Camareira do Municipal, livreiro, técnico de som e outros profissionais da cultura contam como estão se virando no isolamento
No Dia do Trabalho, saiba como está difícil ser um trabalhador das artes quando não há cena cultural
Não importa o que você faz: nenhum 1º de maio será como este. Mas e se você é um dos 5 milhões de brasileiros que vivem da produção cultural? Um estudo já aponta que a paralisação da cultura vai gerar R$11,1 bilhões de prejuízo no Brasil em 3 meses. Abaixo, pessoas que ouvimos aqui no último Dia do Trabalho e outros nomes falam do impacto da Covid-19 em suas profissões.
Leila Melo, camareira do Teatro Municipal do Rio: ‘Quando as pessoas voltarão ao teatro?’
Coordenadora-chefe de camarins do Teatro Municipal do Rio há 24 anos, Leila Melo diz que nunca viu o lugar sem movimento por tanto tempo. “Nem quando ficamos sem pagamento. Trabalhamos mesmo assim, pensando: ‘o teatro não pode fechar’. Agora, está há mais de um mês de portas cerradas, triste”.
Aos 63 anos, Leila, assim como os outros funcionários, continua recebendo salário, já que o Municipal é público. Mas os bicos com os quais complementava o ordenado desapareceram. “Secou tudo”, diz ela, fluente em inglês, francês, alemão e italiano e acostumada a prestar serviços para várias produtoras de eventos. “Dava jeito de pagar as contas, né?”.
Ela sabe que haverá muitas transformações pós-pandemia e diz que está aflita. “Quando o público voltará a um teatro de dois mil lugares?” Por outro lado, acha que a pandemia pode ajudar a frear algo comum no meio artístico: o estrelismo. “Espero que as pessoas fiquem menos arrogantes. Se tem algo que a pandemia mostrou é que somos todos iguais. Não há dinheiro ou status, ela mata qualquer um.”
Rubinei Filho, técnico de som de TV e cinema: ‘Muitos estão dependendo de doações’
Conhecido no meio como “ninja do som” por conseguir captar o áudio de uma cena deixando silêncio absoluto ao redor, Rubinei Filho tem acompanhado de perto as dificuldades enfrentadas pelos técnicos do mercado audiovisual em tempos de Covid-19.
Criador da Associação dos Microfonistas e Assistentes de Som Direto do Rio, ele lembra que muitos profissionais não se enquadram no perfil para receber a ajuda emergencial do governo — destinado a cidadãos com MEI ou contribuintes da Previdência Social. “Estão dependendo de doações.
Em São Paulo, o Sindicine está ajudando técnicos parados com cestas básicas”, conta. “Também há algumas empresas oferecendo ajuda.” Rubinei começaria um projeto numa plataforma de streaming quando tudo foi suspenso.
“Adiantaram três semanas de cachê, mas com aluguel, internet e comida, a grana está acabando. E não temos previsão de volta”, afirma. “A questão do contato entre os atores e as equipes em cena é um dilema”.
Thaissa Vasconscelos, produtora cultural e fundadora do grupo Cochico na Coxia: "Fomos o primeiro setor atingido e seremos os últimos a voltar".
A produtora cultural Thaissa Vasconscellos mora a um quarteirão do seu escritório, que fica no Centro Cultural Oscar Romero, em Mesquita, na Baixada Fluminense. Tomando todos os cuidados de prevenção contra a Covid-19, ela segue batendo ponto no local, porém de forma solitária e silenciosa.
“O telefone não toca, os e-mails não chegam”, diz. “Sinto muita falta de toda movimentação, da troca de energia com a galera, de ver o elenco ensaiando”.
É lá que fica também o Teatro Cássia Valéria, de cem lugares, uma das fontes de renda da produtora, que está fechado. Thaissa diz que viu os rendimentos dela e da equipe (que está em home office) reduzidos a “zero”. Atualmente, ela depende financeiramente do marido.
A agenda do grupo, que estava lotada até maio, segue completamente em suspenso. A produtora passa os dias escrevendo projetos para tentar conseguir algum edital.
“Fomos o primeiro setor atingido, e quando o coronavírus passar seremos os últimos a voltar”.
Leonardo Marona, livreiro da Travessa: "A profissão já foi desafiada muitas vezes"
Para quem está costumado a trabalhar sempre em contato direto com o público, o isolamento pode ser especialmente difícil. Livreiro do setor de poesia da Travessa de Botafogo, e conhecido pelos clientes por suas indicações de livros alternativos, Leonardo Marona tenta descobrir novas formas de ser útil para a cultura.
Quando falou ao GLOBO em 1º de maio do ano passado, o vendedor e poeta dizia que tentava “abrir a cabeça” dos leitores. Agora, com suas atividades suspensas na livraria e recebendo uma parte do salário, ele usa a quarentena para cuidar da própria cabeça. Lê, caminha na esteira e prepara um novo livro.
“Tem sido solidão tremenda”, lamenta. “Sou uma pessoa com grande curiosidade pelos tipos humanos e no meu trabalho via gente nova o tempo todo”. Quando tudo acabar, Marona espera que o setor não fique muito diferente, apesar dos impactos econômicos.
“Devagarinho as coisas voltarão ao normal. É uma profissão antiga que já foi desafiada muitas vezes. Mas quem vai na livraria vai porque adora estar entre os livros, e isso não irá mudar”.
Arthur Braganti, tecladista e produtor: "Temos que nos ajudar, não há respaldo algum"
Aos 36 anos, o tecladista e produtor musical Arthur Braganti preparava-se para sair em turnê com a cantora Letrux quando os teatros e casas de shows começaram a fechar como medida de conter a expansão do novo coronavírus. Ela tinha acabado de lançar seu segundo disco, “Aos prantos”.
“Produzo, faço trilha de televisão, componho e toco. Nós nos organizamos para ir para a estrada, tínhamos turnê europeia quase fechada, então não nos comprometemos com nenhum outro projeto. Com a impossibilidade de tocar ao vivo, fomos pegos de calças curtas”, diz o músico, que vai pegar o auxílio emergencial da Caixa. “Somando o pouco que pode vir de direito autoral, que as lives não pagam, acho que consigo segurar por dois meses. Depois disso, talvez precise de ajuda para pagar o aluguel”.
No momento de crise, ele acredita em redes de apoio: “Sigo pagando a diarista até quando puder, temos que nos ajudar. Não temos nenhum respaldo de lugar algum, a cultura está perdendo a batalha contra o governo”.