Resenha: Aracy Amaral, “Críticos de América Latina votan contra una bienal de Arte Latinoamericano” in Re- vista del arte y la arquitectura en América Latina de hoy
AMARAL, Aracy. “Críticos de América Latina votan contra una bienal de Arte Latinoamericano”. Re- vista del arte y la arquitectura en América Latina de hoy (Medellín, Colombia), vol. 2, nº 6 (1981): 36-41.
A crítica de arte Aracy Amaral relata sobre o evento ocorrido em São Paulo nos dias 16, 17 e 18 de outubro de 1981 que reuniu mais de 30 críticos de arte de vários países, com o objetivo de debaterem sobre os desdobramentos da proposta de uma Bienal de arte Latino americana e suas perspectivas em relação à já institucionalizada Bienal Internacional de São Paulo.
O debate situou-se a partir da realização da I Bienal de Arte Latino americana em 1978, que abriu espaço para a discussão sobre a pertinência de uma exposição de arte exclusiva para países latino americanos e o “temor” do isolamento com relação às grandes mostras internacionais. Após três dias de conferências, palestras e discussões, dedicou-se o último dia do evento para votação sobre as propostas levantadas, organizadas em três vertentes:
1)- A favor de uma Bienal exclusivamente Latino Americana (9 votos)
2)- A favor de uma Bienal Internacional com ênfase na arte latino americana (23 votos)
3)- A favor de Bienais alternadas- Uma de arte latino americana e outra de cunho internacional (1voto)
Aracy alertou para o fato, de que, a maioria dos críticos votantes apoiava a continuação do modelo de Bienal Internacional como o utilizado na organização da Bienal de São Paulo. Além da votação pela continuidade do modelo já instituído, o conjunto dos críticos elaborou um documento com algumas recomendações que a Bienal de São Paulo deveria adotar. Entre elas figurarou a ideia de que a Bienal Internacional apresentasse uma ênfase na arte latino americana e que houvesse a abrangência de outras linguagens artísticas das tendências mais contemporâneas. Recomendou-se que a instituição devesse dar prioridade à participação do público como alvo do evento e, no tocante à organização, propunha-se estruturar a exposição não mais com pavilhões nacionais, mas com convites aos diversos países.
Outras recomendações assinaladas no documento apontavam que a Bienal não se reduzisse a uma mostra de arte, mas que se desenvolvesse como um Centro permanente de atividades culturais e que se criasse um Comitê Consultivo de Integração Latino americana para coordenar projetos e atividades da instituição, entre outras ações estruturais de gestão administrativa e apoio financeiro.
Esta reunião de críticos fora convocada, pois se vislumbrava que a realização da II Bienal de Arte Latino americana estava comprometida. Não se havia mobilizado uma organização efetiva para o evento, e tal morosidade devia-se à grave crise financeira da Fundação Bienal. Nesta dimensão, Aracy pontuou alguns questionamentos sobre o caráter publico/ privado da instituição, assinalando que, embora a gestão da Bienal estivesse a cargo de empresários e industriais, a maior soma de financiamento provinha de fato dos poderes públicos municipal e estadual.
Com este esclarecimento, Aracy ponderou ainda outra problematização sobre a relevância da Bienal de Arte para a sociedade paulistana, tendo em vista que a quantidade de público atraído mostrava-se inexpressiva em relação à quantidade de valor investido na realização do evento. No ano anterior, em 1980, a Fundação se havia insuflado com ares de renovação a partir da posse do novo presidente Luis Villares. Elaborou-se projeto de reestruturação, levou-se a cabo a reforma do prédio com projeto de Paulo Mendes da Rocha, porém em pouco tempo, percebeu-se que não havia financiamento suficiente para o projeto. Nesta medida, o projeto de reestruturação foi engavetado e ações culturais, como a II Bienal Latino Americana, foram suspensas.
Dado este cenário, situou-se a reunião como um ambiente de deliberações decisórias sobre a suspensão ou manutenção da Bienal Latino Americana. Houve um acordo de que as diretrizes não deveriam ser impostas pelos responsáveis brasileiros, mas deveriam compor-se a partir de um debate compartilhado entre os países latino americanos. Para tal, buscou-se o maior índice possível de representatividade por países, o que não foi exatamente possível, devido a diversos entraves burocráticos, dentro e fora do Brasil. Somou-se a esta consulta deliberativa outra reunião promovida pela UMLAC (Unión de Museos de América Latina y el Caribe), para a qual vários críticos vieram participar. Neste cenário, localizaram-se lacunas com relação às representatividades dos países envolvidos e com relação à desigualdade numérica de votos por região (América do Sul, América Central, Caribe e México), e questionou-se se, de fato, setores culturais de cada país estariam sendo suficientemente representados a fim de estabelecer critérios norteadores para o voto.
Na perspectiva do debate, levantaram-se questões prévias sobre os critérios para a organização da Bienal no continente. Dentre as questões enunciadas pelos críticos, destaca-se a necessidade da escolha de um projeto para o campo artístico: ou assinalava-se o diálogo interno de autoconhecimento e entrosamento entre os artistas e setores latino americanos, ou escolhia-se o modelo de divulgação da arte latina para os círculos internacionais. De modo geral, buscou-se definir qual projeto seria considerado o mais interessante para a realidade artística de cada país participante. Ao lado desta questão, pontuava-se ainda, qual o tipo de arte que se colocaria em exibição, uma arte em perspectiva histórica ou se proporia uma arte contemporânea pensada a partir das novas tendências da época.
Diante da proposta de realização das duas Bienais (Bienal latino americana e Bienal Internacional de São Paulo), em anos intercalados ou em quadrienais, questionou-se, sobretudo, se todos os países conseguiriam enviar e custear suas participações em ambos os eventos. Sobre a proposta de realizar uma Bienal com ênfase latino americana, colocou-se em questão o que seria de fato uma “ênfase” na arte latina no contexto na Bienal Internacional.
No desenrolar do evento, após diversas ponderações e deliberações, compreendeu-se, por fim, que a Instituição Bienal não dispunha de abertura estatutária para absorver as proposições de mudanças, ou pelo menos as palavras de seu diretor, demonstraram impotência de ação diante do Conselho consultivo da Fundação. Aracy Amaral afirma, com certa indignação que a reunião já estava destinada ao insucesso desde seu início e localiza uma incoerência da própria instituição ao promover e apoiar o evento, se suas estruturas não se mostravam flexíveis para o diálogo e para mudanças. Imaginou-se que o debate colaboraria para um processo de “revitalização” da Bienal de São Paulo, todavia, o que se percebeu foi a manutenção burocrática dos vínculos oligárquicos e empresariais que mantinham a Fundação.
Ao lado desta frustração institucional, várias outras questões foram debatidas em relação às próprias demandas das grandes exposições. Problematizaram-se questões pragmáticas do ponto de vista da utilidade da Bienal, de seu público- alvo e se ainda cabia um sistema de competitividade em cambio de premiações. Discutiu-se também, a pertinência de “abolir” a tradicional Bienal e abrir espaço para outras expressões artísticas, ao invés da promoção de um evento exclusivamente de artes plásticas.
Cada Crítico convidado pode apresentar seu ponto de vista no debate. Marta Traba enviou por escrito seu depoimento que considerava o “esvaziamento” de público das grandes mostras como, um fato decorrente do desinteresse do público pela arte atual e menciona o mesmo esvaziamento na Bienal de Veneza. Walter Zanini manifestou sua visão de que a Bienal deveria apresentar a arte dos países latino americanos em uma perspectiva histórica, a saber, do período pré- colonial aos dias atuais. Em contraposição à proposta de Zanini, Maria Luisa Torrens do Uruguai, disse que não via sentido em colocar em mostra uma arte pré-colonial. A crítica defendeu uma Bienal latino americana, a fim de promover a integração cultural do continente, tendo em vista a visão equivocada que os círculos internacionais tinham da arte latina.
Aracy Amaral enunciou-se na defesa de uma Bienal Latino Americana como um mecanismo de conhecimento cultural mútuo do continente, que poderia propiciar um diálogo irradiador sobre nossa própria arte e história. Adriano de Aquino, representante dos artistas plásticos, defendeu que a exposição de arte se detivesse sobre a produção contemporânea e as novas tendências. Carmem Portinho, representante da seção AICA/ Brasil, endossou o argumento de Aracy sobre a necessidade de um mútuo conhecimento das produções e dos artistas latino americanos.
A participação de Maurício Segall trouxe uma perspectiva mais reflexiva sobre os propósitos da Bienal. Pontuando questões retóricas, questionou-se sobre o papel desta exposição no cenário cultural da cidade de São Paulo, referindo-se sobre relação entre a mostra e seu efetivo público. O crítico Roberto Cabrera da Guatemala argumentou que a realidade artística situava-se como parte de um sistema à luz das oscilações dos interesses do mercado. Horário Safons da Argentina destacou que a Bienal deveria centrar-se sobre o que distinguia os países, e concordava com a criação de diálogos e processos de integração. German Rubiano Caballero da Colômbia defendeu que a arte latino americana deveria ser exposta nos cenários internacionais e abrir-se para o mundo. O mexicano Jorge Alberto Manrique argumentou que nossos potenciais identitários somente poderiam ser reforçados diante do contexto internacional, ou seja, apresentou-se contra o isolamento. Argumento este endossado por Eduardo Serrano da Colômbia.
Corroborando com a ideia de que a Bienal Internacional era uma oportunidade de visibilidade para os artistas, o paraguaio Miguel Angel Fernandez defendeu o modelo Internacional. Nesta mesma perspectiva se enunciou a chilena Nena Ossa, apontando ser um retrocesso a criação de um “gueto” para a arte exclusivamente latino americana. A mesma opinião é compartilhada por Tício Escobar do Paraguai, quando apontou que o isolamento não colaboraria para a universalização da arte ocidental.
Em defesa da Bienal Latino Americana, anunciou-se o crítico brasileiro Frederico Morais, destacando o fortalecimento da auto-estima de nossa própria produção ao invés da busca de validação nos circuitos internacionais. Nesta direção, Marianne de Tolentino da República Dominicana defendeu que a insegurança com relação às nossas potencialidades originava-se de nosso próprio desconhecimento de uns sobre os outros. Tal conhecimento poderia ser fortalecido com a Mostra latina. Por fim, o argentino Damian Bayon acrescentou que tínhamos muito potencial entre os latinos americanos para a difusão de nossa própria arte.
O artigo de Aracy finaliza-se com os argumentos apresentados pelos vários críticos participantes que decidem pela manutenção do sistema de Bienal Internacional O projeto de fortalecimento de uma instituição latino americana é dissolvido em nome da demanda de globalização e dos mercados internacionais. As possibilidades decisórias da reunião, que já estavam fadadas ao fracasso desde os primeiros debates, somente evidenciaram os entraves burocráticos e mercadológicos aos quais a arte estava sujeita.
DEBATE EM SALA:
A discussão do texto em aula apresentou alguns eixos norteadores, tais como:
1)- O que caracterizaria de fato uma Bienal Latino americana?
2)- Qual o seu propósito e qual seria o seu público alvo?
3)-Como deveria ser apresentada esta arte latino- americana?
4)- Qual o sentido de resgate de uma ênfase histórica?
O debate buscou pontuar questões fundamentais trazidas pelo artigo de Aracy Amaral além de estabelecer relações com as realidades que tangem o cenário artístico atual. Delineou-se que esta reunião assinalava a crise de um projeto de integração latino americana e o desinteresse mútuo dos países em investir nesta iniciativa de fortalecimento local.
Assinalou-se também o debate sobre o financiamento deste modelo de exposição como a Bienal, e os entraves decorrentes da relação publico/privado no Brasil. Pontuaram-se as iniciativas de renúncia fiscal como mecanismo de fomento cultural e os interesses privados envolvidos nesta política.
A partir do argumento de Adriano de Aquino, chamou-se atenção para a pequena inserção de artistas nos debates artísticos e como a discussão reafirma papéis sociais de artistas, críticos e curadores.
Em uma reunião com minha orientadora Profa Dra. Lisbeth Rebollo, docente da ECA/USP, soube que ela participou deste evento de Críticos de Arte em 1981. Profa Lisbeth relata que a reunião foi articulada por Aracy Amaral com o pretenso projeto favorável à continuação da Bienal Latino Americana. No entanto, conta Lisbeth, que uma das primeiras falas no evento foi apresentada pelo crítico argentino Jorge Glusberg, que trouxe ao público uma argumentação muito bem encadeada expondo razões contrárias à manutenção da proposta. Segundo Glusberg, tal iniciativa criaria um “gueto” latino americano reforçando mais ainda o isolamento artístico dos países latino americanos, que recairiam no afastamento dos grandes centros e eventos da arte internacional. Ele se questionava sobre o sentido de reafirmar o conceito de “arte latino americana” e o despropósito da noção de identidade latina.
Com uma argumentação coerente e articulada, Glusberg abre o precedente contrário à intenção de Aracy. As opiniões se dividem e a maioria dos críticos convidados endossa a tese do crítico argentino. Profa Lisbeth comenta que a crítica Aracy Amaral demonstrou-se indignada com a votação contrária a continuidade da Bienal Latino Americana e com a fragilidade do projeto de integração latina.
Em aula, levantou-se a questão da fragilidade do debate e do poder das argumentações articuladas em meio a uma discussão polêmica. Antes da fala de Glusberg, as intenções demonstravam-se favoráveis ao fortalecimento do projeto latino americano, após a contundente contribuição do crítico, houve um movimento de ponderação e de questionamento sobre os reais interesses políticos e institucionais da arte e de seus atores. Esta contribuição da Profa Lisbeth Rebollo revela-nos a fragilidade do projeto latino americanista diante da influência do mercado e dos circuitos internacionais. Mais uma vez reafirmou-se o interesse na parceria com os centros metropolitanos em detrimento do fortalecimento local.
Como saldo desta discussão, assinala-se que esta problrmática ainda não se dissipou e é resgatada em diversas iniciativas e debates que se estendem ate a atualidade. O debate segue em aberto.