Atropelados pela pandemia, museus rastejam na internet
O coronavírus ressuscitou a internet dos anos 1990. Entre videochamadas, lives e visitas virtuais, descobrimos o que já sabíamos —viver no universo paralelo é muito chato. O homem é um animal político. Seu lugar é a pólis, a cidade, a rua, não atrás da tela.
E descobrimos outra coisa —museus, galerias de arte e instituições culturais estão na idade da pedra da internet. Atropelados pela pandemia e sem conteúdo artístico e cultural criado para a web, aderiram aos únicos campos da vida online que conhecem, as redes sociais, ecommerce e saídas de emergência apontadas para o Google Arts & Culture.
Bom momento para revisitar ou descobrir quem não ficou na era do byte lascado, começando pelas poucas coleções de net art, como o Whitney Art Port, que comissiona obras desde 2001; o Netescópio, do Museu Estremenho e Ibero-americano de Arte Contemporânea, e a Net Art Anthology do Rhizome.org.
Entre os brasileiros, enquanto o único museu nacional com uma trajetória consistente no campo da artemídia, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, não disponibiliza na internet sua coleção “web specific” e de videoarte (trabalho em processo), uma alternativa é o site Web Arte no Brasil, mantido há 15 anos por Fabio Fon.
No plano do audiovisual, o MoMA, em Nova York, acaba de inaugurar seus tours virtuais com uma mostra do seu acervo de filmes, em sintonia com o contexto pandêmico, “Private Lives Public Spaces”.
Outra possibilidade é visitar a seção do acervo do Videobrasil, com materiais de referência sobre artistas que passaram pelos mais de 30 anos do festival paulistano.
Saindo da esfera das coleções históricas, o prêmio Hash, parceria do Museu de Arte e Mídia da Alemanha, o ZKM, com a Akademie Schloss Solitude, e fruto de residências artísticas online, é uma boa referência.
Por aqui, as atividades do Aarea, que comissiona obras de net art a artistas que não têm produções anteriores relacionadas ao meio online, funciona como um oásis. É bom lembrar, no entanto, que o site do Aarea não disponibiliza o acervo e se torna a obra do artista que está em cartaz. Seria interessante rever, nestes tempos de “coronavida”, um flashback do que já passou por ali.
Sob impacto da pandemia nas artes, o Instituto Moreira Salles prepara um projeto com obras comissionadas para o ambiente online, que respondam ao contexto da crise desencadeada pela Covid-19.
Mesmo que seja alentadora a resposta do IMS, é importante sublinhar que a aridez das instituições culturais não se resume ao vazio de conteúdo artístico. Isso fica patente quando se observa de que forma laboratórios de centros de excelência, nada digitalmente nativos, exploram a internet como dimensão ampliada de seu patrimônio.
A Biblioteca Pública de Nova York desenvolveu, há quatro anos, uma interface de visualização de dados, criada pelo artista Brian Foo, para dar acesso aos mais de 180 mil itens em domínio público sob sua guarda. É possível navegar por século (desde o 13), gênero, coleção e também por cores (uma visão muito particular do acervo). Foo fez recentemente uma plataforma semelhante para o Museu de História Natural que abrange 13 mil fotografias digitalizadas, filtros temáticos e cronológicos.
Já o Museu do Prado, em Madri, disponibiliza uma linha do tempo em camadas que possibilita contextualizar as obras em relação ao momento histórico, à arquitetura, à ciência, e também a artes cênicas, filosofia, literatura, música e pintura.
No Brasil, a ação mais sintonizada com esses processos é a integração do Museu do Ipiranga ao Glam, ou Galleries, Libraries, Archives, and Museums, da Wikipedia, que visa a expansão do seu acervo em meio digital, contemplando imagens e verbetes críticos e de caracterização das obras que detém.
Nenhuma dessas estratégias brota de um dia para o outro. A compreensão da internet para além de um repositório de links e o reconhecimento de sua produção artística são fatores determinantes. Mas investimento em pesquisa e criação são decisivos. Dito de outra forma —instituições, por favor, despendurem-se das redes sociais, contratem designers, comissionem artistas e paguem um programador.
Giselle Beiguelman é artista e professora da USP, pesquisa estéticas da memória no século 21