço vazio e lhes contavam como eram as ações realizadas por Tiravanija, em sua carreira. Aí, ele deixa clara sua crítica à arte objetual.
"Cresci numa cultura budista, para a qual os objetos materiais não são importantes, o que se torna uma das principais questões do meu trabalho", disse Tiravanija, anteontem, à Folha, no prédio da Bienal de São Paulo. Hoje, ele é um dos conferencistas no seminário "Marcel, 30", primeiro evento da 27ª Bienal, que será transmitido ao vivo pelo site http://forumpermanente.incubadora.fapesp.br/portal.
Para o curador alemão Jochen Volz, organizador do evento, a presença de Tiravanija no seminário sobre Marcel Broodthaers (1924-1976) se deve às similaridades nas propostas dos dois: "eles compartilham de um conceito ambivalente de público e privado, de produção e recepção, um certo uso de ironia e a busca por dissolver hierarquias institucionais".
Nascido na Argentina, mas vivendo a maior parte de sua vida na Tailândia, Tiravanija, aos 44 anos, é dos artistas contemporâneos com maior destaque no cenário internacional. Um dos criadores da "Utopia Station", plataforma lançada na Bienal de Veneza, em 2003, ele recebeu o prêmio Hugo Boss, há dois anos, organizado pelo Museu Guggenheim, competindo, entre outros, com a brasileira Rivane Neuenschwander. Pela segunda vez, em março, ele participa da Bienal do Whitney Museum, em Nova York.
Influências
Em sua primeira presença no Whitney, em 1996, Tiravanija exibiu o vídeo de uma ação de Broodthaers, no Speakers Corner, o espaço para manifestações sem censura, no Hyde Park, em Londres. "No vídeo, Broodthaers mostrava cartazes para as pessoas que estavam fazendo declarações. Essa ação silenciosa é bem representativa do que ele fazia, pequenas intervenções que pensam as instituições. Enquanto projetava essas imagens, eu e amigos fazíamos música por trás", conta o artista. Hoje, no seminário da Bienal, Tiravanija irá exibir esse mesmo vídeo durante sua fala.
"Cresci junto com várias pessoas muito influenciadas por Broodthaers, ele é mesmo uma referência importante para mim. Como ele fazia, creio que é muito importante para jovens artistas questionar seu contexto", conta Tiravanija. Outra de suas influências declaradas é o brasileiro Hélio Oiticica, que inspira a 27ª Bienal de São Paulo. "Conheci o trabalho do Hélio mais tarde, mas junto com Gordon Matta-Clark e Broodthaers, ele se tornou minha maior referência", diz. Um dos trabalhos realizados pelo artista, cozinhar para o público, é inspirado mesmo num "Parangolé Área", proposto pelo brasileiro.
Por essa tríade, fica claro que a obra de Tiravanija retoma temas dos anos 60 e 70, o que a própria Bienal "Como Viver Junto", também faz. "Creio que estamos reagindo aos anos 80 e 90, muito individualistas. Socialmente e politicamente, temos muito a ver com os anos 60, quando jovens questionavam o poder. Naquela época, nos EUA, protestava-se contra a guerra no Vietnã, agora é contra o governo conservador. E a arte tem um papel nisso, ao contrário do que muitos dizem", afirma.
Na Bienal do Whitney, Tiravanija retoma "Peace Tower", projeto de 1966, do artista Mark di Suvero, construída então contra a guerra do Vietnã que, na época, reuniu nomes como Roy Lichtenstein, James Rosenquist e Mark Rothko. Para a versão 2006, 200 artistas foram convidados e a torre ficará em frente ao Central Park, em Nova York.
Tiravanija é um dos nomes convidados para a Bienal, mas seu projeto não está definido. "Há muitas bienais pelo mundo, mas acho São Paulo importante porque aqui o público é muito amplo. Acho que o tema é oportuno, como viver junto é algo que sempre questiono, apesar da minha primeira preocupação ser sempre como viver com arte", define.
Leia também o relato da conferência de Rirkrit Tiravanija, no "Seminário Marcel, 30", por Kiki Mazzuchelli.