O museu democrático: ambições e realidades do Novo Institucionalismo, por Raíza Cavalcanti
A arte dos dias atuais não é mais a mesma. Hoje os parâmetros que definem o que é arte estão bem mais vastos, situam-se bem além de um belo quadro ou uma escultura perfeitamente moldada. Considerar arte, hoje, é levar em conta idéias, contextos sociais e históricos, conceitos sociológicos e antropológicos, uma infinidade de questões que se impõem para artistas, curadores, críticos e, até mesmo, público. Se o artista dos dias atuais não pode ignorar esse novo contexto artístico, também não o podem fazer curadores, críticos e, em maior medida, as instituições. Essa é a principal idéia debatida em Curadoria no Campo Expandido: Pós-Institucionalismo, workshop ministrado por Ann Demeester no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam), Recife, entre os dias 20 e 21 de novembro de 2007. Durante os dois dias de discussão, Ann apresentou aos participantes textos de curadores e dirigentes de instituições que travam um novo discurso sobre a forma de criar exposições e formular ações institucionais dentro desse novo contexto artístico. Mostrou também modelos institucionais (principalmente o do De Appel Arts Centre, do qual é diretora desde 2006) que apresentam esse novo modo de conceber e dirigir instituições artísticas. O Pós-Institucionalismo apresentado por Ann Demeester, é voltado para a experimentação e para a abertura a novas possibilidades e projetos artísticos.
O nascimento do termo New Institutionalism data de 2001 e se refere a um modelo de instituição democrática, aberta para o diálogo com artistas, curadores e público através de projetos de exposição, workshops e desenvolvimento de políticas sociais. Para Ann, a arte e toda a estrutura que caminha com ela, apoiando-a e desenvolvendo-a, são capazes de provocar mudanças políticas e se tornarem politicamente atuantes. Coletividade, transdiciplinaridade e efemeridade são as palavras cardeais na definição do New Institutionalism. No primeiro momento da oficina, Ann apresentou aos participantes um power point com uma série de questões a serem debatidas em torno desse novo termo. Os pontos enunciavam questões do tipo "Como criar instabilidade produtiva fora e dentro da instituição?". Baseando-se em textos de curadores e críticos como Rebecca Nesbitt, Carlos Basualdo, Simon Sheikh, Jennifer Allen e Charles Esche, Ann procurou apresentar aos participantes, de maneira mais didática, o que exatamente significava o conceito que estava tratando e levantou o debate sobre como avaliar a eficiência e o sucesso dos novos modelos institucionais e, também, sobre como avaliar as Bienais dentro desse novo contexto institucional. Após a apresentação das questões e pensadores que norteariam o trabalho, Ann deu início ao workshop propriamente dito apresentando aos participantes o De Appel Arts Centre, instituição que segue - atualmente através de seu comando - a maioria dos pressupostos do que a curadora considera como novo institucionalismo.
O De Appel Arts Centre surgiu em Amsterdã, Holanda, no ano de 1975, já com características institucionais inusitadas, se comparada com outras instituições da época. A história do De Appel foi apresentada em cerca de cinco diferentes fases, para facilitar a compreensão do alcance e do ineditismo das ações realizadas por esta instituição. A primeira - ocorrida entre 1975 e 1980 - foi denominada de "Plataforma para Arte Efêmera". Na época em que nasceu o De Appel, a Europa vivia a complexa era da Arte Conceitual que, mesmo tendo vários artistas e grupos importantes realizando obras, ainda não contava com espaço de exibição nas instituições. O De Appel foi uma das raras instituições a abrir espaço para o experimentalismo da Arte Conceitual e abrigou vários trabalhos de performance de artistas como Ulay, Marina Abramovic e Vito Aconci. Durante esse período, o De Appel era dirigido por Wies Shals, que permaneceu no comando até 1984. Ainda sob o comando de Shals, o De Appel viveu, entre 1981 e 1983, a fase do "Modelo-Escritório". Nessa época, a proposta da instituição era tornar-se um escritório pronto para ajudar artistas a produzir suas idéias, sem interferir nelas de maneira alguma. O objetivo do De Appel era prospectar dinheiro e material para que os artistas realizassem trabalhos em vídeo, performances, entre outros. Ann chega a comparar o trabalho do curador dessa época com a de um parteiro, que ajudava os artistas a parir suas idéias e projetos. Já em meados de 1984, sob novo comando (o da curadora Saskia Bos), o De Appel entra em sua terceira fase, a do "Modelo-Showroom". A idéia era transformar a instituição em uma vitrine para artistas internacionais ainda não reconhecidos, mas donos de obras interessantes. O De Appel tornou-se, assim, impulsionador para a carreira de vários artistas, vindos de países diferentes que, na maioria das vezes, estavam participando de um projeto expositivo pela primeira vez. Em 1994, ainda sob a batuta de Saskia Bos, o De Appel passa para a sua quarta fase de mudanças e adiciona às suas ações o fator educacional. Considerando que servir apenas como showroom não era suficiente, Saskia Bos introduziu um programa para formar jovens curadores, o Curatorial Training Program. A intenção era ajudar a criar curadores hábeis a trabalhar com a arte contemporânea, suprindo as necessidades e superando os desafios por ela impostos na hora de realizar projetos expositivos. O curso tinha duração de cerca de sete meses e formou vários curadores, muitos deles atuantes até hoje no cenário de arte contemporânea europeu.
A fase mais recente do De Appel (a quinta, na ordem apresentada) data de 2006, ano em que Ann Demeester iniciou suas atividades no comando da instituição. O modelo vivido atualmente pelo De Appel é o "Modelo-Mutante", concebido e aplicado por Ann. Nessa concepção, é a prática do artista que baseia a ação curatorial - voltada para o cuidado em combinar discurso e arte, de maneira a não permitir que o primeiro acabe por relegar a obra à segundo plano. As diretrizes do "Modelo-Mutante" são: tornar a exibição um primeiro veículo para a mediação da produção artística, focar o agente criativo - o artista, focar o visual em conjunto com o discursivo, combinar exibição com educação, questionar residência fixa - instituição física e exílios temporários e voluntários como integrantes do debate sobre o papel da instituição.
O "Modelo-Mutante" de Ann Demeester encerra questões entre local/global, tão presentes na arte contemporânea (resultado direto da globalização da sociedade) e cuja influência nas expressões culturais são intensamente estudadas por antropólogos, curadores, artistas, sociólogos e historiadores. Ann coloca o debate sobre como mediar trabalhos com temas específicos a um contexto cultural no foco da discussão sobre arte contemporânea. Como traduzir esses trabalhos sem cair na cilada de considerar o outro como "exótico"? "Como mediar trabalhos de artistas 'periféricos' longe de análises eurocentristas?". A solução é a consciência mediadora do curador, que deve conceder apenas uma chave para que o próprio expectador torne-se capaz de decifrar as obras. O papel do curador, nesse contexto, é o de estimulador da compreensão. E a instituição, por sua vez, deve conceder ao público e aos artistas a sensação de "conforto", promovendo conexões entre diferentes espaços da cidade e promovendo projetos inclusivos que abriguem artistas de várias partes do mundo, não apenas europeus. O "Modelo-Mutante" tenta articular o tradicional com o novo, usar diferentes espaços, expandir as fronteiras da instituição para a rua, para o mundo. O De Appel, enquanto seguidor do New Institutionalism, pretende promover o local, voltando o olhar para artistas de países como a Índia, a China e o Brasil e colocar esses países em confronto com o global, apresentando suas obras como portadoras de uma linguagem artística desenvolvida e capaz de comunicar-se amplamente.