Edital do Itaú Cultural recebe críticas por aprovar projetos de artistas já consagrados
Recentemente, alguns membros da classe artística brasileira têm tecido críticas ao projeto "Arte como Respiro: Múltiplos Editais de Emergência", lançado pelo Itaú Cultural, que promove inscrições em editais artísticos de diferentes áreas e oferece como prêmio valores em dinheiro.
Em meio à pandemia do novo coronavírus, diversos artistas têm enfrentado dificuldades financeiras. O cancelamento de eventos e o fechamento de espaços culturais trouxeram prejuízo ao setor, que agora tenta encontrar alternativas para contornar o problema. E, por isso, projetos como esse têm surgido como tentativas de auxiliar esses artistas.
A divulgação da lista de aprovados pelo edital de música do projeto em questão, nesta sexta-feira (8), tem nomes de pessoas famosas como Luedji Luna, Jards Macalé, Luiz Tatit, Zélia Duncan e Anelis Assumpção. Eles estão entre os 80 selecionados da categoria de obra autoral para receber R$ 5.000, o que gerou críticas nas redes sociais.
"Não estou desmerecendo de forma alguma o trabalho desses artistas, mas é tecnicamente impossível competir com eles. Com todo o meu respeito, é imoral que participem de editais como esse", escreveu o músico Caio Chiarini, no Facebook.
O Itaú Cultural argumenta que artistas do calibre de Zélia Duncan e Jards Macalé representam cerca de 10% de todos os selecionados.
"Há trabalhos contemplados de diversos perfis de artistas, de todas as regiões do Brasil e de várias cidades, além das capitais", disse Edson Natale, gerente do núcleo de música do Itaú Cultural.
Essa não foi a primeira vez que artistas já consagrados ficaram entre os aprovados pela curadoria do projeto e, assim, causaram polêmica. No edital de artes cênicas, que teve a lista de aprovados divulgada no dia 28 de abril, a atriz Bárbara Paz aparece entre os selecionados para receber até R$ 10 mil.
Comentários na publicação no Facebook da atriz Flavia Milioni, que também concorreu ao edital, questionam a necessidade "de emergência" —como sugere o nome do projeto— de Paz.
Além disso, o edital de literatura, lançado nesta quinta-feira (7), também foi alvo de críticas pelo seu recorte temático. Nele, para concorrer ao prêmio de R$ 2.500, são exigidas produções de gêneros em prosa (miniconto) ou poesia sobre a temática "vida pós-pandemia", de até 800 caracteres.
"A literatura precisa meter o dedo na ferida da sociedade. O ideal mesmo é deixar o artista livre", disse o escritor e gestor cultural Henrique Rodrigues à Folha. "Fica parecendo aqueles concursos de redação de escola, que pedem para escrever sobre tal tema."
Leopoldo Calvalcante, escritor e editor da revista digital Aboio, também não gostou do edital. "Literatura não pode se limitar a uma noção planfletária de que a vida pós-pandemia vai ser melhor. Parece que o Itaú Cultural está querendo que os escritores deem as mãos uns aos outros e falem 'we are the world, we are the children'."
Já o escritor Marcelino Freire tem outra opinião. "É preciso pensar também no outro lado dessa cadeia produtiva. Quando eu vi esse edital, que realmente pode ser mais simplificado, enviei para o poeta Miró da Muribeca, que normalmente ganha dinheiro na rua, e ele ficou super animado."
O Itaú Cultural afirma que esse edital se deu num contexto de emergência causado pela pandemia.
"Nós estamos em suspensão social e com as restrições que o home-office traz, exigindo recortes e escolhas. Esse contexto nos levou a optar por esse campo curatorial, com tema e formato, acreditando que o autor poderá praticar a sua liberdade de criação, trazendo um olhar subjetivo para esse universo", disse Claudiney Ferreira, gerente do núcleo de audiovisual e literatura do Itaú Cultural.