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Resenha: Mário Pedrosa, "O ponto de vista do crítico" - in Jornal do Brasil 17.01.1957

por Kelly Sabino

Resenha por:  Kelly Sabino

O artigo resenhado é o primeiro de Mario Pedrosa publicado no Jornal do Brasil depois de alguns anos de inatividade. Ali Pedrosa parece fazer o trabalho sincero e esperado de um intelectual diante de um meio de comunicação qualquer - apresentar seu lugar de fala. A esse gesto, Pedrosa dá o nome de explicação. No entanto, de partida também reputa a si a honestidade intelectual de refutar o embate da ordem da polêmica - com tratativas retificadoras do seu pensamento.  O que o crítico considera legítimo explicar, para além de querelas de ordem pessoal ou intelectual, uma vez que ocupa um lugar de destaque no jornal, é o que é a crítica para ele.

Para tecer seu artigo, Pedrosa traz à baila Baudelaire, para pensar o lugar do crítico que de partida não pode se abstrair. Logo uma crítica não pode ser neutra ou descolada de quem a emite, tampouco do repertório cultural/visual do crítico. Não é possível, portanto, frisa Pedrosa, se fazer crítica despojada de um juízo pessoal: deve-se amar/odiar aquilo que se critica. No entanto, Pedrosa é enfático, não significa que uma crítica parcial ou apaixonada deva ser da ordem do pessoal e da impressão, pelo contrário, a crítica "distingue entre valores, discrimina entre qualidades, e não acolhe sem cerimônias e sem discriminação a tudo e a todos(...) ela procura definir, com a maior precisão possível, os meios e recursos, pelo menos impessoais senão objetivos, através dos quais possa aferir as qualidades intrínsecas de uma obra".

Pedrosa adota, portanto, a crítica como um ponto de vista, conforme o título do artigo. Nesse sentido, deveria o ponto de vista do crítico abrir horizontes e não fechá-los. Quanto mais possibilidades de abertura o texto do crítico abrir mais distante das picuinhas pessoal ele se coloca, pois a sua subjetividade deixa de ser foco de interesse.

Durante toda a explanação, Pedrosa traz consigo Baudelaire como personagem conceitual, para atacar especialmente a ideia de ecletismo na crítica. O ecletismo supõe a imparcialidade, supõe um jogo de imitação e, segundo Baudelaire, falta de temperamento. Na contramão do ecletismo, estaria a adoção de um ponto de vista, fosse ele equivocado ou não, capaz de criar para o artista e/ou crítico uma espécie de ética coerente e unitária.

Pelo que pude entender, a ideia de ecletismo criticada ali perpassa tanto a produção do artista que se supõe imparcial e superior, como se pudesse operar com todas as ferramentas da arte e sem com isso dar o seu temperamento ao que é feito, quanto também sobre o trabalho do crítico que se busca objetivo e imparcial, podendo assim falar sobre todas as coisas sem jamais se arriscar.

Assim, armando o arcabouço daquilo que fará no Jornal do Brasil em sua coluna, Mario Pedrosa, termina o texto afirmando seu ponto de vista, em analogia com o do artista exclusivista, assumindo para si que haverá defeitos, mas que sobretudo, diante dessa posição ética que visa coerência e honestidade intelectual, encontrará ressonâncias e visará a abertura de possibilidades de leitura.

Por fim, no último parágrafo do texto, Pedrosa diz que um eclético nunca será um artista e com isso, ainda que no início do texto tenha definido que não faria retificações sobre seus gostos pessoais por determinados tipos de arte "não figurativas", "abstratas, etc. ele acaba o texto afirmando a sua posição retificando aquilo que lhe parece potente - uma arte exclusivista.

 

Projeto para o Museu de Brasília, 1958.

O texto inédito contido no compêndio organizado por Otília Arantes, sob o título Políticas da Arte é na verdade uma carta ao arquiteto Oscar Niemeyer que alude a um pedido do arquiteto para que Mário Pedrosa discorresse sobre suas expectativas e opiniões sobre a fundação de um museu no projeto de Brasília.

A carta é composta por 13 considerações de Pedrosa sobre o que deveria nortear a construção do museu. Como os demais textos, a escrita de Pedrosa é ácida e de posicionamentos bem definidos, como pode ser visto já no primeiro parágrafo do ponto elencado, especialmente, quando o autor critica diretamente os museus de São Paulo e Rio, a saber: MAM e MASP, considerando "precárias tentativas".

A primeira proposição de Pedrosa é que o museu de Brasília não tente competir com os seus congêneres que visam esforços para obter grandes coleções, e nesse ponto afineta também a mudança no eixo artístico do pós 2a Guerra para Nova Iorque, parte do plano de hegemonia mundial levada a cabo pelos Estados Unidos, conforme Argan explicita em seu célebre História da Arte Moderna, capítulo 7. Sobre o assunto, Pedrosa qualifica que a busca por um museu que galgasse espaço entre os grandes só poderia sair "à americana", isto é, incompleto nas suas coleções quanto  uma autêntica representação por escolas e ciclos de arte do passado, e híbrido, sem uma especialização caracterizada, de nível verdadeiramente histórico e científico."

O segundo ponto, e bastante surpreendente é que afim de não entrar nessa gama de museus em disputa por maior capital cultural, o museu de Brasília deveria ser constituído de cópias, formando "um documentário, o mais completo possível, de todos os ciclos da história da ate mundial." Nesse ponto Pedrosa dá a ver, ao que parece, uma noção de história da arte bastante evolucionista, visto que, no bojo de sua proposição, de caráter fundamentalmente educacional, estaria a vontade de "dar ao público a exata curva da evolução criadora e artística da humanidade." Contaria, portanto, com exemplares de todo o mundo e de todos os tempos!

Do terceiro apontamento em diante, Pedrosa descreve termo a termo como funcionaria tal empreitada: Divisão por ciclos históricos, cada "espaço histórico-cultural" deveria ter obras reproduzidas por diferentes técnicas, sendo os cânones os mais importantes e representativos de cada época.  O autor é específico em relação as formas de exposição dessa obras copiadas, que além de estarem expostas em salas separadas pelo ciclo que representa, deverão ser adquiridas in loco, nos países onde originalmente foram construídos os originais. E mais, sempre que possível cada sala deveria incluir  instalações que pudessem exemplificar mudanças históricas fulcrais para o entendimento e mudança no curso da história da arte, a exemplo da invenção da imprensa.

Daí, Pedrosa faz uma descrição da história da arte (toda) que deveria estar presente em seu museu. Chamando-a de ciclos históricos que tentam recobrir toda a produção artística mundial. Interessante ver que naquele momento histórico, do Renascimento ao Impressionismo, tudo estava contido na "época moderna" e aquilo que chamamos hoje de época contemporânea, correspondia ao que  chamamos de moderno. Isso para dizer que a relação com nosso próprio tempo é, ainda que muitas vezes insuspeitada, é muito delicada.

Agamben é certeiro sobre o tema:

"o presente é a coisa mais difícil para vivermos. Porque uma origem não se limita ao passado: é um turbilhão, de acordo com a imagem muito fina de Benjamin, um abismo no presente. E somos atraídos para este abismo. É por isso que o presente é, por excelência, a única coisa que resta não vivida. Ser contemporâneo é responder ao apelo que a escuridão da época faz para nós. Perceber, em meio à escuridão, esta luz que tenta nos atingir, mas não pode – isso é o que significa ser contemporâneo. (Agamben, O que é o contemporâneo, p. 65)

 

A ideia de museu de Pedrosa, por fim, me pareceu bastante elucidativa sobre o funcionamento ainda hoje desse tipo de instituição cultural. Já naquele momento o caráter educativo do museu era bastante impositivo, mesmo que tal questão tenha sido mais evidenciada com a "educational turn" proposta em meados dos anos 80, o que se faz ver é que caberiam as essas instituições a reposição de certo capital cultural, e no caso específico desse museu imaginado por Pedrosa, a reposição literalmente de todo o capital cultural referente às artes visuais do mundo. Além disso, é possível, com o uso de palavras como "passeio", "visitante", "emoção e interesse", perceber também que ali parecia estar em jogo uma espécie de tratativa do convencimento da arte para o público. Por fim, ideias como textos explicativos, percursos a escolha do visitante, didatismo e midiático, tão em voga nos equipamentos culturais da atualidade já se anteviam na visão de Pedrosa rumo à suplementação cultural necessário ao público de arte.