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Relato: oficina de curadoria "Alternativas a exposições ou exposições alternativas?", por Ana Maria Maia

por Ana Maria Maia


Quatro amigos recém formados se juntam: 1) Porque não encontram espaço para continuar trabalhando nos museus e galerias onde estagiavam quando ainda estudantes; 2) Porque naturalmente pensam formatos e discutem possibilidades expográficas para aqueles que, assim como eles, ainda não fizeram seu espaço; 3) Porque arriscam o livre exercício da curadoria de arte levando em consideração a precariedade da falta, a proposição da desordem, a colaboração dos encontros ocasionais. Sérgio Rubira é um dos quatro amigos, que hoje atendem por RMS La Asociación, um grupo de curadores e críticos de arte que fazem de Madri –e, a partir de convites, também de outras localidades- cenário para experimentos acerca de produção, exibição e circulação de arte contemporânea.

Sérgio Rubira foi convidado pelo Projeto Pensamento Emergente , realizado pelo Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (MAMAM) juntamente com Fórum Permanente de Museus, Centro Cultural da Espanha, Canal Contemporâneo, Portal Dois Pontos, Centro Cultural Brasil Alemanha (CCBA) e Centro de Formação em Artes Visuais da Prefeitura do Recife (CFAV) a ministrar workshop em Recife, no auditório do MAMAM, entre os dias 24 e 26 de outubro de 2007. Consigo trouxe Madri, RMS La asociación e seus já sete anos de precariedades, proposições e colaborações acumulados. Com vasto prelúdio de adversidades –sejam financeiras, institucionais ou políticas- narradas num fôlego de resistência a "faça você mesmo", trouxe a pauta que pensara para "Alternativas a exposições ou exposições alternativas? Sobre boîte-em-valise e outras exposições portáteis".

Numa primeira tarde de apresentações, Rubira desmontou a questão-base em motivos e direcionamentos. Contextualizou a problemática do espaço expositivo em meio a suas histórias de uma Madri de certo periférica -seguidora de Barcelona, Bilbao e Santander, embora capital- em se tratando de um circuito espanhol vigente. Expandiu os problemas contextuais para uma assertiva já antiga de enfraquecimento da instituição e elencou tentativas de superação do modelo cubo branco como hipóteses de experimentação formal, mas que não logram quebrar o código de leitura de uma exposição. Da pergunta lançada como título, portanto, resta, logo de início, apenas a porção "exposições alternativas", a partir das quais o ministrante abre para a construção de um painel curricular ilustrativo do que viria a dizer nos encontros seguintes.

A primeira exposição – Puntos de Encuentro-, segundo Rubira, "19 artistas, sem grandes relações curatoriais, numa sala de 15m2 abarrotada"-; os primeiros convites; as primeiras soluções, ainda sem parcerias ou apoios e sem retorno financeiro. O inevitável, constituir-se como empresa, chegou com o primeiro ano de um de seus projetos mais vistosos, o Madrid Abierto, evento de arte urbana paralelo à ARCO, feira que anualmente reúne artistas, galeristas, colecionadores, críticos e curadores na cidade, sempre no mês de fevereiro. Desde 2002 a ocupação das ruas de Madrid com ações artísticas –performances, intervenções, instalações, exposições- promove uma relação próxima e cotidiana com o pensar a arte daquele momento, legitima novos públicos e novas relações fruitivas.

Da concepção de uma curadoria de trabalhos espalhados pela cidade à edição de uma revista de fotografia trimestral –A Exit, que editou entre 2003 e 2006-, tudo é posto como suporte de exibição, "exposição alternativa", como insiste. O que importa é que os trabalhos cheguem às pessoas, que possam circular. Daí advém a idéia de "mostra portátil", que traz como exercício prático para os participantes do workshop. Puntos de Encuento, por exemplo, circulou pelo auditório organizada numa caixinha de slides, obra a obra. Enquanto Rubira resgatava a Boîte en valise criada por Marcel Duchamp na década de 40 do século XX, cabia àquele protótipo para retro-projetor fisgar as atenções para a funcionalidade de uma idéia simples. "O difícil hoje é achar o retro-projetor", comenta.

A maleta duchampiana, de pioneirismo arqueológico, recorte e disposição reduzidos e, sendo assim, claros a olhos ainda virgens, é um bom início de discussão para uma pauta de novos horizontes –ou, ao menos, experimentações- para a curadoria. Seguem-se a ele, já no segundo encontro e ancorados na vasta apresentação imagética, exemplos como o projeto de residência revertido em catálogo do Museu de Arte da Basiléia (Suíça, 1969) –"como as obras são dispersas, revelam-se ao longo de um ano de exibições, a exposição acontece mesmo no catálogo"-; Utopia Station, livro-exposição de autoria do crítico para a 50ª Bienal de Veneza; O museu precário, coleção de empréstimos que itinera com Thomas Hirschhorn pelos bairros de Paris.

Em oposição à colocação de uma participante que diz ter "juntado obras e organizado exposições, mas nunca haver curado", o espanhol defende a idéia de curadoria como trabalho criativo, "articulação de memória iconográfica", atividade que, mesmo não diretamente interventiva e textual, traz consigo o discurso da edição, da justaposição, da articulação. Organizar, portanto, torna-se curar, assim como fundamentar, planejar, orientar, gerenciar. A rodada de apresentações de experiências dos alunos que se seguem toma ares prescritivos nas palavras de um Rubira de contrapontos identificados. Do respeito cronológico ao retraçado de paradigmas. Do referencial teórico à proposição de soluções práticas. Um a um, passeia por uma platéia de múltiplos perfis –estudantes de artes, comunicação e design; arquitetos montadores de exposições; gestores e membros de instituições de Pernambuco, Paraíba e Brasília-, ouve resumées, idéias e inícios de projeto. Instaura-se o debate, o workshop termina em suspensão crescente de um rico fórum da forma, de uma gama de caminhos disseminados. Ao menos é o que se avista.

*Ana Maria Maia é jornalista e Coordenadora do Portal Dois Pontos ( www.doispontos.art.br).