Artistas passam a ter de financiar exposições
Presidente do Masp decide que os artistas precisam obter patrocinador para suas mostras e que devem bancar os serviços de montagem; críticos dizem que essa política pode transformar o museu em uma espécie de balcão
Coube a Antonio Henrique Amaral, artista cuja imagem segue ligada à contestação dos anos 60, inaugurar oficialmente a nova política de exposições do Masp -a de que o artista tem de pagar pelos serviços do museu.
A conta do marceneiro, carpinteiro e iluminador do Masp que trabalharam para Amaral foi de R$ 11,5 mil, segundo Júlio Neves, presidente do museu.
"Pagar para expor é uma loucura", afirma o próprio Amaral, que encerrou sua exposição em setembro no Masp. "Se o museu não vai gastar nada com exposições, como vai escolher os artistas? Ele ficará à mercê dos que têm patrocínio", diz.
Amaral participou da loucura que vê nesse gênero de política. Sua exposição foi escolhida em 1994 por Fábio Magalhães e a conta total, de US$ 100 mil, foi paga pelo Banco Real.
Neves acha que "é um absurdo o artista não pagar nada pela montagem". Seu raciocínio é econômico: o museu paga para seus funcionários montarem a exposição, o artista que expõe lá aumenta seu prestígio; logo, deve reembolsar o Masp.
"Isso é um escândalo", diz Agnaldo Farias, curador-assistente da última Bienal e professor da Faculdade de Arquitetura da USP em São Carlos.
Escândalo porque um museu não é um depósito do passado, diz. É um centro de produção de conhecimento. Estabelecida a "política do balcão", a do pagou, levou, o conhecimento seria a primeira característica a ruir, segundo Farias.
A regra geral é o museu bancar a exposição. A chancela tem o seguinte subtexto: "É nesse artista que apostamos, é esse tipo de arte que julgamos digna de ser mostrada aqui".
A política do Masp é uma novidade entre os grandes museus brasileiros. Milu Vilela, presidente do Museu de Arte Moderna paulista, diz que "não é o artista que tem de ir atrás de patrocínio, é o museu". No caso do MAM, ela cuida dessa tarefa.
Os artistas são escolhidos por um comitê de arte, composto por oito pessoas, entre críticos, artistas e pesquisadores. "Tudo tem de ser aprovado pelo comitê. Não existe panelinha", diz.
A Pinacoteca segue o mesmo raciocínio. "Sou contra o artista pagar para expor porque isso contraria a idéia de museu. Museu não pode ser um simples hospedeiro", afirma Emanoel Araújo, diretor da Pinacoteca.
A idéia de que o artista tem de bancar a própria exposição é o ápice da falta de rumos do Masp, dizem críticos do museu.
Pietro Maria Bardi, que reuniu o acervo, nunca teve uma política clara do que o museu deveria fazer, mas, bem ou mal, ajudou a formar a sensibilidade de duas gerações, pelo menos.
Nos anos 50, a formação se deu por meio dos cursos do Masp, cujo aluno mais ilustre foi o presidente Fernando Henrique Cardoso.
Fernando Henrique conta que, junto com Ruth Cardoso, o filósofo José Arthur Gianotti e outros amigos, fez o curso para ser monitor de museu. "Com esse curso, comecei a conhecer melhor as paixões e os sonhos de alguns gênios da pintura e escultura."
Nos anos 70 e 80, apesar da falta de rumos, o Masp abrigou algumas exposições antológicas, como uma que reunia trabalhos de Bacon, Giacometti, Dubuffet e De Kooning (1973), a produção de design da Bauhaus (1974), telas do pintor uruguaio Joaquím Torres-Garcia (1979), desenhos de Leonardo da Vinci (1984), gravuras de Picasso (1986) e esculturas do inglês Henry Moore (1990).
O problema é que Bardi misturava artistas desse porte com ilustres desconhecidos.
Seus sucessores, Fábio Magalhães e Luiz Marques, não chegaram a deixar uma marca no museu porque tiveram passagens rápidas demais.
Júlio Neves quer passar para a história como o presidente que incluiu o museu no mundo das megaexposições -não importa exatamente com que tipo de obra. No cinquentenário, Neves planejou misturar Monet, Michelangelo e Botero -esta última exposição acabou empurrada para o ano que vem por problemas de agenda. Os críticos torcem o nariz quando Neves coloca no mesmo espaço um gênio como Michelangelo e artistas como Botero, um colombiano que ficou célebre pelas gordinhas que pinta e esculpe.
"É difícil imaginar algo mais desorientador do que o Masp", diz o crítico Rodrigo Naves. "Um museu que coloca no mesmo patamar artistas como Monet e Botero deseduca o público." Para Naves, Botero é um artista de "terceira categoria", um problema comercial, não artístico.
"Um menino de 12 anos vê Monet e Botero no mesmo museu e vai achar que é tudo a mesma coisa. É claro que não é. Deveria ser uma das funções do Masp explicar isso."
Luiz Marques, que deixou o cargo de conservador-chefe do Masp em julho deste ano dizendo que preferia pesquisar história da arte na Unicamp a ser curador, diz que escolheu parte das exposições dos 50 anos (Monet e Michelangelo) e aceitou a de Portinari. Já Botero, diz que foi uma opção da diretoria.
Júlio Neves acha essas discussões pouco produtivas. Sua questão é: como levar multidões ao Masp e evitar que o museu dê prejuízo?
Não tem medo de perder um eventual Van Gogh, pobretão e sem patrocinador: "Se existisse um Van Gogh por aí outros museus estariam mais a fim expor. O Masp não é para isso".
No meio dos museus, Neves conseguiu um apoio: o de Michel Etlin, presidente da recém-criada Associação dos Museus do Estado de São Paulo. Para Etlin, a política agressiva do Masp junto a patrocinadores é uma questão de sobrevivência econômica.
Nos Estados Unidos, os museus são em boa parte sustentados por sócios. Um Kennedy doa US$ 100 mil por ano ao MoMA (Museu de Arte Moderna) e, em compensação, ganha o direito de visitar uma exposição de Matisse antes de ser aberta ao público.
Isso nunca deu certo no Brasil, segundo Etlin. Como os museus daqui não têm sócios que dêem o suficiente para sustentá-los, dependem exclusivamente de patrocinadores e da bilheteria.
"Eu adoraria que os críticos da agressividade conseguissem levar para o Masp o mesmo dinheiro que a agressividade leva", diz.
(MARIO CESAR CARVALHO)
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/fj021013.htm