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Artistas passam a ter de financiar exposições

Texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo em 02 de outubro de 1997, relata a política adotada por Júlio Neves de que os artistas para exporem no Masp devem pagar os custos da exposição.

Presidente do Masp decide que os artistas precisam obter patrocinador para suas mostras e que devem bancar os serviços de montagem; críticos dizem que essa política pode transformar o museu em uma espécie de balcão

Coube a Antonio Henrique Amaral, artista cuja imagem segue ligada à contestação dos anos 60, inaugurar oficialmente a nova política de exposições do Masp -a de que o artista tem de pagar pelos serviços do museu.

A conta do marceneiro, carpinteiro e iluminador do Masp que trabalharam para Amaral foi de R$ 11,5 mil, segundo Júlio Neves, presidente do museu.

"Pagar para expor é uma loucura", afirma o próprio Amaral, que encerrou sua exposição em setembro no Masp. "Se o museu não vai gastar nada com exposições, como vai escolher os artistas? Ele ficará à mercê dos que têm patrocínio", diz.

Amaral participou da loucura que vê nesse gênero de política. Sua exposição foi escolhida em 1994 por Fábio Magalhães e a conta total, de US$ 100 mil, foi paga pelo Banco Real.
Neves acha que "é um absurdo o artista não pagar nada pela montagem". Seu raciocínio é econômico: o museu paga para seus funcionários montarem a exposição, o artista que expõe lá aumenta seu prestígio; logo, deve reembolsar o Masp.

"Isso é um escândalo", diz Agnaldo Farias, curador-assistente da última Bienal e professor da Faculdade de Arquitetura da USP em São Carlos.

Escândalo porque um museu não é um depósito do passado, diz. É um centro de produção de conhecimento. Estabelecida a "política do balcão", a do pagou, levou, o conhecimento seria a primeira característica a ruir, segundo Farias.

A regra geral é o museu bancar a exposição. A chancela tem o seguinte subtexto: "É nesse artista que apostamos, é esse tipo de arte que julgamos digna de ser mostrada aqui".

A política do Masp é uma novidade entre os grandes museus brasileiros. Milu Vilela, presidente do Museu de Arte Moderna paulista, diz que "não é o artista que tem de ir atrás de patrocínio, é o museu". No caso do MAM, ela cuida dessa tarefa.

Os artistas são escolhidos por um comitê de arte, composto por oito pessoas, entre críticos, artistas e pesquisadores. "Tudo tem de ser aprovado pelo comitê. Não existe panelinha", diz.
A Pinacoteca segue o mesmo raciocínio. "Sou contra o artista pagar para expor porque isso contraria a idéia de museu. Museu não pode ser um simples hospedeiro", afirma Emanoel Araújo, diretor da Pinacoteca.

A idéia de que o artista tem de bancar a própria exposição é o ápice da falta de rumos do Masp, dizem críticos do museu.

Pietro Maria Bardi, que reuniu o acervo, nunca teve uma política clara do que o museu deveria fazer, mas, bem ou mal, ajudou a formar a sensibilidade de duas gerações, pelo menos.
Nos anos 50, a formação se deu por meio dos cursos do Masp, cujo aluno mais ilustre foi o presidente Fernando Henrique Cardoso.

Fernando Henrique conta que, junto com Ruth Cardoso, o filósofo José Arthur Gianotti e outros amigos, fez o curso para ser monitor de museu. "Com esse curso, comecei a conhecer melhor as paixões e os sonhos de alguns gênios da pintura e escultura."
Nos anos 70 e 80, apesar da falta de rumos, o Masp abrigou algumas exposições antológicas, como uma que reunia trabalhos de Bacon, Giacometti, Dubuffet e De Kooning (1973), a produção de design da Bauhaus (1974), telas do pintor uruguaio Joaquím Torres-Garcia (1979), desenhos de Leonardo da Vinci (1984), gravuras de Picasso (1986) e esculturas do inglês Henry Moore (1990).

O problema é que Bardi misturava artistas desse porte com ilustres desconhecidos.
Seus sucessores, Fábio Magalhães e Luiz Marques, não chegaram a deixar uma marca no museu porque tiveram passagens rápidas demais.

Júlio Neves quer passar para a história como o presidente que incluiu o museu no mundo das megaexposições -não importa exatamente com que tipo de obra. No cinquentenário, Neves planejou misturar Monet, Michelangelo e Botero -esta última exposição acabou empurrada para o ano que vem por problemas de agenda. Os críticos torcem o nariz quando Neves coloca no mesmo espaço um gênio como Michelangelo e artistas como Botero, um colombiano que ficou célebre pelas gordinhas que pinta e esculpe.

"É difícil imaginar algo mais desorientador do que o Masp", diz o crítico Rodrigo Naves. "Um museu que coloca no mesmo patamar artistas como Monet e Botero deseduca o público." Para Naves, Botero é um artista de "terceira categoria", um problema comercial, não artístico.
"Um menino de 12 anos vê Monet e Botero no mesmo museu e vai achar que é tudo a mesma coisa. É claro que não é. Deveria ser uma das funções do Masp explicar isso."
Luiz Marques, que deixou o cargo de conservador-chefe do Masp em julho deste ano dizendo que preferia pesquisar história da arte na Unicamp a ser curador, diz que escolheu parte das exposições dos 50 anos (Monet e Michelangelo) e aceitou a de Portinari. Já Botero, diz que foi uma opção da diretoria.

Júlio Neves acha essas discussões pouco produtivas. Sua questão é: como levar multidões ao Masp e evitar que o museu dê prejuízo?

Não tem medo de perder um eventual Van Gogh, pobretão e sem patrocinador: "Se existisse um Van Gogh por aí outros museus estariam mais a fim expor. O Masp não é para isso".
No meio dos museus, Neves conseguiu um apoio: o de Michel Etlin, presidente da recém-criada Associação dos Museus do Estado de São Paulo. Para Etlin, a política agressiva do Masp junto a patrocinadores é uma questão de sobrevivência econômica.

Nos Estados Unidos, os museus são em boa parte sustentados por sócios. Um Kennedy doa US$ 100 mil por ano ao MoMA (Museu de Arte Moderna) e, em compensação, ganha o direito de visitar uma exposição de Matisse antes de ser aberta ao público.
Isso nunca deu certo no Brasil, segundo Etlin. Como os museus daqui não têm sócios que dêem o suficiente para sustentá-los, dependem exclusivamente de patrocinadores e da bilheteria.
"Eu adoraria que os críticos da agressividade conseguissem levar para o Masp o mesmo dinheiro que a agressividade leva", diz.

(MARIO CESAR CARVALHO)

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/fj021013.htm