Unesco convoca governos a ajudarem artistas na crise do coronavírus
RIO E SÃO PAULO - Enquanto milhões de pessoas encontram na cultura uma fonte de distração, conexão e reflexão, artistas e produtores veem sua subsistência cada vez mais ameaçada pela pandemia de coronavírus. Criar uma rede de proteção social para esses profissionais já virou uma questão de ajuda humanitária. É o que apontam representantes de organizações internacionais como a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e a Cisac (Confederação Internacional de Sociedades de Autores e Compositores), que estão lançando iniciativas para pressionar governos a criarem políticas para a área em meio à crise.
Para a próxima quarta-feira (22), a Unesco convocou uma reunião on-line de ministros da Cultura do mundo todo para discutir o sustento de artistas e a preservação do patrimônio. A expectativa é que os países possam trocar experiências e identificar medidas de mitigação. Para representar o Brasil, a secretária especial da Cultura, Regina Duarte, foi chamada, conta Isabel de Paula, coordenadora de Cultura da Unesco no Brasil. A assessoria da atriz confirma o recebimento do convite e afirma que ela deve participar.
Regina já prometeu socorro aos artistas, mas nenhuma medida entrou em vigor até agora. Em 19 de março, no Instagram, disse que uma instrução normativa seria publicada para flexibilizar regras da Lei Rouanet para ajudar beneficiários, mas o documento não saiu.
Já nesta quarta (15), quando se comemora o Dia Internacional do Artista, a agência da ONU fará um debate on-line para lançar a campanha ResiliArt, que destaca a resiliência de manifestações culturais e também o drama da subsistência desses profissionais. O encontro, a partir das 9h do horário de Brasília (assista no site da Unesco), será conduzido pelo pioneiro da música eletrônica, embaixador da Unesco e presidente da Cisac, Jean Michel Jarre.
Segundo Marcelo Castello Branco, que é presidente do conselho da Cisac, entidade que representa quatro milhões de criadores de mais de 120 países, a queda de receita de direitos autorais já é da ordem de um terço da arrecadação prevista. O executivo, que também é CEO da União Brasileira dos Compositores (UBC), diz que o prejuízo atinge principalmente artistas anônimos e locais, como músicos que vivem de apresentações ao vivo, ou compositores que perderam receitas de execução de suas obras em shows, bares, shoppings e cinemas .
— Todos os dias recebemos contatos de artistas que precisam de ajuda para pagar aluguel, comprar remédio, enfim, colocar comida em cima da mesa — afirma Castello Branco. — Então ativar medidas para proteger esses profissionais já se tornou uma questão de ajuda humanitária.
Ele destaca que antes de cobrar do governo ações para o setor, as próprias organizações da sociedade civil e de gestão de artistas já tomaram iniciativas. O Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), por exemplo, anunciou uma antecipação de pagamento de direitos autorais a compositores de baixa renda. A medida deve ajudar pelo menos 22 mil profissionais afetados por cancelamentos.
— Os artistas foram os primeiros a se mobilizar, doar seu tempo, para “entrar” na casa das pessoas por meio de lives e de todo consumo cultural disponível na quarentena e assim aliviar este momento difícil. Então é preciso um olhar mais sensível para importância desse setor que economicamente foi o primeiro a ser atingido e terá uma recuperação mais lenta que os outros — completa Castello Branco.
Segundo dados da Unesco, globalmente, mais de 80% dos conjuntos tombados como Patrimônio Histórico e Cultural, como museus, igrejas e monumentos, estão fechados. Isso ameaça toda uma cadeia de artistas locais e profissionais criativos que dependem do turismo e do acesso a esses bens para trabalhar. Para o Brasil, a agência não tem um cálculo específico de quantos patrimônios estejam afetados.
Preservação em risco
Segundo Isabel de Paula, a Unesco está em contato com o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) para identificar possíveis situações de risco e oferecer orientação para enfrentá-las.
— Até na questão de segurança eles ficam mais vulneráveis, com menos profissionais trabalhando. Tudo isso preocupa. Quando a gente pensa nos riscos para esses lugares, existe uma gama de problemas: água, fogo, vento… — destaca.
Isabel destaca a importância de, neste momento, as instituições continuarem produzindo material digital que alimente o interesse pela cultura, para que, ao fim dessa situação de paralisação, as atividades sejam retomadas com entusiasmo por parte do público. A coordenadora cita como um bom exemplo as iniciativas de Paraty, que tem publicado nas redes sociais conteúdos sobre os atrativos locais. A cidade da Flip (a famosa festa literária foi adiada de julho para novembro) é reconhecida, ao lado de Ilha Grande, como Patrimônio Mundial misto, tanto por suas riquezas naturais quanto culturais, desde julho do ano passado.