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Relato: oficina de curadoria "Curador Crítico", por Raiza Cavalcanti

Relato da oficina de curadoria Curador crítico, com Ellen Blumenstein (16 e 17 de outubro de 2007). Por Raiza Cavalcanti
Atitude política convertida em ação curatorial


Durante o workshop Curador Crítico, que aconteceu entre os dias 16 e 17 de outubro, no Recife, a curadora alemã Ellen Blumenstein apresentou aos participantes uma Alemanha traumatizada pelo nazismo, dona de um passado político tão afetado quanto os países latino-americanos pela Guerra Fria. Diante deste país perturbado, artistas e curadores assumem uma postura artística e poética que versa para o questionamento, para a busca por uma consciência do ser e por posicionamentos políticos diante de questões e debates contemporâneos.

E é baseada nessa busca por posicionamento crítico que Ellen guia sua carreira, assumindo uma atitude curatorial que vai além de um engajamento político meramente partidário. Para Ellen, ser político é defender idéias, é ter uma postura definida e coerente diante da vida e seus questionamentos. Portanto, sua ação curatorial é voltada para projetos que abordem temas questionadores e a escolha dos artistas para atuar nesses projetos se dá em termos de identificação ideológica. Ao apresentar projetos e dar conselhos aos participantes, durante a oficina, Ellen deixa clara sua opção enquanto curadora.

Primeiro dia:

O momento inicial da oficina foi reservado para a apresentação de três projetos curatoriais recentes de Ellen Blumenstein: Mito RAF (2005), Between Two Deaths (2007) e Male Fantasies (2007). Em todos esses trabalhos, fica evidente a tentativa de assumir uma postura crítica em relação a temas que envolvem terrorismo, movimentos esquerdistas, questões retomadas pelo feminismo (debate ressurgido com força na Europa nesse século XXI) e também, de maneira mais filosófica, a própria condição humana dentro do chamado pós-modernismo, marcada pela incerteza e pela angústia.

No primeiro projeto apresentado, Mito RAF, Ellen montou uma exposição com fotos, artigos de jornal, reportagens, enfim, um grande número de arquivo reunido do grupo mais controverso da Alemanha das últimas décadas: o Fração do Exército Vermelho, formado por estudantes e intelectuais, vindos de classe média alta, que lutavam contra o que denominavam de Sistema Imperialista da Alemanha Ocidental. A exposição contou com apoio governamental no início, mas sofreu grande resistência por parte da população e algumas desistências na reta final para a mostra.

Antes mesmo de Mito RAF ser inaugurada, um jornal de grande circulação no país afirmou que a mostra representava o “ápice do mau gosto". A crítica se fundamentava na idéia de que a exposição poderia contribuir para a construção de uma lenda em torno da organização que, em cerca de 28 anos de ação, matou aproximadamente 34 pessoas (entre industriais, empresários, banqueiros e políticos). Para Ellen, a concepção dessa mostra era necessária para mostrar a verdadeira realidade alemã durante as décadas de 60 e 70, já que ela considera o RAF como espelho de tudo o que acontecia naquele período. Mesmo com toda a resistência, a mostra foi imensamente visitada e isso foi resultado, segundo Ellen, além da polêmica causada, da presença marcante do grupo no imaginário alemão até hoje.

Depois da apresentação do projeto Mito RAF a sensação de déjà vu ficou evidente entre os participantes. Muitos se disseram identificados com a postura de Ellen e também com o próprio tema da exposição, já que, durante os anos de ditadura, grupos similares ao RAF agiam no Brasil, seqüestrando, matando e investindo no terrorismo para derrotar o governo militar. Essa identificação é, claramente, resquício dos anos de repressão política, que faz com que artistas e curadores ainda utilizem o discurso político (de maneira mais direta, como em Mito RAF) em suas obras.

Seguindo a apresentação de Mito RAF, Ellen mostrou Between Two Deaths, projeto baseado em um conceito psicanalítico desenvolvido por Lacan que se refere a um estado individual de insegurança, incerteza. Estar entre duas mortes é como flutuar sem certezas, dando a sensação de se estar eternamente sem um porto seguro. Isso traz à tona o criativo, que vai agir como propulsor da busca por certezas, sonhos e desejos.

O questionamento levantado por esse projeto não é diretamente político. Através do uso do conceito lacaniano, Ellen vai em busca de uma crítica subjetiva à condição humana na atualidade, tão incerta e fluida que leva as pessoas a viverem em suspensão, flutuando pela vida e sem tomar parte ativa na realidade circunscrevente. Nesse ponto, a curadora apresenta as chaves para sua definição de ser político: consciência, posicionamento, atitude, questionamento.

O último projeto apresentado, o mais recente produzido por Ellen, foi Male Fantasies (Chung King project, 2007). Aqui a intenção é confrontar o homem às questões levantadas pelo ressurgimento dos debates feministas na Europa neste século XXI. Cinco artistas homens foram convidados a realizar trabalhos que se preocupassem com a posição masculina dentro dessa discussão. Para Ellen, a importância de Male Fantasies está na sua intenção de chamar o elemento masculino à participação efetiva dentro do universo de colocações levantadas pelo feminismo, para compartilhar das decisões, debates e da vida com a mulher.

Segundo dia:

Depois do momento de apresentações do primeiro dia, seguiu-se uma tentativa de interação entre Ellen e os participantes da oficina, que ela supunha serem jovens curadores. A intenção da curadora era discutir projetos dos participantes, dando-lhes conselhos da melhor maneira de realizá-los (dentro do que ela acredita ser o papel do curador). Porém, a maioria dos participantes era jornalistas e interessados pelo tema que nunca haviam trabalhado como curadores (havia apenas uma jovem curadora no grupo). Então Ellen optou por dar aos participantes, de maneira bastante didática, um panorama geral da ação curatorial, desde a concepção do tema à realização da exposição.

O passo-a-passo dava dicas de como monitorar o tempo, de como conseguir recursos, da importância de realizar parcerias e, o mais importante, de como pesquisar e contatar artistas para a realização de um projeto. Nesse ponto, Ellen ressalta a importância do comportamento honesto e sensível do curador que, para ela, o curador deve ser o mais transparente e sensível com o artista. A ação curatorial, da maneira apresentada por Ellen, é extremamente subjetiva e passa muito perto da identificação ideológica. Ser imparcial aqui é quase impossível. Mas, já que a imparcialidade é difícil de ser alcançada que o curador, pelo menos, seja responsável na hora de escolher. Que tenha sensibilidade para saber tratar com os artistas, para explicá-los o porque da sua não escolha, deixando claro em quê está baseando seus critérios de seleção.

Após isso, foi sugerido aos participantes que apresentassem projetos ou idéias de curadoria para serem discutidas por todos. Um dos presentes sugeriu um projeto de exposição baseado no tema violência urbana do Recife. A proposta foi discutida largamente. Criaram-se categorias para trabalhá-lo melhor, pensou-se em artistas que tivessem trabalhos relacionados e, no final de tudo, fez um míni roteiro inicial de execução desse trabalho.

Depois dos conselhos de Ellen para o projeto sugerido, o debate entre os participantes versou para o próprio tema da violência. Falou-se sobre roubo, tráfico de drogas, assassinatos e Ellen comentou que nunca havia se preocupado em andar pela rua à noite até ser vítima de assalto em São Paulo. Em contrapartida, os participantes disseram nunca temer terroristas, atentados em aviões ou em lugar algum. Seguiram-se então uma série de perguntas, vindas dos dois lados, sobre o que era igual e o que era diferente entre Brasil e Europa. Independente da conclusão à que se chegou sobre diferenças e semelhanças depois dessa discussão, o fato é que a Alemanha parece bem mais familiar depois de Curador Crítico.


Raiza Cavalcanti é jornalista e trainné no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães